terça-feira, 4 de março de 2014

Tudo é normal

1. Zeca Mendonça, funcionário do PSD, assessor directo de Passos Coelho, agrediu a pontapé, no passado domingo, um jornalista. Parece ter sido um acontecimento normal, atendendo ao pouco relevo que a comunicação social deu ao assunto.
2. Relvas voltou, no mesmo domingo, à política activa no PSD, presidindo à primeira reunião do recém-eleito Conselho Nacional. Um capricho de Passos Coelho a que os restantes membros do partido se submeteram com uma fidelidade muito próxima da canina. Terão entendido ser um acontecimento normal.
3. Os tribunais acabaram de condenar pela quingentésima vez o Ministério da Educação e Ciência (MEC) pelo mesmo motivo: não pagamento de compensações aos professores pela caducidade dos contratos. Os factos reportam-se aos governos de Sócrates e prosseguiram com o de Passos Coelho. O MEC vê estas condenações como acontecimentos normais.
4. A dívida pública bateu, no mês passado, um recorde: atingiu os 213.390 milhões de euros o que corresponde a 129% do Produto Interno Bruto (PIB). Pela ausência de reacção do governo, parece ser um acontecimento normal.

Vivemos num país normal cheio de acontecimentos normais: agressão a um jornalista, que tem como único resultado a criação de uma página de likes de retribuição virtual da agressão, no Facebook; consumação do regresso de um político medíocre, que nos remete a política para a dimensão de um negócio de vão de escada; condenações sucessivas de ilegalidades cometidas por um ministério do governo, que com elas convive com a naturalidade dos irresponsáveis; dívida a crescer como nunca, que é olimpicamente ignorada pelos governantes, pelos jornalistas do economês e pelos comentadores profissionalizados.
Vivemos afogados nestas normalidades, em que os comportamentos mais esdrúxulos, mais estúpidos, mais irresponsáveis, mais politicamente criminosos passam incólumes. Praticamos um escrutínio de lérias, sem acutilância, sem rigor, sem exigência. Permitimos que nos mintam desavergonhadamente, toleramos que nos digam tudo e o seu contrário, conformamo-nos com as injustiças mais descaradas, consentimos a incompetência, a arrogância e o fundamentalismo, aceitamos o inaceitável. Há anos que vivemos com este desgraçado comportamento de acolhimento, de admissão de tudo e do que ainda mais vier. Tudo parece normal. As linhas vermelhas parecem só existir nos filmes publicitários ou nos discursos mentirosos dos invertebrados da política.
Vivemos, neste momento, uma colossal encenação de «sinais positivos», de «saídas limpas», de «confiança dos mercados», que vai durar até ao próximo dia 25 de Maio, dia das eleições europeias. Depois, o dito será dado por não dito e a realidade cairá novamente sobre nós com a mesma brutalidade com que tem caído. Até 2015 chegar. Quando o ano das eleições legislativas entrar, entrará com ele uma nova encenação e os profissionais da mentira renascerão.
E vamos vivendo assim, porque os Zecas Mendonça, os Relvas, as ilegalidades, as incompetências e a mentiras já fazem parte da nossa normalidade.