quarta-feira, 19 de março de 2014

Acerca da crise e da corrupção (20)

«Cada vez mais os cidadãos sentem que a política e os políticos não lhes trazem as soluções prometidas e necessárias para promover a sua qualidade de vida e a dos seus filhos. Em Portugal, a política transformou-se num circo, corrompendo a democracia que deveria ser uma actividade nobre, a mais nobre de todas no que diz respeito ao interesse público.
O problema começa, desde logo, nas campanhas eleitorais que mais não têm sido senão jogos de sedução. Ganha quem é mais eficaz a enganar os cidadãos. Ou seja, as eleições transformaram-se em concursos para a escolha do melhor mentiroso e o troféu em jogo é a chefia do governo.
Foi assim nos últimos actos eleitorais. Passos Coelho, quando candidato nas últimas eleições [...] tinha garantido que jamais aumentaria impostos e que não seria necessário baixar salários, pensões e reformas ou retirar subsídios. O equilíbrio das contas públicas, dizia ele, far-se-ia com a redução das gorduras nos sectores intermédios do Estado, a diminuição das rendas das parcerias público-privadas e, a longo prazo, com uma profunda reforma da Administração. Dois anos volvidos, conclui-se que Passos Coelho aplicou medidas precisamente opostas às que tinha prometido. Mentiu-nos, numa atitude em que foi acompanhado pelo seu parceiro de coligação: também o CDS defendia a diminuição da carga fiscal, até chegar ao governo e se tornar cúmplice do seu agravamento.
Mas este não é um problema exclusivo deste governo. O antecessor de Passos, José Sócrates, fez exactamente o mesmo. Prometendo não aumentar impostos, não tardou em fazê-lo assim que subiu ao poder. Mais um mentiroso. Da mesma forma, Durão Barroso tinha anunciado, na campanha de 2002, um choque fiscal, com uma brutal redução de impostos. Mal tomou posse, a primeira medida que tomou a sua ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, foi... aumentar impostos.
O comportamento de dirigentes que, deliberadamente, enganam o povo em campanha, não é admissível. A democracia só é autêntica quando se contrapõem, nas eleições, projectos alternativos e se discutem soluções. Os eleitos devem sentir-se obrigados a honrar e implementar o programa vencedor.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.