Imagem de Vítor Nunes |
Se a memória não me engana, a aprovação dos cortes de Sócrates, por parte do TC, foi acompanhada de uma ressalva que pressupunha que esses cortes tivessem um carácter provisório e excepcional. Todavia, parece que, atendendo às explicações informais que o presidente do TC tem por hábito dar no final da leitura pública das decisões que o tribunal toma, a situação agora já não é precisamente essa. Na realidade, a justificação avançada para o chumbo dos últimos cortes decretados pelo actual governo foi, segundo deu a entender o presidente do TC, apenas a circunstância de eles serem mais gravosos do que os decretados pelo governo anterior — quer no aumento das percentagens de redução salarial, quer na diminuição do número de funcionários isentos da mesma. A razão do chumbo terá sido, pois, o agravamento dos cortes e não o facto de os cortes se perpetuarem. Se for este o ponto de vista dominante dentro do TC (dando assim sinais de cedência às pressões do governo), estamos perante uma situação verdadeiramente esdrúxula, isto é: o carácter provisório e excepcional dos cortes já não é constitucionalmente exigido, o que constitucionalnente passou a ser exigido é que os cortes não sejam maiores e mais abrangentes do que os cortes do governo anterior. E foi precisamente isto que o governo acabou de pôr em marcha.
Perante esta situação, os funcionários públicos têm razões para se sentirem confortados. Na verdade, deixam de estar sujeitos a uma medida de direita e inconstitucional para passarem a estar sujeitos a uma medida de esquerda e constitucional. Não se cansando Sócrates de se autoclassificar como um homem de esquerda, não se inibindo o PS de se auto-afirmar como um partido de esquerda, distinto do PSD e do CDS, teremos de entender que os cortes nos salários operados pelo ex-primeiro-ministro socialista foram uma medida de esquerda, acrescida do facto de ter sido considerada constitucional.
É, pois, um alívio para os funcionários públicos que vão continuar a ver os seus salários reduzidos: de uma só vez, vêem-se livres de cortes salariais de direita e inconstitucionais e passam a ter cortes salariais de esquerda e constitucionais. Os funcionários públicos sentirão certamente o privilégio de poderem ser apontados como um exemplo de quem conhece a diferença clara entre ser governado por partidos de direita e ser governado pelo PS, que, segundo o próprio faz constar, é de esquerda.