segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Pensamento


«Que haveis vós feito para terdes tantos bens? Haveis tido o trabalho de nascer, nada mais.»
Pierre Beaumarchais
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.


segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Boas festas?

Imagem publicada na internet sem identificação do autor.
Estamos com três anos e meio de governo PSD-CDS, temos o sistema financeiro esfrangalhado, a economia anémica, um empobrecimento brutal, o desemprego nos dois dígitos, uma emigração que não pára, a justiça no fio da navalha, a educação ligada à máquina, a corrupção generalizada e um ex-primeiro-ministro preso. São alguns tópicos do retrato do Portugal que somos.
Estamos a chegar ao fim deste ano e o novo ano que se aproxima vem carregado de mais do mesmo: a mesma política com o mesmo primeiro-ministro, precisamente aquele que chegou ao poder por via da mentira e que vai partir deixando para trás um país exaurido, cabisbaixo, sem projecto e sem acreditar em coisa alguma. Depois de seis anos com um primeiro-ministro patologicamente arrogante, egocêntrico e incompetente, agora acusado de crimes graves, e de mais quatro anos de um primeiro-ministro sem rasgo, politicamente limitado, tecnicamente impreparado e culturalmente cinzento, o resultado tinha de ser o desastre que estamos a suportar.
Foi uma década perdida. Mais do que perdida, foi uma década de retrocesso. Estamos pior do que estávamos há dez anos. Pior, no que diz respeito à realidade, e pior, no que diz respeito à esperança. O PS não é capaz de assumir os graves erros de governação que cometeu e parece estar, neste momento, num inacreditável processo de recuperação de figuras e de políticas que conduziram à derrocada das finanças, da economia, da educação, da justiça; que conduziram à repugnante promiscuidade entre política e negócios; que conduziram ao desprezo pela ética política e à disseminação da corrupção. O PS continua a ser um partido prisioneiro dos mesmos interesses e das mesmas clientelas que dominam o PSD e o CDS. Não é, por isso, expectável nenhuma mudança significativa nas políticas levadas a cabo por estes socialistas. 
Aos portugueses sobra a alternativa de contarem apenas consigo próprios, mas isso é coisa que os portugueses ainda não estão disponíveis para fazer.
Boas festas? Sim, alguns tê-las-ão. Certamente que os milionários, que nos últimos três anos cresceram em número e em riqueza, terão umas festas boas. A maioria, tenho dúvidas de que as possa ter.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Acerca da obsessão pelos «rankings»

Imagem de Gil Coelho
Dever-se-ia proceder a um estudo rigoroso sobre a obsessão que certas pessoas manifestam pelos rankings. Na verdade, há um mistério que envolve os rankings
A observação mostra que aqueles que, de facto, são bons naquilo que fazem não sentem necessidade de rankings. Quem é bom naquilo que faz terá até alguma dificuldade em compreender não apenas a obsessão que alguns revelam por listagens como não compreenderá que haja quem ainda acredite que uma seriação traduza as qualidades de uma realidade. Quem é bom naquilo que faz (tirando algumas excepções) está concentrado naquilo que faz, não desperdiça tempo a contemplar inventários. Não são, pois, os bons que reclamam os rankings.
Por outro lado, sabemos há muito que, do ponto de vista objectivo, a figura de «o melhor» disto, de «o melhor» daquilo, de «o melhor» de todos é uma figura de ficção. Acerca de realidades complexas, qualitativas e com múltiplos intervenientes, a figura de «o melhor» é pouco mais do que uma alicantina. Faz parte do universo das narrativas que adormecem crianças, faz parte do universo dos romances light, dos filmes de acção, das revistas cor-de-rosa e de pouco mais. Em rigor, a figura de «o melhor», em realidades complexas, não existe. Só os resultados quantitativos são susceptíveis de serem enfileirados, mas isso normalmente só nos dá informação acerca do «mais» isto e do «menos» aquilo, nada diz de qualitativo acerca de «o melhor».
Não existindo a figura de «o melhor», isto significa dizer que a maior parte dos rankings que à nossa volta pululam e que enchem páginas de jornais e abrem noticiários são um engano. Enganam sempre que afirmam, em termos absolutos, que «o melhor» é este ou aquele, seja indivíduo ou instituição. Enganam sempre que afirmam, mesmo que o façam em termos relativos (o que raramente acontece), que «o melhor» é este ou aquele, pois não relevam devidamente os parâmetros segundo os quais classificaram e não justificam a escolha desses parâmetros e a ponderação que decidiram atribuir-lhes. Enganam, de facto, porque a mensagem que passam é a de que foi encontrado «o melhor» ou «a melhor», e não foi.
Por isso, os rankings que procuram determinar «o melhor» hospital, «a melhor» escola, «o melhor museu», «o melhor» escritor, «o melhor músico» ou «a melhor» música são, na verdade, conjuntos vazios. A avaliação objectiva de «o melhor» não é possível.
Sabe-se isto há muito, mas continua a fazer-se de conta que não se sabe, e a «indústria» dos rankings prospera. Prospera indecorosamente, mas prospera. É um fenómeno semelhante à prosperidade que os reality shows televisivos evidenciam. E parecem existir causas comuns a esta prosperidade comum.
Supostamente, rankings reality shows põem a nu o que estava escondido, isto é, põem a nu o que, supostamente, de outro modo não poderia ser visto. Por conseguinte, os rankings e os reality shows supostamente descobrem o que estava encoberto, e ambos fazem-no do mesmo modo, fazem-no de um modo simples e linear, que é o modo que suscita imediatas adesões: nos rankings, basta ler de cima para baixo e, supostamente, a «realidade» que o ranking mostra fica logo à vista; nos reality shows, basta olhar para o écran do televisor e, supostamente, a «realidade» revela-se logo, em toda a sua crueza. Ambos, rankings reality shows, dão-nos, portanto, formas rápidas de ver «a realidade» — não exigem análise, não solicitam reflexão e dão-nos a ilusão de objectividade: «a verdade» está ali à nossa frente, só a temos de contemplar.
Há muito que se sabe o quanto a mediocridade tem apetência por estas formas de «ver» a realidade: formas passivas, instantâneas, fáceis e ilusórias. Há muito que se sabe que a mediocridade gosta e precisa de ler assim o mundo. O problema não está na mediocridade ter essa necessidade, o problema está em querer impingir-nos essa necessidade e em querer-nos impingir essa forma medíocre de ver a realidade como sendo a forma certa de ver a realidade.
Isto até um tipo mediano como eu consegue ver.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Poemas



É ruim mentir, ruim na corte falar verdade.
Um leão, para mostrar a sua humildade,
Mandou que o criticassem. Disse-lhe a raposa: você é culpado
Porque é generoso e bom demais no seu reinado.
A ovelha, quando viu que as críticas o leão adora,
Disse-lhe: «cruel, guloso, tirano.» — E morreu na hora.


Ignacy Krasicki
(Trad.: Henry Siewierski)