Quem exerce funções públicas tem acrescidas exigências de natureza ética, objectivas limitações de ordem financeira e apertadas restrições legais, isto comparado com quem trabalha no sector privado — estes factos não são susceptíveis de deturpação ou de mentira política.
Neste contexto, quem é que, exceptuando aqueles que fazem uma opção de vida de entrega às causas colectivas, poderia estar interessado em exercer funções públicas, sabendo que essas funções implicavam a aceitação de um tecto salarial imposto por lei e a aceitação de um nível superior de obrigações, e sabendo que, relativamente a tudo o resto (sistema de segurança social, progressão na carreira, vínculo laboral), as condições seriam as mesmas do sector privado? Quem teria interesse em ingressar na Função Pública? Quem é que, para além dos empurrados para a situação de desemprego, teria conveniência em desempenhar essa função? E que extravagante conceito de justiça social seria esse que a um sector específico da sociedade tudo exige e nada oferece?
Foi justamente para impedir que a Função Pública fosse vista como uma actividade menor e uma profissão sem atractivos, apenas capaz de recrutar os menos preparados, que foram encontrados mecanismos susceptíveis de proporcionar um equilíbrio minimamente aceitável entre o que era exigido e o que era oferecido. A existência de condições específicas no sector público não é um privilégio nem um luxo, é, pelo contrário, a condição necessária para que seja possível:
i) captar e manter funcionários tecnicamente competentes e empenhados;
ii) preservar esses funcionários de pressões governativas e partidárias;
iii) exigir a esses funcionários padrões de conduta exclusivamente comprometidos com o interesse público e o cumprimento da lei.
A origem das diferenças — a nível da segurança social, do vínculo laboral, do modo de progressão na carreira e das condições de reforma — entre o sector público e o sector privado reside aqui. Reside aqui e reside justa e fundamentadamente.
Falar, como agora se fala (particularmente desde Sócrates até Passos), em «aproximação» ou «convergência» entre estes dois sectores é um disparate grave e só pode significar uma de duas coisas: ou uma grosseira concepção de equidade ou a inaceitável intenção de minar a importância do Estado (diminuindo a suas funções e deteriorando a qualidade dos seus profissionais), para que se desenvolva uma maior desregulação da sociedade, que só beneficia os mais poderosos.
A suposta «aproximação» ou «convergência» entre o sector público e o sector privado é um passo essencial da estratégia de tentar fazer do Estado uma inutilidade objectiva.