terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (17)

«O maior antro deste tráfico de influências é a Assembleia da República [...] Em todas as comissões relevantes, também as que se constituíram no governo de Passos Coelho, há conflitos de interesses, sejam eles reais ou potenciais. Na comissão de agricultura, o deputado Manuel Isaac vigia um ministério que influencia a atribuição de subsídios à empresa de que é administrador. O presidente da comissão de Segurança Social, José Manuel Canavarro, é consultor do Montepio Geral, banco cuja a área de actuação se situa na área da solidariedade. E na saúde? Também se deverá sentir menos confortável o presidente da comissão, Couto dos Santos, membro da administração da construtora Monte Adriano, quando estão em causa obras em hospitais ou centros de saúde. Os exemplos sucedem-se.
A comissão mais importante, a que acompanha o programa de assistência financeira, tem por funções fiscalizar as medidas previstas no memorando de entendimento com a troika, nomeadamente as privatizações da EDP e da REN ou o apoio à Banca. Pois nesta comissão tem assento Miguel Frasquilho, que trabalha na Essi, uma empresa do grupo financeiro BES que, ainda por cima, assessorou os chineses na compra da EDP; a que se junta Adolfo Mesquita Nunes, advogado da poderosa sociedade «Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva», justamente o escritório de referência da companhia eléctrica.
Para erradicar esta teia de negócios que domina a política, o Parlamento deve criar um regime de incompatibilidades muito restritivo para os detentores de cargos públicos. Que deve, num período transitório de higienização, ser de exclusividade total.
Contudo, e incompreensivelmente, a Assembleia nunca acautelou estes conflitos de interesses. Como prémio, Mesquita Nunes acabou por ser nomeado membro do governo. Note-se bem que o sector financeiro é o mais afectado pelas medidas previstas no memorando de entendimento e que o processo de privatizações é o mais susceptível de gerar situações de corrupção. Nessa mesma comissão parlamentar, de acompanhamento ao programa de assistência financeira, os interesses da EDP estão também representados pelo deputado Pedro Pinto.
E por aí fora. A desfaçatez é de tal ordem que até a comissão de combate à corrupção, criada no Parlamento no tempo de José Sócrates, foi presidida por Vera Jardim que, na sua qualidade de presidente do Banco Bilbao Vizcaya e duma leasing imobiliária, representa os sectores mais permeáveis à corrupção: a finança e a construção civil; já para não falar do seu vice-presidente, Lobo de Ávila, que pertence aos órgãos sociais das empresas de Miguel Pais do Amaral, com inúmeras ligações ao Estado.
Também é muito difícil aceitar que o actual presidente parlamentar de Defesa, Matos Correia, seja advogado no mesmo escritório que o seu antecessor na função, José Luís Arnaut, cujo principal sócio é o ex-ministro, também da defesa, Rui Pena. Que competências tão peculiares terá esse gabinete jurídico para obter tão forte representação em sector tão importante?»
Paulo de Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.