De repente, a vida e o mundo ficaram reduzidos a um pensamento e a uma via. Esse pensamento e essa via trazem riqueza e bem-estar a 1% e trazem pobreza e sofrimento a 99%. Apesar disso, é-nos afirmado que não existe outro modo de viver, que nenhuma outra alternativa é viável e que o bom senso exige conformismo e aceitação desta inevitabilidade.
Devido a uma «lei» da natureza humana por todos desconhecida, o mundo parece só poder ser organizado desta forma: possibilitar um incomensurável poder financeiro e económico a uma escassa minoria e reduzir a vida de todos os outros à gestão da sua sobrevivência ou pouco mais.
Este cenário eticamente desprezível não tem fundamento científico nem filosófico nem político, mas tem um fundamento ideológico, ainda que publicamente não confessado, que assenta num pressuposto: existem seres humanos detentores de uma genética que os faz superiores aos demais, e dessa superioridade decorre o natural acesso a um restrito mundo de privilégios. No fundo, a ideia é simples: os pobre são pobres porque não têm capacidade para serem ricos e os ricos são ricos porque possuem essa capacidade.
Esta proto-teoria, e a selvajaria que ela encerra, está a ser acarinhada e difundida como nunca antes o tinha sido. O enorme poder financeiro e económico do clube dos 1% possibilita e facilita a difusão desta visão do mundo à escala planetária. A sua impressionante capacidade de intervir e de manipular todos os sectores da actividade social transforma aquilo que é uma interesseira e ordinária perspectiva de vida numa «verdade» aparentemente universal e acatada.
Da pregação deste ideário, estão encarregados os responsáveis políticos, jornalistas, cronistas sociais e comentaristas, que, por interesse ou ingenuidade, se voluntariam para a função. É pressuroso o exército de apóstolos: primeiros-ministros subservientes, ministros servis, directores de jornais e jornalistas amplificadores da voz de quem paga, cronistas aduladores e comentantes alvares.
Todavia, é necessário introduzir um outro elemento nesta narrativa: o cidadão que vota e que tem a possibilidade de intervir politicamente, sindicalmente, civicamente. Uma parte do imenso poder que a classe dominante detém é-lhe facultada pelo anónimo cidadão. Na verdade, a persistência nos mesmos padrões de comportamento social e político — votando sempre nos partidos que, há décadas, (des)governam o seu país ou abstendo-se de intervir activamente nos múltiplos processos reivindicativos ou contestatários — conduz à manutenção e ao fortalecimento do sistema e dos seus protagonistas.
Enquanto não formos capazes de votar e de agir de modo diferente, a via manter-se-á única.