domingo, 30 de novembro de 2014

O preso preventivo José Sócrates

Imagem publicada na internet sem identificação do autor
O preso preventivo José Sócrates foi secretário de Estado adjunto do ministro do Ambiente (durante dois anos), foi ministro adjunto do primeiro-ministro (durante dois anos), foi ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território (durante três anos) e foi primeiro-ministro de Portugal (durante seis anos). Cumulativamente, foi secretário-geral do PS (durante sete anos).
O actual preso preventivo José Sócrates ocupou, por conseguinte, cargos de grande poder e de enorme responsabilidade, desde 1995 até 2011. No total, foram dezasseis anos em que o actual preso preventivo José Sócrates foi um protagonista político e, nessa qualidade, governou e/ou representou o país. 
Há seis dias, foram imputados ao actual preso preventivo José Sócrates os crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção. São crimes muito graves para qualquer cidadão, mas são-no ainda mais para quem foi secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro.
Se a imputação destes crimes não vier a ser confirmada em tribunal, a Justiça portuguesa verá a sua actual pouca credibilidade reduzida a zero. Mais do que ridicularizada, ficará destituída de autoridade e dará um contributo decisivo para afundar ainda mais o país.
Se a imputação destes crimes vier a ser provada em tribunal, significará que o actual preso preventivo José Sócrates, ao mesmo tempo que, enquanto primeiro-ministro, reduzia as pensões e as reformas, aumentava criminosamente a sua riqueza pessoal; ao mesmo tempo que baixava os salários dos funcionários públicos e retirava subsídios a quem deles precisava fazia crescer criminosamente os seus rendimentos; ao mesmo tempo que, com uma arrogância patológica, pregava a moralidade social e acusava tudo e todos de falta de ética política entretinha-se com actos de corrupção, de modo a garantir a si próprio uma vida de luxo e fausto.
O actual preso preventivo José Sócrates coleccionou, nos últimos anos, um impressionante rol de suspeições: caso «Assinatura de projectos de casas na Guarda»; caso «Licenciatura»; caso «Cova da Beira»; caso «Apartamentos na Braamcamp»; caso «Freeport»; caso «Face Oculta»; caso «TVI»; caso «Taguspark»; e, para além disto, foi o responsável objectivo pela bancarrota a que o país chegou, em 2011.
Se os crimes que agora lhe são imputados vierem a ser provados em tribunal, não só a prisão preventiva passará a justa prisão efectiva, como o preso José Sócrates passará a ser não só o político que, depois da queda da ditadura, mais mal fez ao nosso país, como será o político mais repugnante da história desta República.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Elites que fedem

Imagem de António Gralheira
As nossas elites fedem. Putrefactas, exalam um odor nauseabundo e derramam pus em tudo o que tocam. Somos o país medíocre que somos porque temos as elites que temos e pela conivência do sistema que as promove e das gentes que as toleram.
Nauseia olhar para os protagonistas que sem nenhum pudor destroem o país, ao mesmo tempo que se lambuzam com milhões de euros que furtam a tudo e a todos e que sem remorso depositam nas suas contas pessoais.
Roubo, corrupção, compadrio e incompetência são partes do manto que envolve as figuras públicas (e não públicas) responsáveis pelo estado cadaveroso em que nos encontramos.
À absolutamente incompetente governação política de PSD, CDS e PS, que há décadas nos dirige, junta-se uma inimaginável panóplia de actos criminosos que banqueiros, gestores, autarcas e agora altos responsáveis da administração pública garbosamente e impunemente vêm praticando.
O prândio parece não ter fim e os comensais das diferentes elites não se mostram tímidos e servem-se abundantemente.
Repugna olhar para o estado de apodrecimento político, cívico e ético em que nos encontramos. Contudo, vemos a doença a alastrar e nada fazemos.
Só um país muito doente elege a incultura e a arrogância para a sua presidência. Só um país muito doente condecora quem foge das responsabilidades governamentais. Só um país muito doente aceita que os responsáveis políticos por uma bancarrota comentem, conferenciem e solenemente opinem sobre tudo e sobre todos. Só um país muito doente admite que a mentira consecutiva se instale na chefia de um governo. Só um país muito doente tolera pagar a destruição de cinco bancos — BPN, BPP, BCP, BANIF, BES — ou permite o afundamento de empresas como a PT.
Estamos doentes e gostamos de estar doentes. Gostamos do estado de lamúria e de queixume a que nos entregamos. Vamos permitindo que o sistema se perpetue. Não temos brio. Nem sequer afoiteza temos para o mínimo, que é acabar com o ciclo infernal de governos PS e PSD/CDS. Vamos fazendo de conta que acreditamos que a rotatividade de caras altera políticas. Vamos fazendo de conta que acreditamos que uma Justiça lenta, burocrática e inquinada por leis ardilosas e ineptas pode resolver-nos o problema. Vamos fazendo de conta que não temos nada com o assunto e que a culpa é do destino.
Entretanto, as elites fedem. Roubam, corrompem, destroem.

domingo, 9 de novembro de 2014

Merkel, a educação e Portugal

Imagem de Gil Coelho
Do ponto de vista da substância, é irrelevante o que Angela Merkel diz sobre a educação em Portugal. Merkel é absolutamente ignorante sobre a educação portuguesa e não é, nem nunca foi, em lado algum, uma referência sobre assuntos educativos. Deste ponto de vista, o que Merkel diga ou não diga tem um valor estéril.
Todavia, de outros pontos de vista, o que Angela Merkel disse acerca do número de licenciados em Portugal já não é irrelevante. 

Do ponto de vista conceptual, é relevante, ainda que não constitua surpresa, que a chanceler alemã defenda uma estratificação planificada das vocações dos jovens de cada país. Segundo ela (e muitos outros), uma percentagem pré-determinada e minoritária dos jovens deve ter acesso a uma formação superior, e a restante percentagem, maioritária, deve ficar com uma formação média, cuja designação eufemística é a de curso profissionalizante ou vocacional. A este propósito, é curioso assinalar a facilidade com que encontramos, nas ideologias auto-classificadas de personalistas e que afirmam a defesa intransigente do indivíduo e da sua liberdade de escolha, buracos negros nesse mesmo personalismo e na consequente defesa da liberdade individual, sempre que esteja em causa a manutenção dos interesses instalados no modelo social dominante. Na verdade, pretender condicionar o desenvolvimento das vocações dos jovens, em função de percentagens que o modelo social existente necessita para se perpetuar, é atraiçoar grosseiramente os ditos valores personalistas, de que políticos como Merkel se reclamam representantes.
É igualmente curiosa a designação (já antiga) de cursos profissionalizantes ou de cursos vocacionais (mais recente) para designar os cursos que muito cedo se focalizam em exclusivo no desenvolvimento de competências técnicas, e que, em regra, descuram por completo a formação humanista. Na realidade,  a designação é eufemística, pois pretende amenizar a verdadeira desvalorização formativa e social que estes cursos comportam: a nível formativo, amputam a educação dos jovens, retirando-lhes o acesso a uma componente fundamental da educação, a componente ministrada pelos saberes humanistas; a nível social, «vocacionam» os jovens para assumirem exclusivamente funções de execução técnica, cuja orientação e controlo é realizada pelos que têm acesso à formação de nível superior. Mas, além de eufemística, esta designação é deliberadamente enganadora — como se qualquer curso superior não fosse também ele um curso vocacional e profissionalizante, curso que justamente possibilita a realização da vocação de quem o escolheu e que capacita para o exercício de uma profissão.
Última curiosidade: é precisamente junto daqueles que dizem chamar a si a intransigente defesa dos elevados valores humanistas que encontramos o mais ostensivo abandono desses valores, feito em nome da capacitação profissional, ou, se se preferir, da capacitação vocacional. Segundo este modo de ver as coisas, a assimilação dos elevados valores humanistas deve ficar restrita à elite que, vá-se lá saber como, faz deles tábua rasa quando reserva para si própria a exclusividade do acesso a esse mesmos valores e o acesso à direcção da sociedade.

Analisada agora do ponto de vista político, a afirmação da chanceler é igualmente relevante. É relevante que a alemã Angela Merkel se considere possuída do direito de opinar publica e depreciativamente sobre a política educativa de um outro país soberano, independentemente de ser falso (e o que ela afirmou é grosseiramente falso) ou verdadeiro aquilo que diga. Para além da evidente falta de sentido de Estado e de respeito institucional a que deveria sentir-se obrigada, Merkel vai consolidando a  estratégia político-ideológica que afirma o poder alemão como o verdadeiro poder da Europa. O poder que põe, dispõe, define e manda.
Esta é a estratégia do poder político alemão desde há alguns anos, e que um político como Passos Coelho, pela posição de impressionante subserviência que sempre manifestou, ajuda a consolidar. Aqueles que, como Passos Coelho, abdicaram de representar quem os elegeu e abdicaram de representar a soberania, a nação e a história de que emanam serão objectivamente co-responsáveis pelas graves consequências de eventuais desmandos germânicos que novamente venham a colocar a Europa no centro de um conflito bélico. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Engalanados

Imagem de António Gralheira
Cavaco Silva condecora Durão Barroso, por razões que a razão desconhece. No acto solene nenhum partido da oposição se faz representar. Durante a cerimónia, os elogios são múltiplos e recíprocos.
Ascenso Simões, ex-secretário de Estado de um governo de José Sócrates mostra-se queixoso, com razões que a razão também desconhece, por Cavaco Silva ainda não ter condecorado aquele ex-primeiro-ministro. Santos Silva, ex-ministro daquele ex-primeiro-ministro insurge-se contra a possibilidade dessa condecoração ser dada por Cavaco Silva, considerando que isso [ainda?] sujaria [mais?] o currículo do seu ex-chefe de governo. Manuel Alegre discorda de Santos Silva e concorda com Ascenso Simões, exigindo que Cavaco Silva condecore José Sócrates. Nos bastidores daquilo a que erradamente se chama política, insinua-se que, se Cavaco Silva decidisse condecorar José Sócrates, este recusaria.
Portugal olha-se ao espelho e vê-se representado deste modo: no meio de uma gravíssima crise económica, social e financeira a nossa elite atribui-se medalhas, discute medalhas e luta por medalhas.

Não temos modo de aprender: continuamos mestres no mexerico, no entretenimento fútil, na arte da aparência, na inutilidade, enquanto o desemprego ronda os 14%, os jovens não conseguem o primeiro trabalho, os salários continuam miseráveis, a educação degrada-se, a saúde deteriora-se, a justiça anedotiza-se e o futuro é tétrico.
Mas tudo é normal, desde que as televisões medíocres prossigam na transmissão de programas medíocres, as revistas nauseabundas divulguem alcovitices nauseabundas, o facebook não imploda, o smartphone não avarie e as futeboladas não acabem. Aceitamos a pobreza material e de espírito como duas inevitabilidades geradas por uma misteriosa genética. Aceitamos a incompetência com uma misteriosa indiferença. Aceitamos a corrupção com uma misteriosa complacência. Aceitamos tudo o que nos façam com um impressionante marasmo. Não parecemos gente de carne, osso e sangue, parecemos uma massa mole.
Medalhados, condecorados e engalanados assim vamos tudo aceitando.