terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uma frustrada entrevista

Não interessa a razão pela qual Sousa Tavares quis inaugurar o seu programa, «Sinais de Fogo», com uma entrevista a José Sócrates: se foi para mostrar que ele, Sousa Tavares, tem influência junto do poder, se para ajudar o primeiro-ministro, se para exercer escrutínio jornalístico, se para outra coisa qualquer. Ou se foi uma miscelânea de tudo isto. Não interessa, vamos ao que interessa.
Salvo o erro a entrevista teve três partes: a introdução, sobre a situação da Madeira; o desenvolvimento, sobre o caso «Face Oculta» e suas derivações; e o epílogo, sobre a situação económica e financeira do país.
Na introdução, para além das afirmações de circunstância, onde foi afirmada a solidariedade do Governo para com os madeirenses e confirmado o fim da querela sobre a Lei das Finanças Regionais, pudemos observar as dificuldades que Sócrates revela sempre que pretende demonstrar um certo tipo de sentimentos: dor, solidariedade, tristeza, consternação, etc. Nestas situações, quando observo as transformações do seu semblante, vem-me sempre à memória as máscaras de sofrimento que, desesperadamente, nós, alunos do 2º A do então ciclo preparatório, ensaiávamos, sempre que éramos convocados para representar alguma peça de teatro, nas festas de final de período. Do mesmo modo que nós não conseguíamos convencer nenhum dos professores sobre o nosso real sofrimento, também Sócrates não se consegue livrar da manifesta incapacidade de ser genuíno. Nele, tudo parece de plástico. Mas adiante.
No desenvolvimento, ouvimos o que já tínhamos ouvido, mas não ouvimos o que gostaríamos ouvir:
- como explica Sócrates que esteja permanentemente envolvido em situações que envolvem a Justiça?
- como explica Sócrates que, dizendo que nunca está envolvido em coisa nenhuma, exista sempre alguém que o envolve: ou é um tal Smith, ou é um tal Manuel Pedro, ou é um primo, ou é um tio, ou é um segundo primo, ou é um procurador Lopes da Mota, ou é um Armando Vara, ou um Penedos, ou um Rui Soares, ou um Soares Carneiro, ou um inspector da judiciária, ou um procurador do Ministério Público de Aveiro, ou um juiz de Aveiro?
- como explica Sócrates tantos casos: o caso dos projectos de engenharia feitos por outros e assinados por ele, para contornar a lei; o caso do risca e do desarrisca o título de engenheiro nos documentos da Assembleia da República; o caso da licenciatura; o caso «Cova da Beira;» o caso da compra do apartamento; o caso «Freeport»; o caso «Face Oculta»?
Sobre isto nada ouvimos. Ouvimos, novamente, que ele e o Governo não deram instruções à PT para comprar a Média Capital. Mas isto toda a gente sabe e sempre soube. O que gostaríamos de ouvir era Sócrates dizer que nunca deu instruções a quem quer que seja para que a PT comprasse a Média Capital. Isto é que gostaríamos de ouvir, mas isto não ouvimos.
Quanto ao epílogo, ficámos a saber que, afinal, económica e financeiramente somos os melhores do mundo: fomos os últimos a entrar na crise e fomos os primeiros a sair dela e somos os que temos as melhores médias europeias de tudo e mais alguma coisa — é a versão 2010 da teoria do «oásis» de Braga de Macedo, dos idos anos 90. Mas, depois, vêm as agências de rating, vêm os comissários Almuria, vêm os economistas, vêm as dívidas, vêm as empresas que fecham, vêm os chatos dos desempregados e borram toda a pintura.
Também aqui, como nos casos em que permanentemente anda envolvido, Sócrates é uma vítima. Vítima da injustiça, vítima da incompreensão.
E, ao que parece, também vítima de si mesmo, porque já ninguém acredita nele, por mais entrevistas que dê.