«O vento era forte e tinham de seguir contra ele. Bem cobertas pelo capacete, as pontas das orelhas de Beard já estavam dormentes, assim como a ponta do nariz e os dedos dos pés. Para ver, era obrigado a inclinar a cabeça e a ajustar o seu ângulo de visão através de uma área cada vez menor de semi-nitidez, evitando ao mesmo tempo a fenda iluminada sobre o olho esquerdo. Mas tudo aquilo eram pequenos contratempos, uma cegueira e uma dor com que podia viver. Um problema mais premente oprimia-o quando inflectiu em direcção à sua moto de neve. À pressa e embotado como estava nessa manhã, esquecera todas as rotinas habituais. Não se barbeara nem se lavara e, excepto para beber uma gota de água gelada, não pusera os pés na casa de banho. Depois saíra à pressa do quarto com o saco. Agora faziam vinte e seis graus negativos, a força do vento era de cinco nós, estavam com pressa e uma tempestade aproximava-se. Jan já estava em cima da máquina, a pôr o motor a trabalhar, e Beard, encurralado dentro de várias camadas de roupa rebelde, precisava de urinar.
O melhor que podia, olhou em redor. As casas mais próximas ficavam a quatrocentos metros e mostravam grandes paredes vazias, com uma ou duas janelas em miniatura — janelas de casa de banho, de certeza. Oh, estar ali, numa divisão aquecida, revestida de azulejos, descalço e de pijama, a urinar com todo o vagar, antes de se enfiar de novo debaixo do edredão durante uma hora extra. Mas podia fazê-lo ali, na vala, voltar as costas ao vento, tirar as luvas, com os dedos nus lutar com o fecho volumoso e gelado do seu fato de moto de neve de uma só peça, enfiar a mão por baixo do blusão e alcançar as fivelas dos ombros das calças de suspensórios, puxá-las para baixo e abrir um túnel passando pela camisola, camisa, camisola interior comprida, ceroulas e cuecas, para alcançar por fim o momento de alívio em que não ousava pensar. Não, era demasiado difícil, isso teria de esperar [...].»
Ian McEwan, Solar, Gradiva.