O pensamento em voga e os interesses dominantes (que andam normalmente de mão dada) tratam Jeremy Corbyn, recentemente eleito líder do Partido Trabalhista inglês, mais ou menos do seguinte modo: é uma figura da pré-história; é a versão inglesa do Syriza mais extremista; é um populista, é um radical...
Assim é vendida a imagem de Corbyn, acrescentando-se sempre que esta eleição se insere na onda de radicalismos europeus que irresponsavelmente querem afrontar o poder dominante na União Europeia. Invariavelmente também, segue-se o aviso de que isso pode ser catastrófico, se for concretizado.
No entendimento destas vozes, tudo que seja um pensamento divergente do statu quo é necessariamente apelidado de radical, extremista, perigoso. Estas vozes podem aceitar algo que seja ligeiramente diferente, mas não algo que possa trazer diferenças significativas ao sistema dominante. E, no mesmo saco, metem, sem pudor, tudo aquilo a que chamam radicalismos: dirigentes e militantes do Syriza, do Podemos, do Bloco, agora também do Partido Trabalhista que intencionalmente são misturados com nazis, com xenófobos, com fascistas, com jihadistas.
É com esta seriedade intelectual que se vão fazendo análises nas televisões, nas rádios e nos jornais. Tudo o que se apresente como uma alternativa ao actual modelo económico e social, com valores políticos e éticos diferentes, é deliberadamente classificado de extremismo e igualado a movimentos reaccionários e retrógrados. Jeremy Corbyn passou a ser um perigoso extremista que se juntou aos outros conhecidos perigosos extremistas para, conjunta ou separadamente, destruir o que eles designam de estabilidade europeia.
A desonestidade deste discurso, que de modo obsceno alastra na comunicação social, assenta num único objectivo: defender a estabilidade de quem o profere, isto é, defender os bem instalados interesses dos autores desse discurso, os seus bem instalados privilégios, o seu bem instalado poder de influência, a sua bem instalada rede de cumplicidades. Dos grandes patrões ao jornalista (que sem saber como nem porquê se transformou em comentador), passando por políticos (seniores ou aspirantes), gestores (grandes ou minúsculos) e personagens diversas foram-se constituindo diferentes níveis de interesses bem instalados que corroboram na defesa do que designam de estabilidade, quando, na realidade, se trata somente de defender a sua estabilidade. É essa estabilidade que eles não querem ver destruída. E, para a defesa dessa estabilidade, vale tudo, até vale confundir deliberadamente os nazis, os fascistas e os nacionalistas com o Podemos, com o Bloco, com o Syriza ou com os seus dissidentes, com os trabalhistas ingleses e com todos aqueles que procuram caminhos para uma sociedade mais equilibrada, onde, sim, uma outra estabilidade desapareça: a estabilidade do desemprego, a estabilidade da precariedade, a estabilidade dos cortes nos vencimentos e nas pensões, a estabilidade da perda de esperança.