sábado, 15 de março de 2014

Sempre a descer

Viver em Portugal não é fácil. Suportar a crise e suportar os seus responsáveis, anteriores e actuais, é violento.

1. Foi anunciado que Sócrates vai entrar na campanha eleitoral de Assis, para o Parlamento Europeu. Certamente que haverá quem vá dar ênfase à coragem do ex-primeiro-ministro para regressar à luta política e ao seu gesto de solidariedade para com um dos seus indefectíveis. 
Eu prefiro dar ênfase à falta de vergonha política do ex-primeiro-ministro. Na realidade, os factos são o que são: foi Sócrates quem pediu o resgate, foi Sócrates quem chamou a tróica, foi Sócrates quem liderou as negociações que conduziram ao memorando. Era Sócrates quem liderava o país há seis anos quando se chegou ao descalabro. Foi a actuação política de Sócrates que abriu as portas para o acesso fulgurante ao poder por parte dos indivíduos mais regressivos da nossa sociedade e com mais contas para ajustar com o 25 de Abril de 1974. Foi Sócrates quem objectivamente lhes estendeu a passadeira — não apenas porque a sua incompetência e arrogância desmedida gerou a reacção imediata do eleitorado de o afastar do poder, optando (erradamente) por colocar no seu lugar quem mais facilmente reunia condições eleitorais para o conseguir, mas também porque foi Sócrates quem iniciou de modo decisivo várias das políticas que o actual governo tem levado ao seu extremo máximo. Não é pelo facto de, comparativamente, Passos Coelho ter feito de Sócrates uma figura quase angélica, que, objectivamente, Sócrates deixa de ser quem foi: o primeiro-ministro que fez a penhora do país ao estrangeiro e que protagonizou a política mais à direita que o PS teve na sua história. Como bem disse o próprio acerca de si mesmo: «Eu [Sócrates] fui o líder que a direita gostaria de ter tido.»

2. As mentiras de Passos Coelho são incontáveis — não apenas porque já se perdeu a conta ao número de mentiras que em três anos já proferiu, como contar, em forma de narrativa, as mentiras que ele persistentemente diz é um exercício que reforça a indignação de quem o faz.
A mais recente mentira (digo «a mais recente» correndo risco de eu próprio estar a mentir, pois não há garantia de que, de ontem para hoje, Passos Coelho não tenha introduzido uma nova mentira na vida política portuguesa) foi, por ironia, desmascarada pelo Presidente da República. Na verdade, aquilo que Passos Coelho tinha dito acerca da necessidade de aumentar em 1% o desconto para a ADSE  («equilibrar as contas deste subsistema de saúde») é uma obscena mentira. Para isso acontecer, para se atingir esse equilíbrio, bastaria que o aumento fosse de 0,2 ou 0,3%, o que significa que, mais uma vez, Passos Coelho enganou conscientemente os portugueses e, em particular, os funcionários públicos.
Se a realidade não nos mostrasse como Passos Coelho é descaradamente mentiroso, seria certamente difícil alguém imaginar que pudesse existir um primeiro-ministro que mentisse tanto aos cidadãos do seu país.

3. Mas Passos Coelho não mente apenas. O primeiro-ministro pretende agora premiar a ilegalidade. O primeiro-ministro pretende baixar o valor da indemnização dos despedimentos ilegais. Praticar uma ilegalidade tornou-se, para Passos Coelho, uma prática que deve ser favorecida.

Se utilizarmos as mesmas categorias das agências que se dedicam a classificar o risco dos créditos, verificamos que os valores e a prática ético-política do actual primeiro-ministro estão a um nível inferior ao do rating da dívida: abaixo de lixo.