segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Registos e notas do fim-de-semana

Estado gastou 34 milhões em Beja sem saber se aeroporto era viável
— Tribunal de Contas arrasa projecto que acumula prejuízos há dez anos —

Alemanha está disponível para reforçar o fundo europeu, mas avisa que a paciência "não é ilimitada"

«Gerir um teatro não é como gerir uma empresa» (Miguel Lobo Antunes)

Quase 20 mil assinaturas contra os custos extra da factura da luz
Público (26/11/10)

Pedidos de empréstimo ao estrangeiro já custam 9%

Governo tenta travar reforma antecipadas

Políticos escapam a multas

Exército sem dinheiro para a comida

Instituto Superior de Engenharia de Lisboa aumenta ordenados

Caos nas multas de trânsito

Ministério não paga a escolas de música
Sol (26/11/10)

Governo reage à pressão externa e prepara-se para alterar leis do trabalho

Ministro das Finanças admite pressões para recorrer à ajuda externa, Sócrates nega
Público (27/11/10)

OE passou, mal-estar no PS não

Cimeira em Novembro, blindados em Dezembro

Um ano do Tratado de Lisboa sem festa nem pompa

Socialistas desistem de taxar dividendos da PT, Portucel e JM

Eleições que saem caro ao país
— Cavaco e Sócrates foram os piores em 1991 e 2009 —
Expresso (27/11/10)

Praticamente desde que tomou posse como primeiro-ministro, há quase seis anos, Sócrates começou a ser acusado de ser forte com os fracos e fraco com os fortes. Os rótulos são, normalmente, simplificações, porém, neste caso, a simplificação tem a virtude de revelar, de modo particularmente certeiro, um dos traços de carácter do chefe do actual Governo. De facto, desde o início, que Sócrates dirigiu sempre as suas denominadas «reformas estruturais» para os mais fracos e, sempre que simulou dirigi-las aos mais poderosos, ou recuou ou a simulação nem chegou a concretizar-se. 
Vem isto a propósito da forma como o nosso primeiro-ministro e outros seus colegas se comportam perante a arrogância alemã. O auto-intitulado "animal feroz" transforma-se recorrentemente num manso cordeiro, nas situações difíceis, nos momentos que exigem a tal fibra de que, sempre a despropósito, diz ser possuído. Na verdade, dói ouvir o silêncio do nosso e de outros chefes de Governo perante o discurso da chanceler alemã — discurso simultaneamente irresponsável, do ponto de vista da economia europeia, e insolente, do ponto de vista da solidariedade entre Estados da mesma União. É necessário que alguém recorde aos alemães que, se querem fazer contas de «deve e haver» entre países, essas contas não se fazem apenas relativamente ao presente. Nessas contas, o passado, não muito longínquo, também entra. E se quiserem comparar a capacidade de ser paciente, nós todos europeus estamos cá para pedir meças. Por exemplo, sem recuarmos muito no tempo, os alemães já têm as contas feitas sobre o mal que fizeram à Europa e ao mundo, entre 1939 e 1945? Mais recentemente, os alemães já têm as contas feitas  sobre quanto custou e ainda custa à União Europeia o processo de reunificação alemã? Os alemães querem mesmo saber quem tem sido mais paciente e com quem?
Mas nós temos um primeiro-ministro cujo patriotismo termina em Vilar Formoso e cuja coragem se esgota na decisão de descer salários e de cortar abonos de família.

Miguel Lobo Antunes, administrador da Culturgest e ex-administrador do Centro Cultural de Belém, teve a ousadia de dizer publicamente uma heresia, teve a coragem de responder à pergunta «Que devem saber de economia os directores de teatro?» com um taxativo: «Nada». E acrescentou: «Um director de teatro não deve saber nada de economia para que não se deixe contaminar por esse discurso que se pega a nós e dificilmente dele nos conseguimos libertar.» Lobo Antunes defendeu aquilo que sempre foi óbvio, e que só deixou de o ser, a partir do momento em que os engenheiros e os economistas passaram a ser os donos da política: «Gerir um teatro, ou uma actividade sem fins lucrativos não é o mesmo que gerir uma empresa.»
A Cultura, a Educação e a Ciência não são domínios onde se possam fazer contas de merceeiro, nem de vendedor, como a actual geração de políticos engenheiros gosta e pretende impor.

É interessante o modo como o Governo continua a pretender sol na eira e chuva no nabal: cria continuadamente piores condições de trabalho, paga cada vez pior e, ao mesmo tempo, escreve aos profissionais do Estado a pedir para que não se reformem.

É igualmente interessante tentar compreender até que ponto consegue chegar o amadorismo e a incompetência dos nosso governantes: há uns dias, o primeiro-ministro, com a habitual arrogância e falta de sentido do burlesco, garantia que a PT não iria antecipar a distribuição dos dividendos. No próximo mês de Dezembro, a PT vai fazer essa antecipação. 
Há uns dias, o ministro das Finanças, depois de publicamente desautorizado pela PT — que ignorou a sua «ordem» para que não fossem pagos dividendos antes de 2011 —, convidou os deputados do PS a tomarem a iniciativa legislativa de taxarem essa antecipação. Mas os deputados do Partido Socialista, depois de muitas hesitações, decidiram não corresponder ao pedido do seu ministro e nada farão.
Agora, já se sabe que não é apenas a PT que vai antecipar a entrega de dividendos, também a Portucel e a Jerónimo Martins o vão fazer.

Cavaco e Sócrates foram os que mais esbanjaram dinheiro em anos de eleições, respectivamente, 1991 e 2009. Já se sabia, mas não é demais lembrar.

domingo, 28 de novembro de 2010

Pensamentos de domingo

«O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta.»
Niccolo Maquiavel

«Deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Sei muito bem do que se trata, já o fiz cinquenta vezes.»
Mark Twain

«O dinheiro não dá felicidade. Mas paga tudo o que ela gasta.»
Millôr Fernandes
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Count Basie, Cleveland Eaton e Booty Wood

sábado, 27 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

O Céu para principiantes

«Os livros infantis que descrevem o Céu continuam a proliferar.[...] Recentemente, Maria Shriver publicou What's Heavens?, uma conversa entre mãe e filha depois do falecimentto da avó da menina. Quando a filha lhe pergunta porque é que não pode ver o Céu, a mãe responde com sofisticação filosófica: "O Céu não é um sítio que possamos ver. É um sítio em que acreditamos."
Mas o nosso Céu preferido num livro infantil é Dog Heaven, de Cynthia Rylant. Os cãezinhos que morrem não precisam de asas porque preferem correr e Deus, representado como um velho agricultor com um bigode branco e um chapéu engraçado, quer que os cãezinhos ajam com naturalidade. Este Céu é decididamente como o Éden, repleto de lagos, gansos e querubins com quem se pode brincar. Mais importante, se formos um cão, o Céu está cheio de biscoitos caseiros para cães em forma de gatinhos, esquilos e sanduíches de presunto. Ão, ão!
A avaliar pelas ilustrações bíblicas, os habitantes do céu estão perpetuamente felizes quase a ponto de se tornarem presunçosos.Tendem a reunir-se e conversar em pequenos grupos, preferindo a sombra de árvores com folhas em forma de penas. O próprio Deus, muitas vezes acompanhado por um séquito de santos, aparece ocasionalmente. Ele usa uma toga como todas as outras pessoas, mas, verdade seja dita, a sua é mais fluída, mas não que alguém se queixe.
O Céu é um dos locais mais populares dos cartoons, a par das ilhas desertas e dos consultórios de psiquiatras. Na grande maioria, a acção decorre junto às Portas do Paraíso com piadas sobre políticas de entrada.
Depois de passarmos os portões, temos uma divertida comédia de atitudes: aqui estamos nós no Além, mas continuamos basicamente a ser humanos com todas as nossas manias, neuroses e banalidades terrenas.
[A propósito] a eternidade — mesmo no Céu — poderá trazer aquele velho tédio? Imaginem o Gil, um pescador inveterado.
Gil está a pescar num lindo ribeiro e apanha um maravilhoso salmão com 10 quilos. Porém, enquanto está a puxá-lo sofre um ataque cardíaco fulminante.
Quando desperta, vê que está deitado ao lado de um ribeiro ainda mais belo, cheio de salmões. Ao seu lado, uma cana de pesca sofisticadíssima. Ele pega nela e lança a linha. Bingo! Apanha imediatamente um salmão espectacular de 15 quilos e puxa-o. Sente-se maravilhosamente bem. E continua a pescar enquanto os gloriosos peixes se estendem numa longa fila na margem atrás de si.
Todavia, à medida que a tarde vai passando, Gil apercebe-se de que já não está a pescar com o entusiasmo habitual. Na verdade, começa a sentir-se aborrecido.
Nesse momento, vê outro homem a andar pela margem do ribeiro na sua direcção.
— Então, isto é o Céu — diz Gil para o outro homem.
— Acha que sim? — resmunga o outro.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.154-158.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2

Prosseguindo nos apontamentos sobre o desnorte da actual avaliação dos professores, proponho que continuemos debruçados sobre primeira dimensão — «Vertente profissional, social e ética» — dos Padrões de Desempenho Docente. 
Para além dos indicadores já referidos, na semana passada, encontramos um outro cujo enunciado é o seguinte: «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos.» Este indicador tem um conteúdo dúbio. Mas, para além deste indicador ser dúbio no seu verdadeiro significado, nenhum dos descritores o esclarece nem a ele se refere.  Se o objectivo do descritor é descrever de modo mais concreto e pormenorizado o que o indicador indica, então não podem existir indicadores que não sejam abrangidos por descritores. Mas é o que acontece repetidamente neste modelo de avaliação. Ora, tecnicamente, isto é inaceitável. Nesta dimensão, por exemplo, que tem a designação de «Vertente profissional, social e ética,» existem onze indicadores, todavia os descritores do nível «Excelente» só abrangem nove desses indicadores, e digo nove com muito boa vontade e grande elasticidade interpretativa. Ficam, pois, no mínimo, dois indicadores de fora («Responsabilidade no dever de promoção de ambientes de trabalho seguros, exigentes e estimulantes» e «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos»). Estes dois indicadores não são para avaliar? Se não são, que estão lá a fazer?
Acresce a isto o facto de o conteúdo de alguns descritores ser tão genérico que não descreve nada em concreto, como lhe competiria fazer, segundo a lógica e a fundamentação teórica que antecede os quadros dos indicadores e dos descritores.

Mas regressemos agora ao indicador acima referido: «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos.» Rigorosamente, o que significa «valorizar os diferentes saberes e culturas dos alunos»? Significa que o professor deve dar valor a todo e qualquer saber, que deve dar valor a todo e qualquer elemento cultural que os alunos revelem? E deve fazê-lo acriticamente? Atendendo ao modo como está enunciado o indicador, parece ser isto que se pretende. Ora isto é consensualmente inaceitável.  Pode, por exemplo, um professor valorizar a prática cultural da excisão feminina? Prática que não existe apenas nas longínquas terras africanas, existe também em Portugal, trazida por imigrantes de algumas das nossas ex-colónias e já denunciada publicamente  por várias instituições. Pode um professor valorizar a prática cultural de subserviência da mulher em relação ao homem, presente em várias comunidades muçulmanas existentes no nosso país? Pode um professor valorizar a prática cultural do «chefe de família», concepção ainda prevalecente em várias das nossas regiões? Os exemplos poderiam ser muitos.
Todavia, se não é acriticamente que essa valorização deve ser feita, quais são os critérios que devem conduzir o professor na crítica desses saberes e dessas culturas que os alunos trazem? Esses critérios são definidos por quem? Pelo professor? Nesse caso, segundo que critérios é que o avaliador vai avaliar os critérios desse professor no exercício crítico dos saberes e das culturas dos seus alunos? E esse exercício crítico feito pelo professor  não pode configurar uma desvalorização desses saberes e culturas dos alunos? Se configura uma desvalorização, o professor deve ser penalizado por isso, por não proceder à «valorização dos diferentes saberes e culturas dos seus alunos.»?

Finalmente, e para além do acima exposto, como é que se avalia, em duas aulas observadas, se um professor valoriza ou não valoriza os saberes e a cultura dos seus alunos? E como é que se avalia, sem aulas observadas, se um professor valoriza ou não valoriza os saberes e a cultura dos seus alunos?
Não conheço nenhuma resposta séria a nenhuma destas questões. Já as formulei em vários sítios e a várias interlocutores, alguns dos quais defensores desta avaliação. Obtive como resposta o silêncio ou o evasivo e repetitivo discurso de «na altura, logo se resolverá». É esta irresponsabilidade que preside e sustenta esta mentira avaliativa.
Para a semana, procurarei deixar mais alguns apontamentos sobre este assunto.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Notas soltas sobre o dia de hoje e os dias que hão-de vir

1. Ouvi a conferência de imprensa, realizada hoje à hora do almoço, da ministra do Trabalho, Helena André, e do secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo dos Santos, para apresentarem o primeiro balanço do Governo relativamente à greve geral em curso. 
Tive oportunidade de constatar dois comportamentos.
O da ministra, que interveio num tom minimamente sensato, não provocatório, revelando, pelo menos aparentemente, que tinha consciência de se estar a referir a um acontecimento que, do ponto de vista político e social, é de grande relevância.  A um acontecimento que,  numa sociedade democrática, tem de ser escrupulosamente respeitado, assim como tem de ser escrupulosamente respeitado o esforço e o sacrifício que milhares de profissionais fizeram, quando a ele decidiram aderir, isto é, quando livremente decidiram participar na greve geral.
Depois, houve o comportamento do secretário de Estado. E pareceu então que não estávamos perante dois membros do mesmo Governo. Um, ponderado, o outro, irresponsável. Um, sensato, o outro, arrogante. Um, respeitador, o outro, provocador. Irresponsável, arrogante e provocador no que disse e no modo como disse. Gonçalo dos Santos ainda é um rapazito, é imaturo de idade e, como se viu, de responsabilidade, e teve um comportamento consentâneo com essa imaturidade: num tom açulador, procurou minimizar o significado da greve, apresentou números que pretendiam ridicularizá-la, afirmou que não era uma greve geral, que era meramente uma greve transversal e outras impertinências do género.
Mas, lamentavelmente, nada no comportamento deste secretário de Estado admira: os comportamentos néscios são uma das marcas de água deste Governo.

2. «Um país que já não dá para nada» foi este o comentário que um jornalista do Público ouviu de alguns jovens, à porta de uma escola secundária. Sendo este o sentimento que, no momento, predomina nos portugueses, seria de esperar que os dirigentes políticos que conduziram o país a esta situação tivessem a humildade e o bom senso de assumirem essa responsabilidade através de uma de duas formas: ou abandonando a política desastrosa que têm realizado ou abandonando as funções que têm desempenhado.

3. O primeiro-ministro da Irlanda informou hoje que vai reduzir o salário mínimo e vai proceder ao despedimento de cerca de 25 mil funcionários públicos, entre outras medidas inadmissíveis. 
O primeiro-ministro irlandês, o primeiro-ministro grego, o primeiro-ministro português e todos os primeiro-ministros que submissamente aquiescem ao poder financeiro são políticos medíocres, são políticos sem mérito. Quem aceita aplicar sacrifícios brutais aos seus compatriotas, como seja, baixar salários e, principalmente, despedir, colocando na pobreza ou na miséria pessoas que não tiveram a mínima responsabilidade na situação que se vive, não pode ser respeitado. 
Os povos são formados por pessoas, por seres humanos que não podem ser tratados como lixo, não podem ser tratados como mercadoria putrefacta que se atira para o aterro. Os políticos foram eleitos por um voto de confiança que essas pessoas  neles depositaram. Confiaram que eles seriam capazes, conforme lhes prometeram,  de melhorar as suas vidas, individual e colectivamente. Não lhes deram um mandato para os empobrecer, não lhes deram um mandato para vender as suas vidas ao poder financeiro.
É imperioso mudar de políticos, em Portugal e na Europa.

4. Hoje foi dia de greve geral. Há pouco, foi anunciado que no próximo dia 15 de Dezembro haverá um protesto a nível europeu. 
Desejo que hoje tenha sido o primeiro passo de uma caminhada que todos teremos de fazer, se considerarmos ser um imperativo ético opormo-nos veementemente à situação profundamente errada que estamos a viver.

Hoje, 24 de Novembro

 GREVE GERAL


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Fazer greve, dia 24?

Sou de opinião, já o escrevi aqui várias vezes, que temos, em geral, um mau sindicalismo e, em particular, no que diz respeito ao sindicalismo docente, um muito mau sindicalismo. Trinta e seis anos de actividade sindical livre, em Portugal, têm demonstrado que, sempre que as direcções dos sindicatos estão vinculadas/ligadas a partidos políticos, a sua política sindical fica hipotecada aos interesses partidários, e a defesa dos direitos e dos interesses profissionais dos seus associados são, nos momentos decisivos, colocados em segundo plano. Esta situação tem sido particularmente evidente na vida das federações sindicais de professores — FNE e FENPROF.
Esta é, do meu ponto de vista, uma das causas que origina o descrédito do sindicalismo que temos.
Outra das causas é a falsa relação que as direcções sindicais têm com seus representados. A história do nosso sindicalismo, e, de modo especial, do sindicalismo docente, revela que os sindicatos são incapazes de conduzir um processo reivindicativo até ao fim, se se chegar a um ponto de elevada conflitualidade. Ora não acreditam nas convicções e na verdadeira força de quem eles representam, ora temem perder o controlo do processo e ser ultrapassados pelo seu dinamismo. Por isso, mesmo quando têm uma enorme mobilização a sustentar um movimento reivindicativo, preferem acordos de circunstância que salvaguardem as partes envolvidas e que lhes confira, a eles sindicatos, pelo menos aparentemente, maior estatuto negocial em situações futuras. Na realidade, os nossos sindicatos são mais zelosos do statu quo que muitos outros agentes sociais.
Significa isto que não tenho nenhuma expectativa positiva relativamente à acção sindical, enquanto tivermos as direcções sindicais que temos e enquanto houver a promiscuidade que existe entre partidos e sindicatos.
Dito isto, que fazer no dia 24 de Novembro, dia de greve geral?

Sei, sabemos todos, que a situação política, económica e social que Portugal vive, e que vários outros países da Europa vivem, é grave e vai agravar-se dramaticamente no futuro próximo. Portugal acumula os problemas derivados da objectiva incompetência dos governantes que tem com os problemas derivados do sistema económico e financeiro em que a Europa e grande parte do mundo vivem.
Manter o actual sistema é inaceitável, seja qual for o ponto de vista. É preciso mudá-lo, transformá-lo, ultrapassá-lo.
Intervir local e globalmente, intervir intelectual e socialmente são as vias que teremos de percorrer, se queremos desenhar um novo modo de vida. As reflexões, as ideias, os escritos que neste momento, em todo o mundo, estão a ser apresentados e escrutinados por filósofos, historiadores, economistas, jornalistas, políticos, sindicalistas e outros cidadãos têm de ser aprofundados, desenvolvidos e debatidos, mas também têm de ser acompanhados de crescentes movimentos sociais que ultrapassem os espartilhos sindicais e partidários e que manifestem o seu contínuo protesto e firme oposição à situação a que chegámos.
Temos de pugnar e de trabalhar pela construção de alternativas, com novos sistemas económicos, com novas regras e diferentes objectivos.
Farei greve, no próximo dia 24 de Novembro.

Registos e apontamentos do fim-de-semana

Remodelação à vista
— Luís Amado longe de Sócrates já há algum tempo —

Assessora ganha mais do que a ministra

Face Oculta: Lino recebeu Godinho no Ministério em 2008
— Vara acusado de 'tráfico de influências' junto do ministro —

«Sócrates trata a Justiça de forma desprezível»; «Ministério é uma subsecretaria de Estado gerida por José Magalhães e António Marinho» (João Palma)

Correios desperdiçam milhões

Contratos médicos sem controlo
Sol (19/11/10)

Fisco perde um milhar de funcionários

PS recua na idade da reforma dos juízes: juízes vão manter reforma ao 60 anos

Governo responde tarde ao Parlamento... quando responde
Público (19/11/10)

Parlamento perdoa 23 milhões aos partidos da Madeira

1,6% do PIB voou para as Caimão em 2009

«Risco de revolta social nunca foi tão grande» (Isabel Jonet)

Cinquenta Câmaras em risco de falência

António Mendonça e Paulo Campos com discursos copiados
Expresso (20/11/10)

Há hospitais públicos a pagar 100 euros à hora a médicos "tarefeiros"

BE e PCP querem limitar salários públicos
Público (20/11/10)

Tudo em que Sócrates toca constitui um «momento histórico» ou um «marco histórico» ou um «recorde absoluto» ou um «até hoje nunca tinha sido conseguido» ou uma qualquer coisa dentro do género. Já o sabemos desde há seis anos, mas Sócrates repetiu, até à exaustão, estas expressões durante todo o dia de sexta-feira e durante todo o dia de sábado. Apesar de ser elogio em boca própria, no caso, não é vitupério. A verdade é que, com Sócrates, batemos vários recordes e atingimos vários marcos históricos: no défice, no endividamento, no desemprego, no corte de salários...

Outros momentos históricos são aqueles em que vemos um ministro a querer fugir do Governo, uma assessora a ganhar mais do que a ministra que a chefia, médicos a serem pagos principescamente pelos hospitais públicos, câmaras à beira da falência, o perdão de 23 milhões de euros aos partidos da Madeira e tantos, tantos outros. Com Sócrates, os momentos históricos tornam-se uma rotina que, injustamente, são por nós desvalorizados.

domingo, 21 de novembro de 2010

Pensamentos de domingo

«As dívidas são bonitas nos moços de vinte e cinco anos; mais tarde, ninguém lhas perdoa.»
Honoré de Balzac

«Há dois momentos na vida de um homem em que não se deve especular: quando não tem os meios e quando os tem.»
Mark Twain

«A estupidez coloca-se na primeira fila para ser vista; a inteligência coloca-se na rectaguarda para ver.»
Bertrand Russel
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Charles Lloyd

sábado, 20 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

No teu Céu ou no meu?

«Um critério a ter em conta quando se escolhe uma religião é onde decorre a vida depois da morte. Pensemos na Terra Pura budista.[...] No "Sutra da Visualização", O Buda ensina-nos a conseguir uma visão das terras do Buda. Em transe, podemos visualizar as árvores gigantes enfeitadas com flores e folhas feitas com sete tipos de pedras preciosas. As que são feitas de lápis-lazúli emitem uma luz dourada; as flores de cristal-de-rocha libertam uma luz carmesim; as folhas cor de esmeralda têm uma luz safira; as folhas cor de safira emitem uma luz verde-pérola. É como estar condenado ao prisma. Redes de pérolas cobrem as árvores. Entre as redes há cinco mil milhões de palácios de flores e dentro de cada palácio de flores vivem crianças celestiais que usam ornamentos dos cinco mil milhões de jóias que realizam desejos. [...]
O paraíso muçulmano é igualmente exótico. Segundo o Alcorão, aqueles que o alcançam ficarão "reclinados em sofás de pedras preciosas de frente uns para os outros e serão servidos por jovens imortais com taças e jarros de água e um copo do mais puro vinho; ser-lhes-ão servidos frutos que eles escolherão e carne de aves que eles adoram. E possuirão as ninfas de olhos escuros, castas como pérolas escondidas: uma recompensa pelos seus actos... Nós criámos as ninfas e fizemo-las virgens e companheiras amorosas para os que praticam boas acções"... [...]
No hinduísmo, por exemplo, nenhuma das muitas partes do Céu em camadas múltiplas é o "Paraíso". As muitas camadas são apenas níveis cada vez mais refinados de purgatório pelos quais passamos de acordo com o que é determinado pelo nosso carma — a caminho do verdadeiro objectivo, a transcendência de toda a existência.
Em contraste, Confúcio recusou-se terminantemente a especular sobre o Céu, apesar de o aceitar como a residência dos veneráveis antepassados. Sob outros aspectos, pensava que o Céu era uma distracção da sua ética prática das relações correctas.
[Uma outra perspectiva do Céu é esta:]
Al e Betty tinham 83 anos eram casados há 60. Apesar de estarem muito longe de ser ricos conseguiam viver com algum desafogo. A saúde ambos era óptima, em grande medida graças à insistência de Betty numa dieta saudável.
Quando iam para o sexagésimo quinto encontro do liceu, o avião despenhou-se e eles foram para o Céu. Nas Portas do Paraíso, São Pedro escoltou-os para uma linda mansão mobilada com ouro e sedas preciosas, com uma cozinha completamente abastecida e uma queda de água na casa de banho principal. Uma criada estava a pendurar as suas roupas preferidas no roupeiro. Ficaram boquiabertos quando São Pedro disse:
— Bem-vindos ao Céu. A partir de agora esta será a vossa casa. É a vossa recompensa.
Al espreitou pela janela e viu um campo de golfe mais belo do que todos os que já tinha visto. São Pedro levou-os para a sede do clube, onde eles viram um almoço sumptuoso, com todas as iguarias imagináveis à sua disposição, desde lagosta termidor até bife do lombo e sobremesas cremosas. Al olhou nervosamente para Betty e depois voltou-se para o anfitrião.
— Onde estão os alimentos com baixo teor de gordura e colesterol? — perguntou.
— Essa é a melhor parte — replicou São Pedro. Podem comer tudo o que quiserem na quantidade que quiserem e nunca engordarão nem ficarão doentes. Estão no Céu!
— Não vou testar os níveis de açúcar no sangue nem medir a tensão arterial? — continuou Al.
— Nunca mais — respondeu São Pedro. — A única coisa que têm de fazer aqui é divertir-se.
Al olhou furiosamente para Betty e resmungou:
—Tu e os teus estúpidos flocos de aveia! Já podíamos estar aqui há dez anos!»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.148-154

Concentração dia 24 - Comunicado da Comissão Promotora


4ªF, dia 24/11, às 14h30, concentramo-nos frente ao ME!


Professor/a e Educador/a Contratado/a!
Porque não nos conformamos com:
- a não existência de qualquer mecanismo de vinculação dinâmica dos contratados e o incumprimento das recomendações/resoluções da AR
- a não existência de qualquer concurso com vagas reais para quadros em 2011 e provavelmente nos anos seguintes
- o despedimento definitivo de cerca de 10 mil contratados anunciado para 2011/12
- a manutenção da espúria prova de ingresso
- a manutenção da ADD do ME e a sua inclusão no cálculo da nossa graduação profissional
- a exploração desenfreada e lei da selva que vigoram nas AEC’s
- o roubo aos nossos já baixos salários por via do aumento das contribuições do IRS, IVA, CGA e SS
- a resistência ao pagamento da caducidade dos contratos
- a sabotagem ao nosso subsistema público da ADSE

Rejeitamos e combatemos as políticas anti-educativas, agravadas com os PEC’s e o OE, que degradam a nossa condição socioprofissional, traduzidas:
- no abate cego de escolas e imposição dos mega-agrupamentos
- no crescimento das já sobrelotadas turmas
- na inclusão de alunos com NEE’s nessas mesmas turmas sobrelotadas
- na extinção do estudo acompanhado e área de projecto
- na redução de horas no plano tecnológico
- na obrigatoriedade dos docente bibliotecários leccionarem
- no corte das assessorias

Professor/a e Educador/a Desempregado/a!
Porque não nos conformamos com:
- as degradantes apresentações quinzenais impostas aos desempregados
- a impraticabilidade da prova de procura activa de emprego para docentes
- a abusiva prova de condição de recursos imposta aos desempregados

Dia 24 aderimos à Greve Geral da CGTP e UGT…
e às 14h30 concentramo-nos frente ao ME!
JUNTA-TE A NÓS POIS A UNIÃO FAZ A FORÇA E ESTA LUTA É DE TODOS!
Façamos de Dia 24/11 o primeiro passo de uma luta que não pode nem deve parar!

P’la Comissão Promotora da Concentração:
Délio Figueiredo, Paulo Ambrósio e Sofia Barcelos (professores contratados e desempregados)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1

A primeira dimensão sujeita a avaliação do desempenho docente é a designada «Vertente Profissional, Social e Ética» que se divide em 3 domínios. As ferramentas de avaliação do desempenho de um professor nesta vertente, com 3 domínios, são constituídas por 11 indicadores, 5 níveis e 13 descritores.
O Ministério da Educação diz que os indicadores traduzem a «operacionalização do desempenho docente em evidências nos domínios» e que os descritores fazem a descrição pormenorizada do desempenho para clarificar o que deve ser avaliado, a partir dos indicadores.
Assim sendo, daqui decorre uma primeira curiosidade: há um indicador que não é coberto por nenhum dos treze descritores. Ou seja, é definido um indicador, mas não há descritor que o especifique e que possibilite a sua inserção em nenhum dos cinco níveis. O indicador que não tem descritor é este: «Responsabilidade [do professor] na promoção de ambientes de trabalho seguros, exigentes e estimulantes.»
Pode tratar-se de uma involuntária omissão — o que é grave, porque denota falta de responsabilidade — ou de uma incapacidade para elaborar um descritor que abranja aquele indicador — o que é gravíssimo, porque denota não apenas falta de responsabilidade como de competência. Contudo, nenhuma destas hipóteses provoca admiração, sabendo nós qual é a habitual qualidade dos documentos produzidos pelo Ministério da Educação. Mas já haverá razão para admiração se for possível encontrar resposta à pergunta: o que é um «ambiente de trabalho seguro»?! «Ambiente de trabalho seguro» de que ponto de vista? Do ponto de vista do edifício, do mobiliário, do material de trabalho? «Ambiente de trabalho seguro» do ponto de vista da segurança das relações de trabalho: de não agressão física ou verbal? «Ambiente de trabalho seguro» do ponto de vista da segurança do emprego? O que é, exactamente, um «ambiente de trabalho seguro»?
Admitindo, com boa vontade, que será possível esclarecer o conceito,  coloca-se, então, uma outra questão: de que modo, na perspectiva do Ministério da Educação, pode um professor contribuir para um ambiente de trabalho seguro? Intervindo em quê? Fazendo concretamente o quê?

Outro indicador, dos onze acima referidos, é: «Atitude informada e participativa face às políticas educativas». Vou fazer de conta que as expressões «atitude informada» e «atitude participativa» são, tecnicamente, correctas. Na minha opinião, não são, mas adiante.
Este indicador fala, rigorosamente, de quê? «Atitude informada» face à política educativa imagino que deve significar que o professor tem de estar ao corrente das políticas educativas do Ministério da Educação. É algo que, do ponto de vista da saúde mental, não é aconselhável, mas aceita-se. Todavia, a dúvida instala-se quando se pretende entender o que é uma «atitude participativa face às políticas educativas». «Atitude participativa» é sinónimo de atitude colaborativa? Só participam nas políticas educativas aqueles que as apoiam? Ou o livre exercício crítico e de discordância aberta e pública das políticas educativas também se inscreve numa atitude participativa? Se não se inscreve, estamos, objectivamente, perante uma penalização grotesca do direito e do dever profissionais do exercício da crítica; se se inscreve, como é que, na prática, se avalia essa «atitude»? Quais são os critérios? É a qualidade dos argumentos de uns e de outros que é avaliada?  E quem mede a qualidade dessa argumentação? É óbvio que não é disto que o Ministério fala. Fala  sim do empenhamento na concretização dessas políticas, e quem critica essas políticas será penalizado neste indicador.

Um outro indicador é: «Reconhecimento do dever de promoção do desenvolvimento integral de cada aluno». O descritor deste indicador é: «Revela comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno» (se for do nível «excelente» ou «muito bom», antepõe-se ao substantivo «comprometimento» o adjectivo «profundo»). Falemos com seriedade e deixemos o repugnante jogo do  faz-de-conta, que está subjacente a esta legislação: quem pode e de que forma se pode avaliar, com propriedade, com objectividade, se um professor está «comprometido na promoção do desenvolvimento integral de um aluno»? Mesmo com duas aulas observadas, como pode isso ser verificado, em relação a «cada» aluno (conforme enuncia o indicador respectivo)? E em relação aos professores que não têm aulas observadas,  por maioria de razão, como pode isso ser verificado? E mesmo que tal fosse possível como é que se distinguia entre o estar «profundamente comprometido» e o estar apenas «comprometido»? Segundo que critérios se avalia o grau de um comprometimento? E como se avalia se o comprometimento  do professor é mesmo com o «desenvolvimento integral»? Onde está a fronteira entre o integral e o não integral?

Estes são alguns breves apontamentos em relação ao modo como o Ministério da Educação concebe a avaliação do desempenho no que diz respeito à primeira dimensão: a vertente profissional, social e ética.
Infelizmente, há muitos mais dislates a denunciar, mas fica para outra altura, que hoje é sexta-feira, a noite já caiu, e, se há vida para além do défice, também há vida para além da avaliação...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização

Começando por um resumo: o novo modelo de avaliação do desempenho docente é composto por 39 indicadores que, segundo o Ministério da Educação, traduzem a operacionalização do desempenho docente em evidências. Esses 39 indicadores reportam-se a 11 domínios que, por sua vez,  são a operacionalização, em planos mais restritos, das 4 dimensões caracterizadoras da actuação profissional do docente. Os 39 indicadores referem-se a 5 níveis. Cada um destes níveis tem múltiplos descritores — no total, são 72. 
A contabilidade final é: 4 dimensões, 11 domínios, 5 níveis, 39 indicadores, 72 descritores.
Além destas dimensões, destes domínios, destes níveis, destes indicadores e destes descritores, existem ainda os documentos operacionalizadores que cada escola produz para operacionalizar a operacionalização que o Ministério da Educação diz ser feita pelos 39 indicadores. O número e a variedade destes documentos varia de escola para escola.
Por fim, ainda faz parte deste modelo, o relatório de auto-avaliação. Este relatório divide-se em 6 partes, uma das quais subdivide-se em mais duas. Neste relatório, elaborado de dois em dois anos, o docente tem de realizar um auto-diagnóstico relativamente a cada um dos quatro domínios de avaliação; tem de fazer uma descrição da actividade profissional desenvolvida; tem de revelar o contributo que deu para a prossecução dos objectivos e metas da escola; tem de fazer uma análise pessoal e um balanço do trabalho que desenvolveu em função dos padrões definidos pelo Ministério da Educação e em função dos objectivos e metas do projecto educativo da escola; tem de mostrar que fez formação contínua e, finalmente, tem de identificar, fundamentadamente, as suas necessidades de formação para o seu desenvolvimento profissional.
Acrescenta-se que, relativamente à revelação que o professor tem de fazer acerca do contributo que deu para a prossecução dos objectivos e metas da escola, tem de apresentar evidências para cada uma das dimensões sujeitas a avaliação. Como existem 4 dimensões e como para cada dimensão podem ser apresentadas 2 a 4 evidências, o professor poderá/deverá apresentar um total de 16 evidências. [Ver nota no final do texto].
E o que é uma evidência? Uma evidência é o seguinte conjunto de elementos: a identificação da actividade ou tarefa realizada, o enquadramento dessa actividade ou tarefa no projecto educativo e no plano anual e plurianual de escola, a identificação dos destinatários dessa actividade ou tarefa, a explicação do processo de desenvolvimento dessa actividade ou tarefa, a indicação das metodologias utilizadas nessa actividade ou tarefa, a explicação das estratégias seguidas nessa actividade ou tarefa, a apresentação dos resultados obtidos  nessa actividade ou tarefa e a sua apreciação e, se for caso disso, diz o Ministério da Educação, deve ser incluído o respectivo grau de cumprimento dessa actividade ou tarefa, face aos objectivos individuais apresentados.
Genericamente, sem descer à análise do conteúdo de cada uma das 4 dimensões, de cada um dos 11 domínios, de cada um dos 5 níveis, de cada um dos 39 indicadores e de cada um dos 72 descritores, este é o modelo, considerado pelo Ministério da Educação, simples e claro para a avaliação do desempenho dos professores.
Vem a propósito lembrar que para levar à prática este modelo de avaliação não houve qualquer formação. 99% dos professores que vão ser avaliadores não receberam nenhuma preparação séria, não tiveram nenhuma formação de média ou de longa duração que os capacitasse minimamente para o exercício das funções que vão desempenhar. Significa isto que, para além de se persistir num modelo de avaliação inoperacional —  pela sua objectiva desadequação, pelo seu irrealismo, pela sua burocratização —, é improvisadamente que se parte para a sua concretização. Brinca-se com o profissionalismo de milhares de docentes, brinca-se com as implicações que uma avaliação mal feita e amadoristicamente realizada tem na vida dos professores.
A leviandade domina e a farsa continua em andamento.

Nota: Alterei o conteúdo inicial deste parágrafo, porque verifiquei que o texto do despacho publicado é diferente do texto do projecto de despacho enviado às escolas, a partir do qual tinha escrito este artigo. O texto do projecto de despacho dizia que as evidências tinham de se reportar aos domínios (que são 11) e o texto final do despacho, publicado no Diário da República, diz que evidências se reportam às dimensões (que são 4), o que significa, em termos contabilísticos, que as evidências a apresentar passaram a ser, no máximo, 16.

Às quartas

BAIRRO LIVRE

Meti o bivaque na gaiola
e saí com um pássaro na cabeça
Então não se faz a continência
perguntou o comandante
Não
não se faz a continência
respondeu o pássaro
Ah bom
desculpe julgava que se fazia a continência
disse o comandante
Ora essa toda a gente se pode enganar
disse o pássaro.

Jacques Prévert
(Trad.: Eugénio de Andrade)

Bonecos de palavra

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Registos e apontamentos do fim-de-semana

Irlanda perto do FMI e Portugal é outra vez o "segundo da "linha"

Bispos querem fim de pensões exorbitantes
Público (12/11/10)
Vara continua em investigação
— Ex-ministro vai ser novamente investigado por suspeita de branqueamento de capitais em negócio imobiliários —

Saúde contraria Finanças

Governo em ambiente de fim de ciclo
— Não há dinheiro e as querelas internas entre os membros do Executivo multiplicam-se —

Caciquismo voltou em força ao PS

«Governantes andaram a camuflar a situação»;  «Não vejo que os pobre sejam uma prioridade para o Governo» (D. Jorge Ortiga)

Elefante branco no Alentejo
— Novo aeroporto de Beja já custou 35 milhões de euros, mas não tem data para abertura; empresa disse ao Tribunal de Contas que prevê gastar mais 39 milhões até 2020 —

TC censura desorçamentação do Magalhães
Sol (12/11/10)
«O país precisa de uma coligação já»; «A alternativa a esta situação é, a prazo, uma saída do euro» (Luís Amado)

Vara tinha cartas recebidas por Sócrates

Casa Pia: Mais um ano de julgamento
Expresso (13/11/10)
Soaristas pensam em governo do PS sem Sócrates

Corte no salário leva juiz a adiar audiências

Investidores desconfiados de Portugal
Público (13/11/10)
Quando lia a entrevista que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro deu ao Expresso, houve um momento em que tive de voltar atrás para reler uma passagem. A passagem foi a seguinte pergunta: «Era mesmo obrigado a apresentar uma meta de redução do défice de 4,6% para 2011?»; e a seguinte resposta: «O ministro das Finanças avaliou seguramente as condições em que devia fixar essas metas. Foi a opção tomada, não sei em que circunstâncias [...]»
Há muito tempo que, desgraçadamente, não tenho dúvidas sobre a falta de responsabilidade e  sobre o aventureirismo que dominam a actuação dos governos de Sócrates, mas confesso que estava longe de imaginar que a situação pudesse chegar a um ponto assim. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, terceira figura da hierarquia do Governo, não sabe «em que circunstâncias» foi tomada a opção de redução do défice para 4,6%?! Se este ministro não sabe, quantos são os ministro que o sabem? Uma decisão com esta gravidade e importância não é uma decisão do Governo, de todo o Governo? Não é uma decisão tomada em Conselho de Ministros? Foi tomada por quem? Apenas pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças? Uma decisão que implica todas as áreas do Governo, que afecta todos portugueses, que atinge o país inteiro, não foi objecto de análise e de discussão por parte de todos os membros do Governo? Não se viram as consequências que em cada Ministério tal decisão iria acarretar? Não foram vistas as implicações políticas, económicas e sociais por todos os responsáveis das diferentes áreas do Governo? Afinal que papel desempenham os ministros? Que andam lá a fazer? Nenhum deles questiona, quer saber, critica, opina? O Conselho de Ministros reúne, de facto? Se reúne, discute o quê? É um encontro de amigos? É uma pausa para café? Para além de não serem tidos nem achados nas decisões, os ministros não têm um mínimo de dignidade? Que confiança podem ter os cidadãos em ministros desta qualidade? Que confiança pode alguém ter num primeiro-ministro que dirige deste modo o Governo e o país?

Entretanto, Armando Vara revela-se uma fonte inesgotável de investigações, de suspeições e de acusações; os socialistas atropelam-se na procura das melhores posições que lhes assegurem os melhores lugares junto da futura liderança, que ainda não sabem qual será; e a Justiça portuguesa consegue o impossível: cavar sempre mais fundo o poço onde se atolou. Os juízes, os magistrados, os advogados não sentem vergonha? Mais um ano de julgamento, no caso Casa Pia?

domingo, 14 de novembro de 2010

Pensamentos de domingo

«O homem está pronto para tudo desde que lhe seja dito com mistério; quem quer ser acreditado deve falar baixo.»
Malcolm Chazal

«O que é um adulto? Uma criança de idade.»
Simone de Beauvoir

«Deus apenas fez a água, mas o homem fez o vinho.»
Victor Hugo

In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Jan Garbarek

sábado, 13 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca dos critérios divinos

«Sem surpresas, a grande maioria das pessoas que acreditam na existência do Céu também acreditam que atravessarão facilmente as Portas do Paraíso. Quarenta e três por cento estão convencidas de que poderão entrar porque "confessaram os seus pecados e aceitaram Jesus Cristo como seu salvador". Quinze por cento acreditam que poderão ter conseguido porque "tentaram obedecer aos Dez Mandamentos" e outros quinze por cento porque "são basicamente boas pessoas". Por fim, um grupo particularmente optimista acredita que irá para o Paraíso porque "Deus ama todas as pessoas e não as deixará perecer".
Quanto aos critérios de admissão inscritos na Bíblia — seja a admissão no Céu, seja a admissão na vida eterna —, tudo depende uma vez mais das pessoas a quem se pergunta. Ao analisar a Bíblia hebraica, os conservadores tendem a realçar a Lei: honra o teu pai e a tua mãe; não te excites muito com a mulher do teu vizinho; come sopa de beterraba, não comas marinada de mexilhões. Os liberais preferem os apelos impetuosos por justiça que abundam nos livros dos profetas. 
As exortações dos profetas não são específicas como a Lei, mas há quem diga que são ainda mais difíceis de cumprir. Essas exortações são ilustradas na perfeição pelo profeta Miqueias: "Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti: nada mais do que praticares a  justiça, amares a lealdade e andares humildementee diante do teu Deus."
Quanto ao Novo Testamento, os seguidores da velha guarda realçam os adágios mais prescritivos de Jesus e de São Paulo — por exemplo, não ao divórcio —, ao passo que os liberais apontam o facto de tanto Jesus como São Paulo parecerem muito mais interessados no espírito da lei do que na sua forma. Por exemplo, quando um advogado do século I quer saber como alcançar a vida eterna, Jesus diz-lhe para amar a Deus com todo o seu coração, alma, mente e força, e para amar o próximo como a si mesmo. Aqui não há coisas proibidas ou reprováveis.
Para rematar, Jesus diz noutra passagem que de qualquer modo não deveríamos julgar ninguém. [...]
Não obstante, as comunidades cristãs falam muitas vezes como se houvesse um bloco de notas divino e apenas algumas pessoas pudessem entrar nas listas do reitor. E muitos cristãos acreditam que São Pedro — o responsável pelas Portas do Paraíso — foi nomeado para implementar a política de entrada e, como um porteiro num clube da moda, submete o candidato a um interrogatório [...]:
O Céu começou a ficar muito cheio, e por isso são Pedro decidiu aceitar apenas pessoas que tivessem tido um dia muito mau no dia em que tinham morrido. Na primeira manhã da nova política, São Pedro disse ao primeiro hoem da fila:
— Fala-me sobre o dia em que morreste.
O homem disse:
— Oh, foi horrível. Eu tinha a certeza de que a minha mulher andava a enganar-me, por isso voltei mais cedo a casa para poder apanhá-la em flagrante. Revistei o apartamento todo e não consegui encontrar o amante dela em parte alguma. Por acaso, fui à varanda e vi o homem pendurado pelas pontas dos dedos do lado de fora. Entrei, fui buscar um martelo e comecei a bater-lhe nas mãos. Ele caiu, mas aterrou nuns arbustos e sobreviveu. Fui para dentro, peguei no frigorífico e empurrei-o até à varanda. O frigorífico esmagou-o, mas o esforço provocou-me um ataque cardíaco e morri.
São Pedro não podia negar que tinha sido um dia horrível e um crime passional, por isso deixou o homem entrar no céu. Depois, perguntou ao homem seguinte como tinha sido o dia da sua morte.
— Bem, senhor, foi horrível. Eu estava a fazer aeróbica na varanda do meu apartamento quando escorreguei e caí. Consegui segurar-me na varanda do apartamento do andar de baixo, mas depois apareceu um doido e começou a martelar-me os dedos! Caí, mas aterrei nuns arbustos e sobrevivi! E depois o tipo veio novamente à varanda e atirou o frigorífico para cima de mim! E foi isso que me matou!
São Pedro riu-se à socapa e deixou-o entrar no céu.
— Fala-me sobre o dia em que morreste — pediu ao terceiro homem.
— Eu não sei. Eu estava nu, escondido num frigorífico...»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.141-146 (Adaptado).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Fragmentos

«Em 1920, nasceu Hans Reiter. Não parecia um menino, mas sim uma alga. Canetti e creio que Borges também, dois homens tão diferentes, disseram que assim como o mar era o símbolo ou o espelho dos ingleses, a floresta era a metáfora onde viviam os alemães. Hans Reiter ficou fora dessa regra desde o momento em que nasceu. Não gostava da terra e menos ainda das florestas. Também não gostava do mar ou o que o comum dos mortais chama mar e que na realidade só é a superfície do mar, as ondas eriçadas pelo vento que pouco a pouco se foram convertendo na metáfora da derrota e da loucura. Do que le gostava era do fundo do mar, essa outra terra, cheia de planícies que não eram planícies e vales que não eram vales e precipícios que não eram precipícios.

Quando a zarolha lhe dava banho numa selha, o menino Hans Reiter deslizava sempre das suas mãos ensaboadas e descia até ao fundo, com os olhos abertos, e se asmãos da mãe não o voltassem a puxar até à superfície ele teria ficado ali, a contemplar a madeira escura e a água escura onde flutuavam partículas da sua própria sujidade, bocadinhos ínfimos de pele que navegavam como submarinos para algum lado, uma enseada do tamanho de um olho, um ancoradouro escuro e sereno, embora a serenidade não existisse, só existia o movimento que é a máscara de muitas coisas, incluindo a serenidade.
Uma vez o coxo, que às vezes observava a forma como a zarolha lhe dava banho, disse-lhe que não o puxasse, para ver o que ele fazia. Do fundo da selha, os olhos cinzentos de Hans Reiter contemplaram o olho celeste da mãe e depois pôs-se de lado e entreteve-se a contemplar, muito quieto, os fragmentos do seu corpo que se afastavam em todas as direcções, como naves sondas lançadas às cegas através do Universo. Quando o ar se acabou deixou de contemplar aquelas partículas ínfimas que se perdiam e começou a segui-las. Ficou vermelho e apercebeu-se de que estava a atravessar uma zona muito parecida com o Inferno. Mas não abriu a boca nem fez o mais pequeno gesto de subir, embora a sua cabeça só estivesse a dez centímetros da superfície e dos mares de oxigénio. Por fim, os braços da mãe levantaram-no no ar e ele pôs-se a chorar. O coxo, embrulhado no seu velho capote militar, olhou para o chão e lançou uma cuspidela para o meio da lareira.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 733-734.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Veto do SPGL - a opinião de Paulo Ambrósio

Mais um veto político da comissão executiva do SPGL

A decisão da Comissão Executiva do SPGL - de não autorizar a nossa concentração frente ao ME no dia da Greve Geral - é fiel ao seu histórico de mais de 10 anos, era previsível, diria mais, politicamente inevitável. [...]
Os argumentos que os ilustres "comissários" agora invocam ("incapacidade de mobilização dos contratados com as presenças do costume...") são também eles farisaicos e de pés de barro: basta lembrar o êxito da acção "Vuvuzelas contra a Precariedade" do passado dia 13 de Setembro frente ao ME (onde alguns de nós também estiveram).
Recordo os mais antigos e informo os mais novos que, já com o nosso acampamento frente ao ME  de 9 e 10 de Dezembro de 1999 (que a História registaria como o ariete definitivo para o arranque da legislação consagrando o subsídio de desemprego docente, ao governo de então, para todos os docentes desempregados desde então até aos nossos dias) se tinha passado algo análogo: ele foi de igual forma alvo de desconfiança, descrédito e até de ridicularização pelas mesmas forças que hoje vetam mais uma decisão democrática e unânime da nossa Frente de Trabalho. Mais grave ainda, o próprio Secretariado Nacional da federação (SN) com Paulo Sucena à cabeça, e a FENPROF, por arrasto desse acampamento se distanciou "prudentemente".
E de igual forma o mesmo sucedeu com a ocupação dos Centros de Emprego e o nosso acampamento frente à Cimeira Europeia, na FIL em 22 de Março de 2000, que viria a ser o maior êxito mediático de denúncia dos sindicatos docentes até hoje, com distribuição de comunicados em inglês e entrevistas cedidas por nós à Rádio Nacional da Finlândia, à CNN, BBC, RAI, TVE, TVGaliza e Televisão da Grécia, entre outras.
E idem idem aspas aspas com a nossa ida colectiva à Sopa dos Pobres no dia 12 de Outubro de 2000  (outro êxito mediático retumbante), objecto 6 dias depois de uma Moção de solidariedade com a acção e com os camaradas que a desencadearam, aprovada na Assembleia Geral de Sócios, com votos contra de toda a Direcção do sindicato e das suas hostes (!). [...]
Foi também assim com a nossa adesão à Greve Nacional aos Exames, de 18 e 21 de Junho de 2001, em que todos a fizemos (ao abrigo do Pré-Aviso da ASPL e do SNPL) e alguns a anunciaram e para ela mobilizaram, mesmo ao arrepio da sua desconvocatória de véspera, pelo SN da FENPROF, a troco da assinatura de um vazio protocolo com o ME de então (agora não se chamam "protocolos", mas sim "memorandos" ou "acordos de 'princípios"...).
E nunca será demais recordar que quem assumiu a cabeça dessas convocatórias, apelos e mobilizações, com conferências de imprensa televisivas, visitas a dezenas de escolas, incluindo a visita solidária à escola onde a adesão a esta greve foi total (a ES da Batalha, na área do SPRC), arcaria com um processo discipinar promovido por essa mesma Comissão Executiva. [...]
Pode-se perguntar se os tempos seriam outros. A resposta é: de facto - e saudosamente - eram mesmo outros!
Porque então, ao contrário de hoje em dia, os camaradas levantavam bem alto a bandeira da nossa identidade e autonomia de precários, estavam nos órgão de precários, eleitos pelos seus iguais, para os defenderem denodadamente, nos seus cargos e mandatos, antes de tudo o mais e contra tudo e contra todos, sem nada a perder e tudo a ganhar. E desafiavam frontalmente no terreno a Executiva e o SN, mais do que uma vez, levando a cabo as reuniões e acções por si decididas e auto-organizadas - e algumas de rua - ao arrepio da dita Executiva e SN. 
Esta é a lição histórica que se pode tirar. Foi assim, lutando na frente interna (contra as forças de bloqueio das direcções sindicais), para mais tarde lutarmos na frente externa (contra o ME e o Governo) que obtivemos a maior conquista de todos os tempos dos docentes contratados. Ela não caíu do céu, em mãos dóceis e "politicamente correctas" . Porque nada dessa forma cai do céu - a não ser precipitação climatérica e meteoritos.
E para não resvalar para o vernáculo ou endurecer ainda mais a escrita de cera, que já vai longa para tão "ruins defuntos", finalizo de forma cristã. Com as poderosas palavras do conhecidíssimo sermão da montanha, que talvez se aplicassem de chapa aos ilustres membros da Comissão Executiva - e aos seus vetos e afins: "Mas ai de vós escribas e fariseus hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando!"
Paulo Ambrósio
(Membro da Coordenação da Frente de Professores Desempregados do SPGL/ FENPROF)

Às quartas

UM LEOPARDO VIVE NUMA ÁRVORE MUU

Um leopardo vive numa árvore Muu
Vigiando a minha casa
Os meus cordeiros nasceram malhados
As minhas esposas cingem as vestes
E afastam-se —
Temendo uma descendência malhada.
Banham-se quando a lua vai alta
Doce e fecunda
Salpicam os seus mamilos com água fria do regato da montanha
Deixam cair as camisas e dizem obscenidades.
Eu estou cercado
Terei de cortar a árvore Muu
Eu estou cercado
Eu caminho hirto
De mãos na cintura.
Um leopardo vive junto da minha casa.
Vigiando as minhas mulheres
Chamei-lhe antepassado, o-do-mesmo-útero
Ele espreita-me pela fenda dos olhos
De cabeça erguida
A minha espada enferrujou na bainha.
As minhas esposas comprimem os lábios
Quando as corujas piam para acasalar.
Estou cercado
Elas acartam água fria da montanha
Elas esmagam a cana-de-açúcar
Mas recusam-se a tocar no meu corno de cerveja.
As minhas sebes estão quebradas
As minhas sacas de remédios rasgadas
O pêlo das minhas virilhas chamuscado
O poste junto ao portão caiu
As minhas mulheres estão ariscas
O leopardo curva-se sobre a minha casa
Come os meus cordeiros
Ressuscitando-se.

Jonatan Kariara
(Trad.: José Alberto Oliveira)

Um blogue de homenagem a Santana Castilho

A colega Ana Lima teve uma louvável iniciativa: criou um blogue de homenagem a uma personalidade que tem tido um papel de grande relevância em prol da causa da Educação, em Portugal: o professor Santana Castilho.
Para além do vasto currículo, enquanto professor do Ensino Superior Politécnico e autor de várias obras, Santana Castilho tem tido uma importantíssima intervenção pública na crítica minuciosa e fundamentada às políticas educativas dos governos de Sócrates. Deste modo, tem sido um exemplo de exercício da cidadania.
Como é natural, não subscrevo todas as opiniões de Santana Castilho, mas subscrevo na íntegra a desconstrução que fez e continua a fazer da incompetência dos responsáveis políticos que nos últimos anos têm ocupado os gabinetes da 5 de Outubro, assim como várias das críticas que dirigiu à actuação dos sindicatos de professores.
Fica a aqui a ligação do blogue Santana Castilho.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bonecos de palavra

Registos do fim-de-semana

Governo escondeu défice acumulado do Serviço Nacional de Saúde 
nas contas de 2010
— Buraco do SNS deverá ultrapassar já os mil milhões de euros —

Governo só tentou chumbar dividendo da PT um dia depois de ele ter sido aprovado
— Na reunião da administração da operadora, terça-feira, o chairman do grupo informou que a política de remuneração fora conversada com o Estado —

Salários no privado sobem até 1,7 por cento

Directores de escolas contra a forma como se estão a processar 'cortes'

Ambiente azedo e remodelação à vista na bancada do PS
Público (5/11/10)

«No lugar de Teixeira dos Santos demitia-me» (Manuela Arcanjo)

Situação insustentável na Justiça
— Alberto Martins desautorizou o secretário de Estado, que é acusado no PS de não dar a cara pelo Governo —

Promoções à pressa na Defesa

Lino suspeito de pedir contratos para a O2

Mota-Engil é suspeita de corrupção

Penedos (pai) prejudicou gravemente a REN
Sol (5/11/10)

Escolas abrem ao fim de semana para matar a fome aos alunos
— Os estabelecimentos de ensino são cada vez mais instituições de solidariedade. Em Sintra, sete cantinas vão estar abertas mesmo nas férias. Outras Câmaras ponderam fazer o mesmo —

«O estado de estupor do PS é assustador» (Torres Couto)

MP quer saber de €500 mil de Vara
Expresso (6/11/10)

Jardim diz que Estado é "ladrão" por não lhe deixar juntar reforma

Gastos dos ministros levam juízes a recorrer a tribunal

Constitucionalidade da redução dos salários na função pública divide juristas
Público (6/11/10)

Cada um tem a capacidade de entendimento que tem. Eu reconheço que a minha é cada vez mais limitada: olho para o que se passa à minha volta e já não entendo praticamente nada. Por exemplo, não entendo como é que um homem que entrega um orçamento de Estado fora de horas, pela segunda ou terceira vez consecutiva; que faz, desfaz e refaz um acordo, no meio de um processo repleto de episódios inverosímeis; que é obrigado a entregar uma errata a alterar dados do orçamento que já entregara fora de horas; que é apanhado a esconder buracos atrás de buracos nas finanças públicas, ainda não se tenha demitido e partido para longe. E o que é certo é que este homem não só não parte como até lhe dá para aparecer mais vezes. Começo a dar razão àquele esgrouviado que, na televisão, dizia a toda a gente: «O que tu queres é aparecer.»
A mais recente aparição de Teixeira dos Santos foi para falar, após a aprovação do Orçamento do Estado,  da distribuição extraordinária de dividendos da PT. Disse Teixeira dos Santos: «Se a PT fizer a distribuição de dividendos em 2010, poderá dar a ideia de que está a querer fugir aos impostos». Dois dias depois, veio a saber-se o seguinte:
1. Teixeira dos Santos fez esta afirmação na quarta-feira, 3 de Novembro. No dia anterior, terça-feira, 2 de Novembro, o presidente da PT, Henrique Granadeiro informou a administração de que a política de remuneração accionista tinha sido conversada com o Estado. 
2. Nessa reunião da administração, estava presente a CGD, que votou favoravelmente a distribuição extraordinária de parte dos dividendos, em 2010.
3. É por isso que, na sexta-feira, 5 de Novembro, o jornal Público escreve: «José Sócrates e Teixeira dos Santos conheceram, antecipadamente, qual era a proposta de remuneração [da PT], o que não os impediu de, no dia seguinte à aprovação, a virem criticar publicamente.»
A hipocrisia política destes dois governantes é inigualável. Assim como é inigualável a sua incompetência: se tivessem feito o trabalho de casa no devido tempo, isto é, se tivessem legislado, há vários anos, como muita gente o reclamou, os impostos sobre dividendos, que, agora, à pressa, se lembraram de apresentar no Orçamento para 2011, nada disto teria acontecido.
Como é possível que estes dois homens se prestem a estas lamentáveis figuras? É possível de entender?

Escolas abrem ao fim-de-semana para matar a fome aos alunos. Ao que nós chegamos! Desgraçadamente, isto é apenas o princípio. O que aí vem será ainda bastante pior. Todavia, os responsáveis por isto continuam a passear majestática inimputabilidade.

Mário Lino, Mota-Engil, Penedos, Armando Vara — a lista de suspeitos e de acusados  de corrupção, ligados ao PS, não pára de crescer.

Quase que me esquecia dos directores de escolas e do seu afã crítico para com o Governo. É pena é vir tão a destempo e por razões de natureza tão diversa (cortes nos seus suplementos remuneratórios, cortes nos seus prémios de desempenho, cortes no número de adjuntos) daquelas outras razões que levaram, por duas vezes, 100 mil professores à rua. 
Que pena ser tão a destempo e por razões tão diversas...

domingo, 7 de novembro de 2010

Pensamentos de domingo

«Um banqueiro é um homem que te empresta o chapéu de chuva quando faz sol e que to tira quando começa a chover.»
Mark Twain

«Um banco é um lugar que te empresta dinheiro se conseguires provar que não necessitas dele.
Bob Hope

«O meu sonho é dever muito, não ter nada e, o resto, deixar para os pobres.»
François Rabelais
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Zakir Hussain

A propósito da Manifestação Nacional de ontem




A manifestação de ontem ficou aquém do que era esperado e do que era exigido. Os 100 mil manifestantes de que os sindicatos falam é um número que não tem nenhuma correspondência com a realidade. Já é tempo de os sindicatos aprenderem, entre outras coisas, a falar verdade. Não era necessário ser especialista em contagem de presenças numa manifestação para se perceber que o número de pessoas que desfilou entre o Marquês de Pombal e os Restauradores estava muitíssimo aquém dos 100 mil professores presentes na Marcha da Indignação, de 8 de Março de 2008.
Três breves notas:

1. Talvez fosse aconselhável os sindicatos dedicarem algum do seu tempo a reflectir sobre o trabalho que nos últimos anos têm desenvolvido, de modo a que possam compreender os motivos que conduziram a uma mobilização significativamente inferior à esperada, no exacto momento em que mais havia, há e haverá razões para veementes e continuados protestos. Não se compreende, aliás, o escasso investimento realizado na divulgação desta manifestação. Há algo de muito errado no meio de tudo isto.

2. A menor participação na manifestação não significa, certamente, que os profissionais do Estado estão de acordo com a política de Sócrates. Poderá significar muitas e diversas coisas, mas nenhuma delas será, seguramente, sinónimo de apoio à incompetência, ao aventureirismo e à irresponsabilidade do Governo que temos.

3. O inconformismo perante o rumo que o país e a Europa estão a seguir tem de encontrar múltiplas e diferentes formas de se revelar e intensificar. É um imperativo cívico e ético desenvolver uma oposição firme aos modelos e às práticas políticas que permitem o domínio dos interesses financeiros sobre os direitos mais elementares de toda a população.