sábado, 5 de janeiro de 2013

Aproximação? (1)

Julgo não me enganar se disser que foi Sócrates quem começou a desenvolver, de modo efectivo e significativo, a política de realizar aquilo que foi e é chamado de «aproximação do regime da função pública ao regime do sector privado». Pelo menos, foi com Sócrates que a concretização desse objectivo deu passos decisivos. Na altura, a direita aplaudiu, agora, no governo, dá continuidade e aprofunda essa política.
Os argumentos de Sócrates e de Passos são os mesmos e são grosseiros. Segundo eles, não há razões que justifiquem condições de trabalho e de segurança social diferentes entre os trabalhadores do Estado e os trabalhadores do sector privado. Deste modo, dizem, a natureza do vínculo laboral deve ser idêntico, a avaliação deve ser sujeita a regras da mesma natureza, as regras da aposentação também devem ser iguais e o sistema de segurança social deve ser o mesmo. No pensamento do ex-líder do PS e do actual líder do PSD, os funcionários públicos eram, e ainda são, uns privilegiados, que usufruíam/usufruem de luxos inaceitáveis.
Algumas notas sobre esta argumentação:

1. A (alegada) aproximação do regime da função pública ao regime do sector privado é, misteriosamente, feita apenas num sentido. Isto é, pretende-se que os funcionários públicos se igualem aos trabalhadores do privado somente naquilo que de pior o regime destes possui. Em sentido contrário, não se permite, por exemplo, que os funcionários públicos deixem de estar submetidos a uma tabela salarial rígida e com tectos máximos de vencimento. Todavia, no sector privado, a imposição destas limitações nos vencimentos não existe. Como não existe a imposição legal de processos rígidos de progressão na carreira. Ora, quem defende a igualização entre o sector público e o privado tinha de estar obrigado a defender essa igualização na totalidade e não apenas naquilo que configura perda de direitos dos trabalhadores do Estado. A desonestidade política é evidente: em nome de um (falso) combate a (falsos) privilégios dos funcionários públicos, pretende-se a sua proletarização e a sua descredibilização social.
Esta política — ora inspirada na crença provinciana de que o Estado deve funcionar segundo o modelo empresarial dominante, ora assente no objectivo ideológico de reduzir o sector público a uma insignificância que possibilite a invasão do capital privado na economia — tem uma consequência objectiva: a degradação acelerada da qualidade de todos os serviços públicos com a consequente degradação da qualidade de vida da maioria dos cidadãos.

(Continua)