«A confusão, a proximidade e mesmo a promiscuidade entre interesses privados e o bem público é a regra vigente na política em Portugal. Esta é habitada por pessoas que vivem nos dois mundos de forma despudorada e confundindo finalidades.
O maior antro deste tráfico de influências é a Assembleia da República. São várias dezenas, os deputados que, de forma aparente, potencial ou real, estão em situação de conflito de interesses. As ligações empresariais dos deputados fazem-se sentir em múltiplos sectores, e principalmente naqueles em que a promiscuidade com o Estado é mais rentável, das obras públicas ao ambiente, das finanças à saúde. Há dezenas de deputados que acumulam a função parlamentar com a de administrador, director ou consultor de empresas que desenvolvem grandes negócios com o Estado.
Os parlamentares membros de grandes escritórios de advogados são a face mais visível desta realidade. De cada vez que um deputado/advogado debate, prepara e elabora uma qualquer legislação, vacila entre a lealdade ao povo que o elege e a fidelidade às empresas que lhe pagam.
Esta duplicidade de papéis é perceptível em cada recanto da Assembleia da República. No tempo do governo de José Sócrates, quando reunia a comissão parlamentar de obras públicas que decidiu e supervisionou legislação relativa a parcerias público-privadas rodoviárias, mais parecia estar reunida uma associação empresarial do sector. Quase metade dos seus membros estava directamente ligada ao meio. Afinal que interesses ali se defendiam? Os deputados/empresários representavam o povo, os cidadãos que os elegeram, junto do sector, ou o sector empresarial das obras públicas junto do Estado?»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.