«O maior problema a nível autárquico diz respeito à gestão do urbanismo nas câmaras Municipais. Esta actividade tem-se transformado na mais rentável fonte de corrupção em Portugal [...].
As práticas mais comuns e viciosas consistem na modificação, sem qualquer regra e atentando contra o interesse público, da capacidade construtiva de terrenos — atribuindo desta forma benefícios aos promotores imobiliários privados. Assim, áreas classificadas como agrícolas, que apenas permitiam uma actividade de subsistência a pobres agricultores, mudam de mãos e aí nascem edifícios de vinte andares, quando antes nem um galinheiro se podia fazer. Como se explica esta situação tão frequente por esse território fora? Como se legitima? Através de alterações dos solos de agrícolas para urbanos, alterações feitas a pedido ou por ordem de quem domina o poder político. E a quem este se subjuga.
Mas há mais situações que esquecem ou adulteram o próprio sentido dos instrumentos de planeamento. Quantas vezes são licenciados, autorizados e construídos edifícios de seis ou mais andares onde planos directores municipais apenas previam vivendas ou prédios baixos? Isto apenas se compreende pelo facto de existir uma proximidade promíscua entre promotores imobiliários e vereadores do urbanismo, que explica esta ilegalidade. [...]
Todas estas situações combinadas podem fazer com que terrenos de apenas cem mil euros possam passar a valer, sem mais, dois milhões. Este "negócio" do urbanismo gera assim margens de lucro de dois ou três mil por cento, só comparáveis em Portugal às do tráfico de droga. [...]
Mas os negócios não param por aí. As construtoras são também as principais accionistas das empresas de recolha de lixo urbano, que realizaram com as autarquias contratos de concessão desse serviço a dez ou mais anos. Desta forma, as taxas de resíduos sólidos pagas pelos cidadãos são garantidamente receita para os seus cofres. Muitas empresas do sector da protecção do ambiente mais não são do que construtoras disfarçadas de ecologistas.
Outro negócio destes "patos-bravos" é o controlo dos portos, através de acordos obtidos sem concurso, como o prolongamento da concessão do terminal de contentores de Lisboa, oferecido ao grupo Mota Engil, [então] administrado pelo ex-dirigente socialista Jorge Coelho.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.