segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Novamente os gregos

Autor da fotografia: António Nunes.
No próximo dia 25 de Janeiro, sabemos que há a possibilidade de ocorrer uma significativa alteração no poder político da Grécia. O Syrisa é o partido que se encontra à frente nas sondagens e é o partido que defende uma ruptura com a via da austeridade e do empobrecimento que tem dominado a Europa.
Perante esta possibilidade de democraticamente o povo grego eleger um governo que se propõe combater o statu quo, surgiram de imediato reacções ameaçadoras e desrespeitosas dirigidas aos gregos, provenientes de quase toda a gente e de quase todo o lado: de primeiros-ministros, passando por ministros e comissários europeus até aos mais insignificantes comentadores, todos se consideram no direito de, com acinte, prometerem retaliações à Grécia.
É nestas situações que a hipocrisia política cai com uma rapidez que impressiona. São justamente aqueles que a todo o tempo mais falam em democracia representativa e em liberdade de escolha que mais rapidamente atiram às malvas as regras dessa democracia representativa e o direito à liberdade de escolha, sempre que do seu exercício possam resultar escolhas que ponham em questão os interesses dominantes. É mesmo disto que se trata. Na verdade, o que está em jogo na Grécia é algo relativamente simples: ou os eleitores optam por dar o poder aos partidos que garantem a manutenção do sistema económico e financeiro vigente — o sistema que levou a Grécia e a Europa à situação actual — ou optam por delegar esse poder em partidos que se propõem combater e alterar substancialmente esse sistema.
No fundo, trata-se de optar entre manter os pilares de uma sociedade que assegura leis e regras protectoras da concentração de uma incomensurável riqueza nas elites financeira e económica, em detrimento do bem-estar do resto da população, ou alterar esses pilares, mudando leis e regras de modo a que a riqueza seja mais bem distribuída.
É verdade que a vida é complexa e que normalmente existem múltiplos factores que intervêm numa realidade, mas essa complexidade não apaga nem pode servir para se pretender apagar as coisas simples que persistem, como é o facto de existirem objectivamente, nas sociedades que valorizam mais o capital do que o trabalho, interesses opostos, e que os interesses dos que estão do lado do trabalho são aqueles que sistematicamente ficam desprotegidos. Mais do que desprotegidos, esses interesses são cruelmente pisados.
Ora, o que na Grécia surge agora como uma possibilidade — um governo politicamente não alinhado com os interesses dominantes — está a deixar assustadas as elites europeias. Até porque se a possibilidade grega se tornar realidade, é muito provável que outras possibilidades surjam e outras se reforcem, como é o caso do partido Podemos, em Espanha. A hipótese de que um movimento destes possa desenvolver-se em diferentes regiões é uma perspectiva terrível para os «donos disto tudo» nos diferentes países europeus, tal é a dimensão do que possuem e que de nenhum modo querem perder.
Lamentavelmente, os portugueses parecem pouco interessados nestas novas possibilidades que despontam.