segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Nacos

«Com o carro fechado no armazém a servir de garagem, aplicou-se a aprender a conduzir sob a orientação do nho Isidoro, instrutor experimentado mas rigoroso e com alguns nomes menos simpáticos na ponta da língua para castigar os azelhas. Mas enquanto foi só seguir estrada em linha recta tudo correu bem e não houve razões de queixa de parte a parte. Nas manobras é que começaram a surgir dificuldades porque o Sr. Napumoceno não se entendia com a marcha a ré e num dia em que entortou o carro demasiadamente, nho Isidoro, que estava no meio da estrada e comandava de longe a instrução, gritou-lhe que endireitasse aquela merda. Mas aí o Sr. Napumoceno estacou o pé no travão com tal violência que o carro foi abaixo, nho Isidoro sem perceber continuava gritando não é lá, homem de Deus!, mas o Sr. Napumoceno já estava fora do carro, de rosto fechado, estou em cima do meu dinheiro e não admito desaforos e más-criações de ninguém. Eu sei que você tem fama de boca suja, mas ou pede desculpas imediatamente ou aqui mesmo dou o nosso contrato por revogado e vou para minha casa a pé. Estavam lá pelos lados de Ribeira Julião, mas mesmo assim nho Isidoro viu-se e desejou-se para convencer o Sr. Napumoceno que não tivera intenção de ofender, fora apenas uma maneira de falar, e só após um formal eu peço que me desculpe a linguagem grosseira! é que o Sr. Napumoceno acedeu a entrar de novo para a viatura. Acabou assim por nunca chegar a aprender a fazer marcha atrás, manobra que ele declarava perigosíssima, tão perigosíssima que o próprio Código de Estradas a proíbe em distância superior a 5 metros! E por isso a garagem da sua casa era um grande corredor com uma saída de cada lado e nunca estacionava onde tivesse que cometer aquela infracção ao Código.»
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.