Todos os anos o 25 de Abril visita-nos. Vai na quadragésima primeira vistoria. Nas primeiras revistas, o 25 de Abril encontrava mulheres e homens que festejavam e lutavam. Mexiam-se, reagiam, ganhavam, perdiam, faziam coisas boas, menos boas, asneiras, mas tinham iniciativa, aprendiam, desenvolviam-se em conhecimento e na melhoria das suas condições de vida. Em pouco tempo, estas mulheres e estes homens deram um salto significativo na sua qualidade de vida. De situações de miséria, muitos passaram a ter o mínimo que a decência humana exigia e exige. A saúde, a educação, a habitação deixaram de ser privilégio de alguns e tornaram-se bens acessíveis a todos.
Foi demais? Não foi demais. Foi de menos. Ficou muita coisa por fazer, muita coisa por mudar.
Este processo social incomodou alguma gente? Incomodou. Incomodou demais? Não incomodou demais, incomodou de menos. Na verdade, o incómodo causado a alguma gente foi incomensuravelmente menor que o incómodo que alguma dessa gente causou, durante décadas, a milhões de portugueses — mulheres, homens, crianças, idosos.
A partir de certa altura, a energia dos actores destas mudanças foi quebrando. A ideia de que não se podia «ir longe demais», de que as alterações não podiam ser radicais, de que os interesses estabelecidos não podiam ser todos postos em causa começou a medrar e as mudanças pararam. Pouco tempo depois, as mudanças começaram a regredir e muitas foram apagadas do mapa das conquistas. Reinstalaram-se interesses, poderes e valores das elites que tinham sido desapossadas, com o 25 de Abril de 1974.
Chegados à quadragésima primeira vistoria, vemos o quanto voltámos ao passado. O quanto foi perdido em qualidade de vida e o quanto foi perdido em vontade e energia. A cultura do «inevitável» impôs-se, a corrupção instalou-se ao nível mais elevado, a incompetência ganhou estatuto de cidadania, as desigualdades sociais e económicas multiplicaram-se, o serviço nacional de saúde deixou de responder às necessidades e o sistema educativo público começou a ser destruído.
Quarenta e uma visitas depois encontramo-nos degradados, anestesiados e crédulos, como quase sempre...