domingo, 16 de fevereiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (18)

«A promiscuidade não se esgota no Parlamento. Contamina até o insuspeito Banco de Portugal, em cujos os órgãos sociais têm assento representantes da Banca privada, que assim se pronunciam e condicionam a actividade do Banco Central, que supervisiona as entidades para que trabalham. O Banco Central tem assim a actividade vigiada por aqueles que deveria fiscalizar, permitindo que o ex-governador António Sousa presida à associação dos bancos que anteriormente supervisionava. E que Almerindo Marques pertença ao Conselho Consultivo, apesar da sua ligação ao grupo Espírito Santo.
O Banco de Portugal (BdP), enquanto entidade de supervisão e regulação do sector financeiro, deveria funcionar de forma transparente e garantir a seriedade do sistema financeiro. Mas os portugueses não conseguem escrutinar a sua actividade. E, do que se sabe, é uma instituição cara e ineficiente que apenas serve para sustentar uma clique poderosa e bem paga.
O BdP deixou de ter funções de banco emissor desde a nossa entrada na moeda única, em 2002. Diminuídas as suas competências, ficou-lhe a missão central de supervisão da actividade financeira em Portugal. Mas, aí, as suas prestações não poderiam ter sido piores, a avaliar pelos resultados desastrosos para as nossas finanças públicas. Foi sob a direcção de Vítor Constâncio que se desenvolveram os escândalos do BPN e do BPP. Foi também o BdP que fez vista grossa à luta de poder no BCP e à conquista deste banco pelo Partido Socialista de Sócrates. Apesar do mandato de que dispunha, não acautelou a idoneidade dos banqueiros e sancionou a nomeação de administradores da estirpe de João Rendeiro, Oliveira e Costa ou Armando Vara.
Foi ainda o BdP que permitiu que crescesse desmesuradamente o crédito imobiliário que representava, no início da crise, 70% da dívida privada nacional. Isto porque os bancos portugueses financiaram, de forma arbitrária e sem controlo, empreendimentos e urbanizações muito acima do seu real valor. E apoiou até projectos imobiliários que os promotores nunca vieram a construir, apenas com a garantia de terrenos, muitas vezes, agrícolas.
Contudo, e apesar das suas diminutas funções, o BdP mantém um modelo de gestão e de funcionamento megalómeno, com uma administração imponente e todo um séquito de assessores, a maioria dos quais tem reforma garantida ao fim de seis anos de funções na instituição. O BdP sustenta ainda um gabinete de estudos que vem propor ideias tão peregrinas como a diminuição de salários. Este modelo mantém-se até hoje com a complacência de alguns dos seus ex-colaboradores, como o actual presidente Cavaco Silva ou os ministros das Finanças do PS e PSD, de Ferreira Leite a Vítor Gaspar.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.