sexta-feira, 7 de março de 2014

Acerca da crise e da corrupção (19)

«As grandes sociedades de advogados têm hoje uma dimensão e um poder tal, que mais parecem autênticos ministérios-sombra. É dos seus gabinetes que entram para a política alguns dos agentes mais influentes e é no seu seio que são produzidas as leis mais importantes e de maior relevância económica.
Estes escritórios têm uma presença excessiva em todos os governos e parlamentos. São seus símbolos o ex-ministro de Durão Barroso, Nuno Morais Sarmento, do PSD, sócio da mega-sociedade de José Miguel Júdice, ou a centrista e ministra do governo de Passos Coelho, Assunção Cristas, da sociedade "Morais Leitão e Galvão Teles". Aos quais se poderiam acrescentar outros nomes de governos socialistas, como Vera Jardim ou Rui Pena. Alguns opositores políticos são-no apenas de forma aparente, já que até são associados no mesmo escritório. Quando António Vitorino do PS e Paulo Rangel do PSD se confrontam num qualquer debate, terão estado antes em reunião e a tratar de negócios no escritório a que ambos pertencem.
Algumas destas poderosas sociedades de advogados são contratadas para produzir a mais importante legislação de cada mandato. São contratados pelos diversos governos e recebem honorários milionários pelo serviço. Produzem assim extensa legislação e diplomas que, por norma, têm três falhas. Em primeiro lugar, incorporam imensas regras, para que ninguém perceba a lei. Depois, permitem muitas excepções de forma a poderem beneficiar amigos. E, finalmente, a legislação outorga um ilimitado poder discricionário a quem a aplica, o que permite o aparecimento de mecanismos de corrupção.
Como as leis são indecifráveis, as sociedades de jurisconsultos que as produzem obtêm aqui outro filão interminável de rendimento. A pedido das mais diversas entidades, produzem pareceres a explicar as falhas das quais elas próprias são responsáveis. E voltam a auferir milhões. Os exemplos sucedem-se. O escritório de Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados concebe diplomas na área do urbanismo e factura milhões em pareceres a autarquias, por um lado, mas também a promotores imobiliários. A firma de Sérvulo Correia produziu o código da contratação pública e, desde que este diploma entrou em vigor, ganhou já quase dez milhões de euros em pareceres. Apreciações em que explica aquilo que andou a legislar.
E, finalmente, sabedoras profundas de todo o processo, estas sociedades de advogados ainda podem ir aos grupos privados mais poderosos com interesses na matéria e vender os esquemas para contornar a Lei, através das armadilhas que elas próprias introduziram na legislação.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.