sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O regalório continua

Título da notícia do jornal Público:

«Maioria das concessões de água a privados obriga câmaras a suportar as quebras no consumo»

Só há um comentário possível a esta notícia: o sector privado, que permanentemente se queixa de alegados gastos excessivos do sector público, não tem pudor, sempre que a oportunidade surge, e surge muitas vezes, de se alimentar sofregamente do dinheiro dos contribuintes. Por um lado, reclama que é necessário reduzir a despesa e, por outro, é ele próprio causa do aumento da despesa. Todavia, como essa despesa reverte para si, sector privado, o que era um mal torna-se um bem, o que era pecaminoso torna-se virtuoso.
Simultaneamente, os responsáveis políticos que publicamente reclamam da necessidade de se estancar a despesa pública assinam contratos ruinosos para as contas públicas, com empresas privadas. É o caso que a notícia do Público hoje revela: muitas das Câmaras Municipais que fizeram contratos de concessão de água a privados comprometeram-se a indemnizar as empresas concessionárias, caso haja redução dos consumos previstos. Os ganhos ficam garantidos para os privados e as eventuais perdas são assumidas pelo Estado.
O regalório prossegue com a tradicional impunidade dos responsáveis.

O desenvolvimento da notícia pode ser lido aqui.

Trechos — Joseph Stiglitz (7)

«A desigualdade [...] não surgiu do nada. Foi criada. As forças do mercado desempenharam um papel, mas não atuaram sozinhas. [...] A desigualdade desmesurada não é inevitável, o que nos dá alguma esperança; contudo, é provável que piore. As forças que têm criado estes resultados são de autorreforço. 
Se compreendermos as origens da desigualdade, podemos perceber melhor os custos e os benefícios de a reduzir. A tese que defendo é muito simples: embora as forças de mercado ajudem a moldar o nível de desigualdade, as políticas governamentais moldam essas forças de mercado. Muita da desigualdade atual resulta de políticas governamentais, tanto as que o Governo aplica como as que se abstem de aplicar. O Estado tem o poder de movimentar dinheiro do topo para a base e para o meio, ou vice-versa.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Processo negocial relativo ao Concurso de Vinculação Extraordinária

Recebido por e-mail, da direção da ANVPC:
Comunicado
«A ANVPC – Associação Nacional dos Professores Contratados, realça, no dia de hoje [25 de Fevereiro], o amplo consenso entre esta organização e as federações de professores, exigindo ao Ministério da Educação e Ciência (MEC) a vinculação dos docentes com contratações sucessivas, desde 2001, no efetivo cumprimento da Diretiva 1999/70/CE do Conselho de 28 de junho de 1999. O modelo de concurso apresentado pelo MEC às organizações sindicais é discriminatório e não faz qualquer sentido tendo em conta, inclusive, o teor das mais recentes palavras do ministro Nuno Crato, na sua comunicação do passado dia 17 de janeiro. 
Esta organização de Professores Contratados ainda acredita que o MEC se aproxime verdadeiramente da exigência supracitada, uma vez que ninguém compreenderia que este ministério tomasse uma posição autista no que concerne a um direito de uma vinculação séria e com requisitos claros e justos, que assiste a todos os docentes que há muito se assumem como necessidades permanentes do sistema de ensino público. 
Para a Associação Nacional dos Professores Contratados o Ministério da Educação e Ciência deverá tomar uma atitude coesa na sua linha de ação e, de acordo com o principio que já se comprometeu a legislar em 2015 (dando forma a um mecanismo de vinculação automática ao quadro de todos os docentes que depois de 5 contratos sucessivos realizem o sexto contrato), deverá aproveitar este concurso extraordinário para dar cumprimento a uma vinculação direta dos docentes com contratos sucessivos, desde 2001, em todos os grupos de recrutamento, sem exceção.»
A direção da ANVPC

Para clicar


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Nacos

«E durante uns instantes, acalorou-se uma discussão sobre Plínio, Plutarco e Plotino, mas o comerciante, que costumava percorrer outras latitudes, desconcentrou, depois de simpaticamente fazer circular um pratinho de salpicão.
— É mesmo verdade o que contam de Lady Shillessy?
— Só meia-verdade — comentou o juiz. — Porque a realidade é bem mais interessante.
Lady Shillessy escrevia uma reportagem quinzenal para a Stylecash Magazine, uma dessas revistas de cachimbos e tacos de bilhar, estão a ver? Era muito profissional, ia aos sítios e tratava-os de maneira suficientemente irreconhecível, embora lhe pagassem uma quantia simbólica e lhe enviassem umas camélias de vez em quando. Pois um belo dia alguém lhe mencionou a estalagem do Porto que é, como todos sabem, no Palácio do Freixo. Pareceu-lhe Oporto, Porto, um sítio particularmente exótico, depois do sucesso da sua reportagem sobre um safári no Zimbabué, com avistamento de leões, que até foi comentada na própria sede do Partido Trabalhista, à hora do chá. Não era no Porto que tinha havido aquela batalha contra Napoleão? Ah, era antes o vinho? O quê, o vinho do Porto era de lá? Não era de Chipre? Que curiosa e indiscernível coincidência. Havia turbulência sobre a Biscaia, como é habitual, a viagem, embora curta, foi mais sacudida que a do Zimbabué e Lady Shillessy aterrou nas Pedras-Rubras com disposição para cometer um erro fatal.
— Tomou um táxi? — perguntou o comerciante, com os braços cruzados sobre a barriga, numa atitude que competiria mais ao abade.
— Pior — rosnou o juiz, com pouca vontade de ser interrompido. — Alugou um carro.
— Habituada a conduzir pela esquerda. Coitada. Deve ter sido insultada nas ruas — condoeu-se o abade.
— Insultadíssima. E só não especifico por respeito ao seu múnus.
— Deixe lá! No meu múnus ouve-se muita coisa...
— Antes de se fazer uma viagem devem averiguar-se criteriosamente as idiossincrasias locais — atalhou o farmacêutico.
— Mas o ponto não é esse — insistiu o juiz. — O ponto é que ela viu no mapa Freixial. Freixial do Douro. E baralhou Freixial com Freixo. E toca de meter pela estrada a caminho de Freixial. Bonita paisagem, mas eram curvas e mais curvas, quase sempre fora de mão.
— Desculpe, senhor juiz, mas não ia falar do caldo-verde? — perguntou o professor distraidamente. — É que, há bocado, na estrada, quando vinha para cá, ultrapassei dois camiões-cistena do Caldo-Verde, Green Broth, London, Ltd., e pendei que...
— Mas se não me deixam contar! Mas se me estão sempre a interromper!
— Pronto, pronto.
— Andava então perdida, a pobre mulher. Do alcatrão à terra batida foi uma guinada e depois eram penhascos e penhascos e não havia voltar. Até que se desencadeou um valente temporal, uma daquelas tempestades do Douro. Conhecem as tempestades do Douro?
Todos conheciam as tempestades do Douro. Se conheciam... Os céus despejam tudo o que há a despejar, no meio de roncos cavernosos, estampidos e lampejos em ziguezague que batem toda a paisagem como os canhões da Flandres. Desabam as enxurradas pelas falésias, borbulham e refervem as lamas, o que está em cima e o que está em baixo amalgama-se, confundido. Os circunstantes, na sua juventude, tinham lido imensa literatura romântica que transmitia tempestades. E durante uma agradável meia hora assistiu-se ali a uma polifonia deslumbrada com as fúrias desabaladas da Natureza.
Would you care to help me?
Lady Shillessy do meio do dilúvio interpelou um vulto formado de água e névoas concentradas que se aproximava, torvo e cambaleante, numa errância espectral.
I beg your pardon? — respondeu Fernando Faria, numa voz que parecia oriunda de essências liquefeitas.
Help!
E Lady Shillessy achou-se num tugúrio de terra batida cheio de cestos, lenha e alfaias, em que a tepidez de um lume, ardendo domesticamente sob uma panela de ferro trípoda, criava um ambiente de palácio de fadas, se comparado com o inferno do turbilhão lá fora. Acordou numa espécie de catre, debaixo de um cobertor de papa. O rugido da tempestade era agora um murmúrio de vagas plangências, que desistiam ao embate das rijas paredes de granito. Um ténue odor a fumo, curiosamente, apenas vinha reforçar a impressão de conchego. E foi com um sobressalto que reparou que o seu vestido e roupa interior, pendurados de um cajado contra os granitos rudes, davam algum dissonante colorido à austeridade empardecida do ambiente.
My goodness! — disse a aristocrata, aconchegando a manta.
You're welcome — observou Fernando Faria, que secava os sapatos da senhora ao fogo, na ponta de um ferro de lar.»
Mário de Carvalho, A Liberdade de Pátio, Porto Editora.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Politicamente desonesto

Passos Coelho é politicamente desonesto. Já o sabíamos, pelo menos, desde a campanha eleitoral de há três anos. Agora pudemos reconfirmá-lo, no discurso de abertura do congresso do PSD.

1. Nesse discurso, Passos Coelho repetiu diversas vezes que está a salvar Portugal. A salvar de quê? Não foi possível esclarecer. Seguramente, sabemos que do empobrecimento não é. Passos Coelho é o primeiro responsável pelo brutal empobrecimento dos portugueses, é o primeiro responsável pela miséria que alastra como peste pelas nossas cidades. Passos Coelho conduziu o país a níveis de pobreza de há muitas décadas. Está a salvá-lo quê?

2. Passos Coelho fez questão de enfatizar que um «processo de ajustamento é sempre injusto». A ênfase que Passos Coelho deu a esta afirmação é proporcional à sua falsidade. Não é verdade que um «processo de ajustamento» tenha de ser injusto. Sê-lo-á apenas se quem pagar esse «ajustamento» for quem não o deve pagar, isto é, aqueles que não foram nem são responsáveis pelo «desajustamento» e aqueles que não têm capacidade financeira para o pagar. Mas se quem pagar o «ajustamento» for quem causou o «desajustamento» e se for quem tem capacidade financeira para o pagar, não haverá nisso nenhuma injustiça, pelo contrário.
Na verdade, Passos Coelho optou, consciente e deliberadamente, por um processo injusto. Foi uma escolha sua. As injustiças são da sua responsabilidade.

3. Passos Coelho sentiu necessidade de dizer que era social-democrata. Desfiou alguns exemplos que supostamente demonstrariam a veracidade dessa identidade. Mas nenhum dos exemplos enunciados serviu a confirmação pretendida:
i) Indicou que somente 40% dos portugueses pagam IRS, mas que todos usufruem de saúde e educação gratuitas e de segurança social. Do ponto de vista de Passo Coelho, isto seria um exemplo de social-democracia. Mas não é. 
Em lado algum, um país pode ser considerado social-democrata se 60% da sua população for tão pobre que nem rendimentos mínimos tem para poder pagar impostos. Também não é verdade que os portugueses tenham saúde e educação gratuitas.

ii) Indicou que 85% dos pensionistas não foram afectados pelos cortes e pelas sobretaxas, isto é, só as pensões mais elevadas terão sido penalizadas. Do ponto de vista de Passo Coelho, isto seria um exemplo de social-democracia. Mas não é.
Isto é um exemplo de pobreza extrema, não de social-democracia. Os 15% referem-se a pensões a partir dos 600 euros, o que evidencia o nível paupérrimo de 85% dos pensionistas. Nenhum dos países que se reclama da social-democracia apresenta níveis aparentados com estes. E penalizar pensões de 600 euros é penalizar quem é pobre.

4. Passos Coelho perguntou repetidamente se hoje estamos melhor ou pior do que há três anos. Respondeu sempre que estamos melhor. Mentiu. Só não terá mentido se estava a falar da sua situação pessoal. Não sei, não me interessa se o cidadão Passos Coelho está hoje melhor ou pior do que há três anos. Mas sei, como todos os portugueses sabem, que as centenas de milhares de desempregados estão hoje pior do que há três anos; que centenas de milhares de reformados e pensionistas estão hoje pior do que há três anos; que centenas de milhares de trabalhadores precários estão hoje pior do que há três anos; que centenas de milhares de trabalhadores do sector privado, que viram os seus salários baixarem, estão hoje pior do que há três anos; que centenas de milhares de funcionários públicos, que tiveram cortes brutais nos vencimentos, estão hoje pior do que há três anos; que milhares de jovens que procuram o primeiro emprego estão hoje pior do que há três anos. Que os hospitais, as escolas, as universidades, os centros de investigação, os edifícios públicos, as estradas estão hoje pior do que há três anos. 

Sabemos, desde há três anos, pelo menos, que Passo Coelho não é politicamente sério. Voltámos a ter a confirmação.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Poemas

SE AMANHÃ ACORDO

     De súbito respira-se melhor e o ar da primavera
chega ao fundo. Mas foi somente um prazo
que o sofrimento concede para dizermos a palavra.
Ganhei um dia; tive o tempo
na minha boca como um vinho.
               Costumo procurar-me
na cidade que passa como um barco de loucos pela noite.
Encontro um rosto apenas: homem velho e sem dentes
a quem a dinastia, o poder, a riqueza, o génio,
tudo lhe deram afinal, excepto a morte.
É um inimigo mais temível que Deus,
o sonho que posso ser se amanhã acordo
e sei que vivo.
                       Mas de súbito a alvorada
cai-me entre as mãos como uma laranja rubra.

Jorge Gaitán Durán
(Trad.: José Bento)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (18)

«A promiscuidade não se esgota no Parlamento. Contamina até o insuspeito Banco de Portugal, em cujos os órgãos sociais têm assento representantes da Banca privada, que assim se pronunciam e condicionam a actividade do Banco Central, que supervisiona as entidades para que trabalham. O Banco Central tem assim a actividade vigiada por aqueles que deveria fiscalizar, permitindo que o ex-governador António Sousa presida à associação dos bancos que anteriormente supervisionava. E que Almerindo Marques pertença ao Conselho Consultivo, apesar da sua ligação ao grupo Espírito Santo.
O Banco de Portugal (BdP), enquanto entidade de supervisão e regulação do sector financeiro, deveria funcionar de forma transparente e garantir a seriedade do sistema financeiro. Mas os portugueses não conseguem escrutinar a sua actividade. E, do que se sabe, é uma instituição cara e ineficiente que apenas serve para sustentar uma clique poderosa e bem paga.
O BdP deixou de ter funções de banco emissor desde a nossa entrada na moeda única, em 2002. Diminuídas as suas competências, ficou-lhe a missão central de supervisão da actividade financeira em Portugal. Mas, aí, as suas prestações não poderiam ter sido piores, a avaliar pelos resultados desastrosos para as nossas finanças públicas. Foi sob a direcção de Vítor Constâncio que se desenvolveram os escândalos do BPN e do BPP. Foi também o BdP que fez vista grossa à luta de poder no BCP e à conquista deste banco pelo Partido Socialista de Sócrates. Apesar do mandato de que dispunha, não acautelou a idoneidade dos banqueiros e sancionou a nomeação de administradores da estirpe de João Rendeiro, Oliveira e Costa ou Armando Vara.
Foi ainda o BdP que permitiu que crescesse desmesuradamente o crédito imobiliário que representava, no início da crise, 70% da dívida privada nacional. Isto porque os bancos portugueses financiaram, de forma arbitrária e sem controlo, empreendimentos e urbanizações muito acima do seu real valor. E apoiou até projectos imobiliários que os promotores nunca vieram a construir, apenas com a garantia de terrenos, muitas vezes, agrícolas.
Contudo, e apesar das suas diminutas funções, o BdP mantém um modelo de gestão e de funcionamento megalómeno, com uma administração imponente e todo um séquito de assessores, a maioria dos quais tem reforma garantida ao fim de seis anos de funções na instituição. O BdP sustenta ainda um gabinete de estudos que vem propor ideias tão peregrinas como a diminuição de salários. Este modelo mantém-se até hoje com a complacência de alguns dos seus ex-colaboradores, como o actual presidente Cavaco Silva ou os ministros das Finanças do PS e PSD, de Ferreira Leite a Vítor Gaspar.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

De êxito em êxito até à ruína final

Não é novidade: sempre que o país «vai aos mercados colocar dívida», governantes, deputados da maioria e certos comentadores surgem trigosamente a declarar o êxito dessas operações. Segundo estes narradores, cada ida aos mercados é um êxito maior do que o êxito anterior. Esta semana voltou a acontecer: 3 mil milhões de euros de dívida, a um prazo de 10 anos, com um juro de 5,11%, e mais um êxito celebrado.
Aqueles que têm chamado a atenção para o óbvio — aquilo que aconteceu foi que a dívida aumentou em mais 3 mil milhões de euros, a um juro objectivamente incomportável para a nossa economia — perdem tempo e energia. Nada demove a máquina governamental e jornalística da mentira. É curioso verificar como os sempre fervorosos adeptos da folha de Excel são capazes de, misteriosamente, interromper o fervor da sua crença nos números — que, neste caso, lhes revela não existir sombra de êxito nos resultados alcançados — e avançar para explicações de natureza subjectiva, para interpretações psicológicas e para avaliações discutíveis (enfim, para tudo aquilo que normalmente rejeitam e condenam, por alegada falta de rigor e objectividade), para exaltarem o que não tem exaltação. O que interessa mesmo é preservar a mentira, o que é mesmo imperioso é manter a encenação até 2015.
Este governo e, em particular, Passos Coelho têm um enorme défice no domínio das finanças, mas tem um défice muito maior no domínio da verdade. Na realidade, está quase a fazer três anos que Passos Coelho andou pelo país a mentir aos portugueses como ninguém até hoje foi capaz de lhes mentir — ultrapassou largamente Sócrates, o que não era fácil de conseguir.
Passos Coelho e Paulo Portas corporizam o que de mais descredibilizado existe na política portuguesa: já disseram tudo e o seu contrário, com uma desfaçatez que impressiona. Neste momento, ambos estão apostados em levar até ao fim a sua sobrevivência política mesmo que isso custe a sobrevivência de milhares de portugueses e do país. Por cada «êxito» por eles reclamado, temos mais endividamento ou mais miséria, ou mais desemprego, ou mais redução de vencimentos, ou mais cortes nas pensões e reformas, ou mais precariedade, ou mais espezinhamento de direitos de quem trabalha, ou tudo isto em simultâneo.
Cada «êxito» de Passos Coelho é um passo não de coelho mas de gigante para a ruína final. Se este governo não for derrubado e se chegarmos ao último dia dos seus «êxitos», chegaremos a uma situação social semelhante à que se vivia em Portugal no final da primeira metade do século passado. Teremos recuado mais de seis décadas, com níveis dramáticos de empobrecimento e com níveis de desigualdade próprios da barbárie.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Pensamentos

«Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se.»
Soren Kierkegaard   
«Coloque uma pitada de ousadia em tudo o que você fizer.»
Baltasar Gracián y Morales
In Paulo Neves sa Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Trechos — Joseph Stiglitz (6)

«Os princípios do "mercado livre" conduziram a uma Europa que facilitava a movimentação de capital além-fronteiras. Defendeu-se que fazê-lo melhoraria o desempenho económico; mas os banqueiros e os líderes políticos não se aperceberam da importância dos pormenores. Os bancos sempre receberam subsídios implícitos dos governos — o que se tornou evidente na crise de 2008, quando governo atrás de governo se envolveu em enormes resgates. A confiança no sistema bancário de um país depende da confiança na capacidade e na vontade dos governos em resgatar os bancos nacionais. Mas quando um país é enfraquecido por uma recessão económica, a sua capacidade de resgatar os bancos é enfraquecida, mesmo quando a assistência é mais necessária. A confiança no sistema bancário de um país diminui inevitavelmente; mas o sistema europeu tornou mais fácil a saída de dinheiro de um país — exacerbando a recessão, corroendo ainda mais a confiança no sistema bancário e acelerando o declínio da economia.
[...] A austeridade conduziu não só a níveis de desemprego faraónicos e salários mais baixos, mas também a enormes cortes em serviços públicos numa altura em que são mais necessários. Na Grécia, por exemplo, existe uma escassez de medicamentos que salvam vidas, uma condição que só encontramos nos países em vias de desenvolvimento mais pobres. Os que encontram trabalho aceitam qualquer coisa, mesmo que não seja para isso que estudaram e sonharam. Muitos dos que não conseguem trabalho sobretudo entre os jovens, emigram; as famílias estão a separar-se. Os países estão a ser esventrados dos seus cidadãos mais talentosos.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Professores contratados - reunião com a SEEAE/MEC

Recebido por e-mail, da direcção da ANVPC:

Comunicado

Reunião com a SEEAE / MEC – 03.02.2014 




A ANVPC - Associação Nacional dos Professores Contratados, realizou ontem uma reunião com a SEEAE / MEC na sequência das declarações proferidas no passado dia 17 de janeiro pelo Ministro da Educação e Ciência e do prolongamento do prazo que foi concedido pela Comissão Europeia para que o governo Português apresente medidas concretas para reparar definitivamente a precariedade e discriminação laboral dos professores contratados portugueses. Nesse sentido, a ANVPC teve como propósito central promover, neste encontro, a reflexão sobre os objetivos do concurso de vinculação extraordinária (apresentado na data supracitada e a realizar durante o presente ano letivo) e sobre a matriz orientadora do diploma que regulamentará esse concurso.
Cabe referir que a reunião decorreu num clima positivo de diálogo, sendo que transversalmente a ANVPC a considera construtiva, numa primeira estruturação e definição de princípios que no parecer desta associação deverão ser obrigatoriamente cumpridos pela tutela para a construção de um concurso extraordinário justo e equitativo a todos os docentes de todos os grupos disciplinares. 
Durante este encontro a ANVPC apresentou os que considera como principais requisitos que o MEC deverá ter em conta em todo este processo concursal, dos quais destacamos os seguintes: 
- a necessidade de SEEAE / MEC explicitar o conceito fundamental deste processo de vinculação – o das necessidades permanentes que o sistema de ensino público tem evidenciado desde 2001, data a partir da qual deveria ter sido transposta a Diretiva Comunitária 1999/70/CE para o Direito Português (aliás o que aconteceu para os estabelecimentos de ensino sem tutela direta do MEC); 
- a inevitabilidade de não se poder aceitar outro critério para abertura de vagas que não seja o de cumprir os requisitos da Diretiva Comunitária referida, ou seja o dos 3 contratos sucessivos e anuais (e realização do quarto contrato sucessivo), indo, quanto a nós, ao encontro do pressuposto estruturante afirmado por sua excelência o Ministro da Educação e Ciência, que referiu que “após o processo de vinculação extraordinária estarão integrados no quadro os professores mais experientes que têm sido colocados em sucessivos contratos anuais e completos satisfazendo as necessidades do sistema.”; 
- a necessidade de que, face ao ponto acima referenciado, o princípio conceptual definido pelo Ministro da Educação e Ciência para combate à abusividade de recurso a contratos sucessivos – quando refere a 17 de janeiro que, citamos: “Em linha com o que se passa na atual lei geral, professores com quem sejam celebrados contratos anuais e completos a partir de 2015 após cinco anos sucessivos neste tipo de contratos terão ingresso nos quadros de zona pedagógica no concurso em que seja feita a sua contratação” – seja aplicado de imediato, com efeitos retroativos, contabilizando, a partir de 2001, o número de contratos sucessivos estabelecido no momento da alegada violação da diretiva, e por isso integrando nos quadros do MEC os docentes que a partir dessa data os cumprem, independentemente dos seus grupos disciplinares de origem; 
- o perigo do recurso a critérios de abertura de vagas que não sejam objetivos e sustentados, e desse modo promotores de discricionariedade, como o que resultou do concurso de vinculação extraordinária de 2013, em que não foram publicamente conhecidas as razões objetivas para abertura de vagas por grupos de recrutamento; 
- a necessidade imperiosa de substituir o enquadramento jurídico-legal dos concursos de Professores, regulados pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Publicas), que é uma das causas do abuso e da discriminação no recurso à contratação a termo, situações que afetam de forma gravíssima milhares de Professores, por opção e responsabilidade de sucessivos governos; 
- a inaceitabilidade da criação de eventuais fatores ou especificidades do sistema que possam tentar justificar uma proteção menor aos Professores do ensino público que a que é dada aos Professores do ensino privado.Foram, na presente reunião, colocadas um conjunto de questões às quais não nos foram dadas respostas concretas, nem apresentadas nenhumas garantias definitivas por parte da tutela, o que originará que a ANVPC se mantenha atenta aos futuros desenvolvimentos das negociações. Sempre pautamos a nossa atuação centrando-a no desempenho de um papel crucial na construção de consensos e de plataformas de entendimento entre os variados parceiros, de que é um exemplo concreto a aprovação, sem votos contra, pelos grupos parlamentares, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2010 de 4 de maio. 
Apresentamos por isso, nesta reunião, na mesma linha condutora de abertura para criação de consensos, a curto e médio prazo, no sentido da resolução definitiva do problema da precariedade laboral docente.A ANVPC e os Professores contratados continuarão a desenvolver todas as ações ao seu alcance em prol do rigor, da qualidade e da excelência da Escola pública, dos nossos Alunos e consequentemente do futuro de Portugal.

A Direção da ANVPC

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (17)

«O maior antro deste tráfico de influências é a Assembleia da República [...] Em todas as comissões relevantes, também as que se constituíram no governo de Passos Coelho, há conflitos de interesses, sejam eles reais ou potenciais. Na comissão de agricultura, o deputado Manuel Isaac vigia um ministério que influencia a atribuição de subsídios à empresa de que é administrador. O presidente da comissão de Segurança Social, José Manuel Canavarro, é consultor do Montepio Geral, banco cuja a área de actuação se situa na área da solidariedade. E na saúde? Também se deverá sentir menos confortável o presidente da comissão, Couto dos Santos, membro da administração da construtora Monte Adriano, quando estão em causa obras em hospitais ou centros de saúde. Os exemplos sucedem-se.
A comissão mais importante, a que acompanha o programa de assistência financeira, tem por funções fiscalizar as medidas previstas no memorando de entendimento com a troika, nomeadamente as privatizações da EDP e da REN ou o apoio à Banca. Pois nesta comissão tem assento Miguel Frasquilho, que trabalha na Essi, uma empresa do grupo financeiro BES que, ainda por cima, assessorou os chineses na compra da EDP; a que se junta Adolfo Mesquita Nunes, advogado da poderosa sociedade «Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva», justamente o escritório de referência da companhia eléctrica.
Para erradicar esta teia de negócios que domina a política, o Parlamento deve criar um regime de incompatibilidades muito restritivo para os detentores de cargos públicos. Que deve, num período transitório de higienização, ser de exclusividade total.
Contudo, e incompreensivelmente, a Assembleia nunca acautelou estes conflitos de interesses. Como prémio, Mesquita Nunes acabou por ser nomeado membro do governo. Note-se bem que o sector financeiro é o mais afectado pelas medidas previstas no memorando de entendimento e que o processo de privatizações é o mais susceptível de gerar situações de corrupção. Nessa mesma comissão parlamentar, de acompanhamento ao programa de assistência financeira, os interesses da EDP estão também representados pelo deputado Pedro Pinto.
E por aí fora. A desfaçatez é de tal ordem que até a comissão de combate à corrupção, criada no Parlamento no tempo de José Sócrates, foi presidida por Vera Jardim que, na sua qualidade de presidente do Banco Bilbao Vizcaya e duma leasing imobiliária, representa os sectores mais permeáveis à corrupção: a finança e a construção civil; já para não falar do seu vice-presidente, Lobo de Ávila, que pertence aos órgãos sociais das empresas de Miguel Pais do Amaral, com inúmeras ligações ao Estado.
Também é muito difícil aceitar que o actual presidente parlamentar de Defesa, Matos Correia, seja advogado no mesmo escritório que o seu antecessor na função, José Luís Arnaut, cujo principal sócio é o ex-ministro, também da defesa, Rui Pena. Que competências tão peculiares terá esse gabinete jurídico para obter tão forte representação em sector tão importante?»
Paulo de Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Crato maltrata todos

Há certamente algo de estranho quando aqueles que constituem a razão de existência de um ministério olham para o ministro que os tutela e vêem nele não o líder que os mobiliza mas o inimigo que os massacra.
Seja qual for o ministério, o responsável político que o dirige deverá ser sempre um pólo aglutinador e uma força dinamizadora de vontades para a concretização de um projecto colectivo. Apenas neste contexto tem sentido ser ministro. Se isto não acontece, o ministro não está lá a fazer nada. Se acontece o contrário disto, o ministro é um empecilho ao desenvolvimento desse sector do país. Isto parece ser uma evidência, mas inexplicavelmente, entre nós, tornou-se moda considerar-se que os ministros devem governar contra aqueles que tutelam.
Nos últimos anos, o Ministério da Educação tem sido e continua a ser um exemplo desta desgraçada realidade. Depois de Rodrigues e Alçada, Crato é mais um exímio protagonista deste modo estúpido de fazer política. Se nos lembrarmos que as razões de existência do Ministério da Educação e Ciência são basicamente três — assegurar e promover a educação e a formação dos alunos; assegurar e promover condições para os professores poderem cumprir a função de educar e formar os alunos; assegurar e promover condições para os investigadores desenvolverem o conhecimento científico do país —, verificamos que o ministro deste ministério trai persistentemente as razões que justificam a sua existência. Três casos recentes juntam-se a uma lista que parece não ter fim.

1. Nuno Crato considera ser possível fazer ciência sem cientistas e fazer investigação sem investigadores. Um ministro que, em lugar de criar condições para que haja mais e melhores cientistas e investigadores, opta por reduzir drasticamente o número de bolsas que sustentam uma parte significativa da nossa actividade científica, não só hostiliza quem deveria apoiar como cria condições para fazer regredir aquilo que tinha o dever de fazer prosperar. Criar problemas, inventar obstáculos, colocar entraves àqueles que deveria mobilizar e incentivar, com vista ao desenvolvimento da nossa ciência, tornou-se no leitmotiv da política deste ministro.

2. Nuno Crato (como os ministros e as ministras anteriores) tem-se comportado com os professores contratados como se estes fossem professores de segunda categoria e cidadãos de terceira. Do mesmo modo que os seus antecessores, Crato não tem pudor em não respeitar as leis do país e mantém na precariedade milhares de docentes que legalmente já deveriam pertencer aos quadros. Agora que foi admoestado pela Comissão Europeia para pôr fim a esta situação, o ministro mostra novamente a sua falta de verticalidade política, ao encenar uma «solução» ardilosa que tem como objectivo manter o desrespeito pela lei e manter fora dos quadros a quase totalidade dos professores (ilegalmente) contratados. Em lugar de mobilizar e apoiar aqueles que tutela, este ministro governa contra eles.

3. Nuno Crato não despreza apenas os cientistas, os investigadores e os professores, despreza também os alunos. Existem neste momento centenas de alunos matriculados que, desde Setembro, estão impossibilitados de iniciar ou de prosseguir os seus estudos, conforme pretendiam e conforme tinham direito, quer nos cursos EFA, quer no Ensino Recorrente. Com a arbitrariedade de um déspota, Nuno Crato não deu autorização para que fossem abertas turmas para estes alunos, apesar de estarem cumpridos todos os requisitos formais para que pudessem ser abertas. Ao contrário do que anunciou e prometeu, Crato não está a incentivar e a promover o Ensino Recorrente, como não promove nem incentiva coisa alguma. Um verdadeiro ministro da Educação, em nenhuma circunstância, sob nenhum pretexto, poderia impedir quem quer estudar de o fazer.

Um ministro não pode governar contra quem tem por obrigação liderar. Um ministro da Educação e Ciência muito menos.