segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Nacos

«Com o carro fechado no armazém a servir de garagem, aplicou-se a aprender a conduzir sob a orientação do nho Isidoro, instrutor experimentado mas rigoroso e com alguns nomes menos simpáticos na ponta da língua para castigar os azelhas. Mas enquanto foi só seguir estrada em linha recta tudo correu bem e não houve razões de queixa de parte a parte. Nas manobras é que começaram a surgir dificuldades porque o Sr. Napumoceno não se entendia com a marcha a ré e num dia em que entortou o carro demasiadamente, nho Isidoro, que estava no meio da estrada e comandava de longe a instrução, gritou-lhe que endireitasse aquela merda. Mas aí o Sr. Napumoceno estacou o pé no travão com tal violência que o carro foi abaixo, nho Isidoro sem perceber continuava gritando não é lá, homem de Deus!, mas o Sr. Napumoceno já estava fora do carro, de rosto fechado, estou em cima do meu dinheiro e não admito desaforos e más-criações de ninguém. Eu sei que você tem fama de boca suja, mas ou pede desculpas imediatamente ou aqui mesmo dou o nosso contrato por revogado e vou para minha casa a pé. Estavam lá pelos lados de Ribeira Julião, mas mesmo assim nho Isidoro viu-se e desejou-se para convencer o Sr. Napumoceno que não tivera intenção de ofender, fora apenas uma maneira de falar, e só após um formal eu peço que me desculpe a linguagem grosseira! é que o Sr. Napumoceno acedeu a entrar de novo para a viatura. Acabou assim por nunca chegar a aprender a fazer marcha atrás, manobra que ele declarava perigosíssima, tão perigosíssima que o próprio Código de Estradas a proíbe em distância superior a 5 metros! E por isso a garagem da sua casa era um grande corredor com uma saída de cada lado e nunca estacionava onde tivesse que cometer aquela infracção ao Código.»
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, Editorial Caminho.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Lembrete

Este vídeo serve para recordar a obscena falta de credibilidade do protagonista, que, desgraçadamente para todos nós, é comum a vários outros protagonistas que governam e têm governado o país.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Trechos — Joseph Stiglitz (5)

«Os políticos fazem discursos sobre o que está a acontecer aos nossos valores e à nossa sociedade, mas depois nomeiam para altos cargos públicos os diretores-executivos e outros representantes do mundo empresarial que estavam ao leme do setor financeiro enquanto este se desmoronava. Não devíamos esperar que os arquitetos de um sistema que não funcionava fossem reconstruir o sistema de modo a funcionar, e, sobretudo, funcionar para a maioria dos cidadãos, coisa que não aconteceu.
As falhas na política e na economia estão relacionadas, e reforçam-se uma à outra. Um sistema político que amplifica a voz dos mais ricos dá azo a que leis e regulamentações — e a gestão das mesmas — sejam desenhadas de maneira que não só falham em proteger os cidadãos comuns contra os ricos, como também enriquecem ainda mais os ricos a expensas do resto da sociedade.
Isto leva-me a uma das teses centrais deste livro: embora possa haver forças económicas subjacentes em jogo, a política moldou o mercado, e moldou-o de modo a dar vantagem aos do topo em prejuízo do resto da sociedade.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

«Gente competitiva»

Vivemos tempos de chumbo marcados por uma gangrena conceptual. 
As nossa «elites» têm um mundo gangrenado na cabeça e querem impô-lo à sociedade. O mundo que elas trazem na cabeça é um mundo rude e grotesco, que atraiçoa a evolução e a história da humanidade, porque reduz o sentido da vida humana a duas coisas: dinheiro e competitividade. Para as nossas «elites» a vida reduz-se e deve reduzir-se a isto: viver segundo as regras que o poder do dinheiro estipula e viver obcecado por ser competitivo, que é precisamente o principal alimento do obsceno poder do dinheiro.
Do discurso pronunciado pelas «elites» nada mais do que isto se ouve e nada mais do que isto se lê — é  uma pobreza medonha.
Até nos mais inesperados sectores da sociedade esta gangrena conceptual se instalou. Há dias, pudemos ouvir num programa televisivo um (ex?)cientista português, António Coutinho, repetir incessantemente a expressão «tem de ser gente competitiva», quando se referia aos investigadores/cientistas. Independentemente do assunto específico da investigação científica de que estivesse a falar, o elemento comum no discurso de Coutinho era sintetizado na designação «gente competitiva»: o que nós precisamos é de «gente competitiva», de «projectos competitivos», de «equipas competitivas», de «trabalho competitivo». Na cabeça de Coutinho fazer ciência tornou-se uma actividade idêntica à de fazer sapatos ou à de vender sabonetes ou à de correr os cem metros. Fazer ciência transformou-se numa competição e os cientistas transformaram-se em vendedores ou corredores, em que o melhor é quem vende mais ou quem corre mais. O conhecimento enquanto valor em si mesmo não existe e se existir não interessa. Por isso, Coutinho deu como exemplo a investigação brasileira que tem publicado muito, mas, como ninguém a lê, não interessa, não é competitiva.
Miguel Seabra, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) repete o mesmo discurso numa entrevista ao jornal Público«queremos que os [cientistas] portugueses sejam mais competitivos. Quanto melhor e mais competitivo for o nosso sistema, mais facilmente podemos ir a um quadro competitivo, que está desenhado para ser ainda mais competitivo.» Devemos, portanto, ser competitivos para conseguirmos ser mais competitivos de modo a entrarmos num quadro competitivo que ele próprio ainda será mais competitivo...
A cabeça de Seabra é igual à cabeça de Coutinho, que é igual à cabeça de Relvas (que também enchia o discurso com a palavra competitividade) e à de Passos e às da «elite» dominante. Todos eles descobriram o seu arquétipo de vida: ser competitivo.
Para estas cabeças, o mundo e a vida reduzem-se a duas palavras e explicam-se em duas palavras: competitividade e dinheiro. Para ter este é preciso ser aquele e depois de ter este tem de continuar a ser aquele para não perder este. A vida resume-se a este círculo néscio. Mas para além de néscio este círculo está viciado. Na realidade, não havendo igualdade de oportunidades, aumentando as desigualdades, como escandalosamente está a acontecer, a competitividade é uma mentira e os «competitivos» são aqueles que já tinham a corrida ganha antes dela começar.
Conclusão: a uma concepção grotesca da vida junta-se uma narrativa mentirosa.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Pensamentos

«Não se pode saltar sobre um abismo com dois pulos pequenos»
David Lloyde George   
«Tudo é ousado para quem nada se atreve»
Fernando Pessoa
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (16)

«A confusão, a proximidade e mesmo a promiscuidade entre interesses privados e o bem público é a regra vigente na política em Portugal. Esta é habitada por pessoas que vivem nos dois mundos de forma despudorada e confundindo finalidades.
O maior antro deste tráfico de influências é a Assembleia da República. São várias dezenas, os deputados que, de forma aparente, potencial ou real, estão em situação de conflito de interesses. As ligações empresariais dos deputados fazem-se sentir em múltiplos sectores, e principalmente naqueles em que a promiscuidade com o Estado é mais rentável, das obras públicas ao ambiente, das finanças à saúde. Há dezenas de deputados que acumulam a função parlamentar com a de administrador, director ou consultor de empresas que desenvolvem grandes negócios com o Estado.
Os parlamentares membros de grandes escritórios de advogados são a face mais visível desta realidade. De cada vez que um deputado/advogado debate, prepara e elabora uma qualquer legislação, vacila entre a lealdade ao povo que o elege e a fidelidade às empresas que lhe pagam.
Esta duplicidade de papéis é perceptível em cada recanto da Assembleia da República. No tempo do governo de José Sócrates, quando reunia a comissão parlamentar de obras públicas que decidiu e supervisionou legislação relativa a parcerias público-privadas rodoviárias, mais parecia estar reunida uma associação empresarial do sector. Quase metade dos seus membros estava directamente ligada ao meio. Afinal que interesses ali se defendiam? Os deputados/empresários representavam o povo, os cidadãos que os elegeram, junto do sector, ou o sector empresarial das obras públicas junto do Estado?»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O fim do «Ad Duo»

O blogue Ad Duo encerrou. 
Desde que iniciou a sua actividade, o Ad Duo prestou um extraordinário serviço público, no domínio da Educação — um serviço inestimável. Normalmente diz-se que não há insubstituíveis, tenho sérias dúvidas sobre a verdade dessa afirmação, mas mesmo admitindo que há sempre um substituto para tudo, neste caso, vai ser difícil encontrá-lo. 
Evito utilizar a palavra «mérito» desde que a ex-ministra Rodrigues e os que se seguiram lhe conspurcaram o significado, o denegriram e fizeram dessa palavra um objecto de mercantilismo profissional e de pornografia política, desde essa altura que evito utilizar o termo, mas agora vou recuperá-lo e utilizá-lo despoluído das obscenas aderências que lhe colocaram (mérito/competitividade, mérito/concorrência, mérito/premiação, mérito/quadro de honra, mérito/folclore expositivo), isto é, vou utilizar o termo «mérito» enquanto simples resultante do cumprimento empenhado do que cada consciência determina como dever, sem visar nem necessitar de prémios, nem de competitividade, nem de concorrência, nem de (vãs) glórias públicas para ser alcançado.
Neste sentido nobre do termo, o Ad Duo teve Mérito, porque realizou um trabalho de elevada qualidade exclusivamente determinado pelo sentido do dever de cada um dos seus autores.
Pela minha parte, deixo-lhes o meu público agradecimento.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Nem competência nem decência

1. De um momento para o outro, passámos da iminência de um segundo resgate para a certeza de que em Maio a chamada Tróica vai embora. De repente, a escuridão transformou-se em claridade, mas ninguém consegue discernir a causa da repentina alteração.
Na verdade, até há poucos dias, o alarme era total e as ameaças que punham em perigo o chamado «sucesso» do programa de «assistência» assinado por Sócrates, PSD e CDS eram mais do que muitas, e à cabeça de todas as ameaças estavam os eventuais «chumbos» do Tribunal Constitucional. Segundo o discurso mil vezes repetido das nossas «elites», tudo dependeria das decisões deste tribunal. Ora o Tribunal Constitucional já enviou para trás a chamada «convergência» das reformas entre o sistema público e o sistema privado e ainda não foi chamado a pronunciar-se sobre o corte nos vencimentos dos funcionários públicos. Das duas principais medidas consideradas pelo governo como irreprováveis, uma já ficou pelo caminho e a outra ainda não sabemos o que lhe acontecerá. Pergunta-se, por conseguinte: com que fundamento se operou tão lesta e radical ruptura com o discurso da desgraça e do risco do segundo resgate?
O que se passa é que o pano da grotesca encenação desabou, ainda que os seus autores e actores se mantenham imperturbáveis, quer na fácies quer na palavra, pois a política do engano está no ADN destes protagonistas. O pudor, a responsabilidade e a seriedade não são, infelizmente, qualidades conhecidas dos actuais responsáveis políticos. Na sua linguagem e nos seus actos, tudo vale.

2. As garrafas de espumante e o fogo de artifício já foram encomendados. A «festa» está a ser devidamente preparada para o dia 17 de Maio, dia da suposta «partida» da Tróica. Nesse dia não haverá lugar nem para o decoro político nem para o decoro ético. Com uma desfaçatez pornográfica Passos Coelho e Paulo Portas irão celebrar o «fim» do dito «protectorado» e o sucesso do «programa». O caudal do auto-elogio será incontrolável e o do cinismo também.
Nesse dia, muitos portugueses ouvirão, incrédulos, esses discursos. E entre eles estarão as crianças e os jovens que passaram a comer nas cantinas escolares a sua única refeição diária; estarão os milhares de desempregados oficiais mais os milhares de desempregados oficiosos; estarão os pensionistas, vítimas de extorsão violenta e continuada; estarão os funcionários públicos, vítimas de usurpação recorrente; estarão os trabalhadores que viram os seus salários diminuir e as horas de trabalho aumentar; estarão os que procuram o primeiro emprego há anos; estarão os que tiveram de emigrar para sobreviver; e estarão todos os que foram despojados dos seus bens e passaram a conhecer o que é a fome e a miséria.
Cinicamente, Coelho e Portas também tecerão elogios aos portugueses, precisamente as vítimas do seu massacre ideológico.

3. Há dias, Pires de Lima, ministro da Economia deste governo, disse que Paulo Portas seria um bom candidato a Presidente da República. Depois de termos tido Santana Lopes como primeiro-ministro,  falta, de facto, termos Portas como primeira figura da República. Para Pires de Lima, o modelar seria certamente termos ambos, em simultâneo.

Quando olhamos para a política que nos domina, lamentavelmente não vemos nem réstia de competência nem réstia de decência.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Comunicado da Associação Nacional de Professores Contratados

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Por solicitação da ANVPC, divulgo o seguinte comunicado:


Comunicado – 12. 01. 2014 
             Envio de novos dados à Comissão Europeia  
– Intimação da CE a Portugal 
 A ANVPC – Associação Nacional dos Professores Contratados, remeteu hoje, ao departamento da Comissão Europeia responsável pelo envio ao Estado Português do parecer fundamentado relativo a medidas eficazes insuficientes por parte de Portugal para combater as sucessões abusivas de contratos a termo (21 de novembro de 2013), novos, e importantes, elementos para análise.  
Com o envio deste novo pacote de informações e observações relevantes adicionais, a ANVPC pretende dotar este organismo internacional de todos os documentos, e dados precisos, no sentido de que a CE entenda factualmente todos os pormenores associados a este problema, e compreenda, paralelamente, que nos últimos dois anos a situação de precariedade docente não tem vindo a ser efetivamente combatida, mas sim agudizada, por parte do governo em funções. 
Esta associação remeteu ainda alguns dos princípios básicos que considera que deverão ser cumpridos pelo Estado Português no momento de criação de um concurso nacional externo de professores que dê cumprimento à aplicação da Diretiva 1999/70/CE.  
A poucos dias do fim do prazo concedido por Bruxelas, ao nosso país, para a resolução da precariedade laboral docente, e com o esforço recente de vários grupos parlamentares na apresentação de soluções que coloquem um fim a este problema, a ANVPC acredita que Portugal apresentará, atempadamente, uma solução. 
Essa solução passará por vincular os docentes contratados (conforme prevê a legislação internacional), fomentando o investimento na Educação Pública. Vejamos que nenhum cidadão nacional compreenderia que um governo optasse por perder esta oportunidade de resolução deste problema, e pelo incumprimento legal sujeitasse o nosso país a uma pesada multa, a liquidar, uma vez mais, junto de uma entidade externa, não promovendo a utilização dessa quantia no reforço de uma das mais importantes, e estruturantes, áreas sociais e de crescimento de um país - a Educação.  
A direção da ANVPC

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Trechos — Joseph Stiglitz (4)

«O sistema político parece fracassar tanto quanto o sistema económico. Dado o alto nível de desemprego entre os jovens em todos o mundo — quase 45% em Espanha e 18% nos Estados Unidos —, foi talvez mais surpreendente que os movimentos de protesto tenham demorado tanto tempo a começar e não que tenham de facto começado. Os desempregados, incluindo os jovens que estudaram muito e fizeram tudo o que era suposto fazerem ("cumpriram as regras do jogo", como alguns políticos costumam dizer), enfrentavam uma escolha difícil: continuarem desempregados ou aceitarem um emprego muito abaixo das suas qualificações. Em muitos casos, nem sequer tinham escolha: simplesmente não havia trabalho, e não havia há anos.
Uma das interpretações para o longo prazo na chegada dos protestos em massa foi a de que, como consequência da crise, havia esperança na democracia, fé de que o sistema político funcionaria e de que responsabilizaria os que provocaram a crise, consertando a tempo o sistema económico. Todavia, alguns anos depois de a bolha rebentar, ficou claro que o sistema político falhara, tal como falhara em prevenir a crise, em verificar a crescente desigualdade, em proteger os mais pobres, em prevenir os abusos dos poderes económicos. [...]
O que os manifestantes querem saber é se esta democracia é uma democracia verdadeira. A verdadeira democracia é mais do que o direito ao voto a cada dois ou quatro anos. As escolhas dos cidadãos devem ter significância. Os políticos têm de ouvir as vozes dos eleitores. Mas parece que, cada vez mais [...] o sistema político é mais adepto do "um dólar [/um euro], um voto" do que do "uma pessoa, um voto". Em vez de corrigir as falhas do mercado, o sistema político reforça-as.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Comunicado da ANVPC


Por solicitação da ANVPC (Associação Nacional dos Professores Contratados), divulgo o seguinte comunicado:




15 Dias …

É o tempo que falta para expirar o prazo que a Comissão Europeia concedeu ao Governo Português para comunicar as medidas tomadas para rever as condições de trabalho dos professores a contrato a termo, sob pena de remeter o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

O Parecer Fundamentado da Comissão Europeia enviado a Portugal em 20 de novembro de 2013 reporta-se à violação da Diretiva 1999/70/CE de 28 de junho que estabelece um acordo relativo a contratos de trabalho a termo, tendo estabelecidos princípios de não discriminação (artigo 4º) e disposições para evitar os abusos (artigo 5º).

Os Professores contratados desenvolvem, ano após ano, as mesmas atividades e têm os mesmos deveres e responsabilidades que os Professores do quadro com igual tempo de serviço, pelo que não é admissível que se perpetue a grave discriminação negativa entre profissionais que coabitam no dia-a-dia no espaço-escola, nomeadamente na remuneração, na progressão na carreira, na periodicidade de avaliação e na sua generalidade num maior número de horas de componente letiva.

Recordamos que as medidas a apresentar para solucionar cabalmente esta situação deverão ter em consideração, para além da legislação comunitária, a Resolução da Assembleia da Republica 35/2010 de 4 de maio, que determinou a obrigação do governo em “…integrar na carreira docente os professores profissionalizados contratados, em funções de docência há mais de 10 anos letivos, com a duração mínima de 6 meses por ano letivo, para efeitos de e integração e progressão na mesma. “ e o parecer do Provedor de Justiça de 8 de junho que refere, “… em face da análise de cada caso concreto, a conversão por via judicial, possa surgir como a medida que se impõe para atalhar à objetiva evidência de ineficácia do regime que permite a manutenção de docentes em situação precária durante 10, 15, 20 anos.”

A ANVPC - Associação Nacional dos Professores Contratados, no seguimento da sua linha de orientação, caraterizada pela postura construtiva na procura de soluções que promovam a resolução da precariedade docente, tem solicitado repetidamente o agendamento de reuniões de trabalho com o MEC. Assumindo, de forma consciente, a sua responsabilidade como parceiro social que atua no domínio do sistema educativo, contribuindo com propostas construtivas para a promoção e salvaguarda de uma política educativa de excelência, exigiremos em todas as instâncias nacionais e internacionais a vinculação dos Professores contratados.

A qualidade da Escola pública preconizada no Estatuto da Carreira Docente não é possível de ser atingida com a instabilidade e insegurança no trabalho, nem com a precariedade laboral manifestada no decurso dos últimos 5, 10, 15 e mais anos.

É urgente e inadiável a resolução da precariedade dos Professores contratados! Basta de chamar necessidades transitórias e cíclicas, àquilo que evidencia, de forma clara, serem necessidades permanentes do sistema público de ensino!

É reconhecido, nacional e internacionalmente, que a Educação se constitui como um pilar fundamental para o desenvolvimento a longo prazo de um país. Tal como o Conselho Nacional da Educação defende, o acesso à Educação e o direito de aprender são indispensáveis ao desenvolvimento dos talentos das pessoas, à afirmação dos países e ao equilíbrio e bem-estar das sociedades, pois “nos tempos difíceis em que vivemos, a educação é essencial para a construção de um futuro sustentável.”

A ANVPC e os Professores contratados continuarão a desenvolver todas as ações ao seu alcance em prol do rigor, da qualidade e da excelência da Escola pública.

6.01.2014

A direção da ANVPC

sábado, 4 de janeiro de 2014

Poemas

ÉS ÉS

Quando, abrindo a porta do quarto
vi o meu assassino,
conversando, sentado na cadeira conchiforme,
deslizando, em mudo alarme,
pelas paredes inundadas de luz eléctrica —
como tive piedade dele! lembrava-se, ainda,
ele, de quem matou? e, aceitando-lhe a mão,
sentei-me à mesa e

               quetalohvamosindo
               hávinteanosissoprecisamente
               quantascoisasjámasestamosemforma
               apesardosanosemisériasnãopoucos
               apesardaanginadopeitoedaprótese

e e
conversa
e, no disco, riscar de água,
e café e sanduíche e bebida
e cigarros e alguns charutos
e sofá e catre e enxergão
e turbilhão de neve e macieiras dobradas
e fogo florestal e rio transbordando
e meia-noite passada e a palavra já se extingue
e a companhia deixa cair o copo
encostando-se aos restos dos muros da noite —
para que o mundo sobre eles se não despenhe!

Zelk Zoltán
(Trad.: Ernesto Rodrigues)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Um presidente politicamente eunuco

Temos o governo que temos, temos a maioria que temos e temos o presidente que temos. Desgraçadamente. 
Um governo fundamentalista na ideologia e na subserviência ao estrangeiro, uma maioria acéfala e um presidente politicamente eunuco estão a destruir a vida de milhões de portugueses.
Não se compreende que perante duas medidas de natureza idêntica, Cavaco Silva tenha utilizado critérios diferentes para decidir se enviava as respectivas leis para fiscalização no Tribunal Constitucional. Se considerou que o corte definitivo nas reformas dos funcionários públicos violava o princípio da confiança, teria inevitavelmente de considerar que o corte definitivo nos vencimentos dos funcionários públicos também violava o princípio da confiança. Cortar definitivamente nos vencimentos que o Estado contratualizou com os seus funcionários é tão violador do princípio da confiança como cortar definitivamente nas reformas que o Estado contratualizou com os seus reformados. Mas Cavaco Silva preferiu fazer de conta que não é assim. Considerou ser mais importante não afrontar o governo e a tróica do que cumprir a sua função que jurou cumprir: zelar pelo respeito da Constituição da República e zelar pelos superiores interesses do país. 
Um presidente politicamente sério não pode utilizar critérios contraditórios na avaliação que faz do respeito que as leis têm ou não têm à Constituição, e não pode esquecer que quando se comprometeu defender os superiores interesses do país estava a comprometer-se defender os superiores interesses do povo do seu país. Porque, ao contrário do que tende a fazer crer o discurso dominante, os superiores interesses do país não são uma entidade abstracta de significado nebuloso e subjectivo, os superiores interesses do país são os superiores interesses do seu povo. Não há outros interesses superiores. E não é do interesse do povo que os contratos honestamente estabelecidos sejam unilateralmente violados, agora e no futuro. Na verdade, trata-se de um princípio essencial do Direito e, acima de tudo, trata-se de um princípio fundamental da Ética. Permitir a transgressão destes princípios é ser conivente com a selvajaria política.
Para termos um presidente que se comporta assim, não precisamos de presidente. Politicamente, Cavaco Silva tornou-se num eunuco.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Acerca da crise e da corrupção (15)

«O maior problema a nível autárquico diz respeito à gestão do urbanismo nas câmaras Municipais. Esta actividade tem-se transformado na mais rentável fonte de corrupção em Portugal [...].
As práticas mais comuns e viciosas consistem na modificação, sem qualquer regra e atentando contra o interesse público, da capacidade construtiva de terrenos — atribuindo desta forma benefícios aos promotores imobiliários privados. Assim, áreas classificadas como agrícolas, que apenas permitiam uma actividade de subsistência a pobres agricultores, mudam de mãos e aí nascem edifícios de vinte andares, quando antes nem um galinheiro se podia fazer. Como se explica esta situação tão frequente por esse território fora? Como se legitima? Através de alterações dos solos de agrícolas para urbanos, alterações feitas a pedido ou por ordem de quem domina o poder político. E a quem este se subjuga.
Mas há mais situações que esquecem ou adulteram o próprio sentido dos instrumentos de planeamento. Quantas vezes são licenciados, autorizados e construídos edifícios de seis ou mais andares onde planos directores municipais apenas previam vivendas ou prédios baixos? Isto apenas se compreende pelo facto de existir uma proximidade promíscua entre promotores imobiliários e vereadores do urbanismo, que explica esta ilegalidade. [...]
Todas estas situações combinadas podem fazer com que terrenos de apenas cem mil euros possam passar a valer, sem mais, dois milhões. Este "negócio" do urbanismo gera assim margens de lucro de dois ou três mil por cento, só comparáveis em Portugal às do tráfico de droga. [...]
Mas os negócios não param por aí. As construtoras são também as principais accionistas das empresas de recolha de lixo urbano, que realizaram com as autarquias contratos de concessão desse serviço a dez ou mais anos. Desta forma, as taxas de resíduos sólidos pagas pelos cidadãos são garantidamente receita para os seus cofres. Muitas empresas do sector da protecção do ambiente mais não são do que construtoras disfarçadas de ecologistas. 
Outro negócio destes "patos-bravos" é o controlo dos portos, através de acordos obtidos sem concurso, como o prolongamento da concessão do terminal de contentores de Lisboa, oferecido ao grupo Mota Engil, [então] administrado pelo ex-dirigente socialista Jorge Coelho.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.

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