A poucos dias de serem celebrados os 40 anos do Dia da Liberdade, vêmo-nos numa situação paradoxal: esta comemoração coincide precisamente com o momento da nossa história recente em que há menos liberdade e mais submissão mental.
A atitude de resignação que hoje experienciamos não tem paralelo nas últimas quatro décadas. A abulia política em que grande parte dos portugueses se encontra atinge contornos únicos e preocupantes. Traça de nós um retrato de fealdade cívica e de inépcia funcional. Não agimos nem reagimos. Aceitamos com docilidade a degradação das nossas vidas e a hipoteca do presente e do futuro. Somos um povo acabrunhado, doentiamente servil e imensamente crédulo. Anestesiamo-nos com o elogio cínico que enaltece a nossa capacidade de sofrimento e a nossa suposta responsabilidade, «qualidades» essenciais para a salvaguarda dos interesses do elogiante. De pena em pena, vamos ostentando um queixume inconsequente ou uma meia alegria insuflada não se sabe bem pelo quê. Prescindimos da liberdade de pensar e de empreender rupturas.
A nossa submissão mental é uma coisa terrível, que contrasta em absoluto com a coragem dos responsáveis pelo 25 de Abril de 1974. Somos devedores dessa coragem e somos maus pagadores. Queremos pagar prontamente, caninamente, humildemente a usura que está na base de parte da dívida designada de soberana, mas não pagamos a enorme dívida de gratidão que temos para com os capitães que derrubaram a ditadura. Pelo contrário, marginalizamo-los e maltratamo-los.
Andamos com os valores invertidos e de cabeça perdida.
Andamos com os valores invertidos e de cabeça perdida.