sábado, 29 de dezembro de 2012

Bom ano?

Algumas das notícias dos últimos dias anunciam que o governo se prepara para proceder a uma ainda maior redução salarial na função pública, que se prepara para reduzir ainda mais as pensões, que se prepara para limitar ainda mais os apoios sociais e que se prepara ainda para se livrar de milhares de profissionais do Estado. Para o actual governo, o problema de Portugal é um único: o Estado. Do seu ponto de vista, reduzindo as funções do Estado a pouco mais do que nada, os problemas do país deixam de existir. A ideia é conhecida e é simples: um Estado com poucas despesas não gera défices, não se endivida e cobra menos impostos. Assim, segundo o pensamento governamental, as finanças ficam saudáveis e a economia torna-se pujante, porque deixa de ter o empecilho do Estado a sufocá-la. Contabilisticamente é algo de semelhante ao paraíso. Passos, Gaspar, Portas, PSD e CDS desejam um país assim.
O problema é que se contabilisticamente é algo de semelhante ao paraíso, socialmente é algo de semelhante ao inferno e eticamente é deplorável.
Socialmente é o inferno porque num país com reduzidos serviços públicos e com reduzidos apoios públicos a maioria das pessoas deixa de ter acesso, de forma gratuita ou a preços comportáveis, a serviços essenciais (saúde, educação, fornecimento de água e energia, correios, transportes colectivos) ao que acresce a ausência de apoios básicos à subsistência, para aqueles que mais necessitam. Isto é: quem pode pagar usufrui de saúde, de educação e de todos os bens fundamentais, quem não pode pagar não usufrui. Como a riqueza não é distribuída, como não há mecanismos de solidariedade social, a pobreza aumenta, a qualidade de vida da maioria diminui. Mas contabilisticamente o país fica óptimo.
Eticamente este modelo de sociedade é deplorável, porque é um modelo mais ou menos inspirado no modo de vida da savana: os mais fortes impõem a sua vontade e interesses e os demais lutam pela sobrevivência — mas, no ser humano, acresce uma particularidade: muitas vezes os designados de «mais fortes» são simplesmente os que estão mais capacitados para a trapaça, para a burla ou para o embuste, não são os «melhores», como insistentemente nos é sugerido pelos ideólogos deste arquétipo social.
Votos de bom ano? Se, em 2013, o actual governo não for derrubado, não é possível termos um bom ano, porque será este o caminho que o país continuará a seguir. Se, em 2013, o governo cair, criam-se condições para que o ano não seja tão mau.
Desejar um bom ano é pois desejar o fim deste governo.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Boas Festas?

No carro, vinha a ouvir um programa que recorda a rádio que se fazia em Portugal nos anos cinquenta, sessenta, setenta e, julgo, nos anos oitenta. Reportagens, noticiários, entrevistas, radionovelas, publicidade, etc., compõem o repertório das múltiplas reminiscências daqueles que faziam e daqueles que ouviam a rádio. Desde vozes longamente nasaladas e reverenciais, dos locutores que idolatravam os poderosos e o poder anterior ao 25 de Abril, até a excertos de discursos de Salazar e Caetano, quase tudo passa neste interessante programa da Antena 1. Quem viveu esta época, pode recordar e de algum modo «reviver» o ambiente que nos envolvia; quem não viveu, pode ficar com algumas «impressões» sobre uma certa forma de ser e de estar que dominava o país.
Durante os minutos que o programa durou, houve, para mim, momentos em que estranhamente o passado e o presente se misturaram: o quotidiano triste, a melancolia reinante, a cinza dos discursos, o abafamento opressor e o luto permanente, que foram marcas desse passado português, ressurgiram com a temerosa vivacidade que a realidade de hoje suscita. Dolorosamente, este programa não só transporta o passado ao presente, como faz sentir o presente passado. Estamos, como anteriormente, rodeados por cabeças medíocres, por ideias medíocres, por atavismos e por fatalismos transcendentes. Estamos, como anteriormente, asfixiados pela pretensa inevitabilidade da pobreza, da desgraça, do sofrimento. Regressámos a um passado de estupidez e de acabronhamento.
Boas festas? Não, não é possível haver boas festas quando se está rodeado de gente que quer o regresso ao inaceitável. De gente que quer fazer a história regredir, que quer fazer a vida regredir, que quer fazer a alegria regredir.
Boas festas? Sim, é possível haver boas festas, se quisermos fazer destas festas o início de uma enorme festa de despedida. A despedida, o adeus definitivo desta gente que quer fazer o presente passado.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Crato não é inimputável

Hoje é dia 18 de Dezembro, o 1.º período está terminado. Decorreram três meses desde que o se iniciou o ano lectivo. Já decorreu mais de meio ano desde que a revisão curricular foi apresentada. Com uma irresponsabilidade impressionante e um incomparável laxismo, Nuno Crato nada fez para corrigir uma situação que provavelmente nem no terceiro mundo acontece (em 19 de Outubro, referi-me a ela aqui).
Desde Setembro, temos uma disciplina obrigatória no ensino secundário regular e no ensino secundário recorrente a ser leccionada nas nossas escolas com três cargas horárias diferentes. O programa é um só e o exame nacional também. A disciplina chama-se Filosofia. Durante todo o 1.º período, esta disciplina foi leccionada, no ensino regular, numas escolas, 4 vezes por semana, em aulas de 45 minutos; em outras escolas, 3 vezes por semana, em aulas de 50 minutos; e, no ensino recorrente, 3 vezes por semana, em aulas de 45 minutos. Isto quer dizer que, chegados a esta altura, houve alunos que tiveram cerca de 2340 minutos de aulas de Filosofia, outros cerca de 1950 e outros ainda cerca de 1755 minutos. Apesar de ter sido solicitado ao ministério da Educação, não chegou às escolas qualquer indicação de alteração do programa (que foi pensado para ser leccionado em aulas de 45 minutos, 4 vezes por semana) ou qualquer nova orientação na gestão do mesmo. E a situação totalmente inaceitável que ocorreu no 1.º período prosseguirá e agravar-se-á até ao final do ano lectivo.
Evidentemente que os alunos com menos horas de aulas serão gravemente prejudicados: ficarão impossibilitados de realizar aprendizagens previstas; ficarão impossibilitados de realizar actividades de aquisição e/ou de consolidação de conhecimentos/aprendizagens; e ficarão em manifesta desigualdade, no caso de fazerem exame nacional, em relação aos seus colegas com mais horas de aulas.
Nuno Crato não é inimputável, tem de ser responsabilizado.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Avaliação docente: dois despachos (8)

Para concluir:

1. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo de pseudo-avaliação do desempenho, como o foi o modelo de Rodrigues/Alçada. Não tem credibilidade, porque a quase totalidade dos avaliadores não a tem, e não tem fiabilidade, porque sendo o desempenho docente um objecto de elevada complexidade não pode ser avaliado, na sua dimensão mais importante (dimensão científica e pedagógica), em 180 minutos, de quatro em quatro anos.

2. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo feito para a «opinião pública ver», como o foi o modelo de Rodrigues e de Alçada. Não está preocupado com o desenvolvimento profissional dos professores, está preocupado apenas em assegurar, junto da opinião pública e da opinião publicada, a «impressão» de que existe uma avaliação dos docentes.
Um verdadeiro e sério modelo de avaliação tem de ter como objectivo primordial contribuir para a progressiva melhoria do desempenho profissional dos professores, isto é, contribuir para a melhoria das práticas lectivas, com vista a que os alunos possam alcançar melhores aprendizagens. É isto que verdadeiramente é importante. Uma avaliação de 180 minutos, de quatro em quatro anos não o pode fazer.

3. O modelo de avaliação de Crato é um modelo alicerçado no vazio. Não podendo repetir a excêntrica, infindável e ridicularizada lista de padrões do desempenho do modelo de Rodrigues/Alçada, onde se almejava uma avaliação atomística do exercício docente, Crato e a sua equipa elaboraram um modelo sem substância, isto é: temos uma forma sem conteúdo. Esta é, aliás, a contradição que os modelos de avaliação desta natureza não conseguem superar: ou procuram universalizar comportamentos atomísticos, que são inavaliáveis, ou procuram universalizar generalidades, cuja imprecisão gera obscuridades e arbitrariedades.

4. O modelo de avaliação de Crato viola dois compromissos que tinham sido formalmente assumidos:
i) o compromisso de que a dimensão científica e pedagógica não seria avaliada por pares da mesma escola;
ii) o compromisso de que o professor avaliador teria de ser do mesmo grupo disciplinar e de que teria de pertencer a escalão igual ou superior ao do professor avaliado. 
Ambos os compromissos foram deitados ao lixo.

5. Última observação, a propósito de um Artigo sui generis.
O Art.º 12.º, do despacho normativo 24/2012, tem o seguinte conteúdo:
«1 —— A observação de aulas regulamentada pelo presente despacho normativo não é prejudicada pela vigência de disposições legais que temporariamente impeçam a progressão na carreira. 
2 —— Para os efeitos referidos no número anterior e caso se verificasse a normal progressão na carreira docente, no ano escolar de 2012-2013, consideram-se os seguintes períodos e momentos: 
a) Até final do 1.º período letivo, apresentação dos requerimentos de observação de aulas a realizar no próprio ano escolar; 
b) Até ao final do mês de janeiro de 2013, conclusão e divulgação da seleção e distribuição dos avaliadores externos, bem como a calendarização da avaliação da dimensão científica e pedagógica.» (O negrito é meu).
O uso do pretérito imperfeito do conjuntivo é normalmente utilizado para apresentar um desejo ou uma solicitação, ou então para formular uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento temporalmente indeterminado. Como um despacho normativo não formula desejos nem faz solicitações, apenas enuncia normas, a utilização do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo «verificar» só se pode reportar ou à formulação de uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento intemporal. Neste caso, a um momento intemporal não é certamente, pois está escrito que é ao ano escolar 2012-2013 que o assunto diz respeito. Ficamos assim reduzidos à possibilidade do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar («verificasse») estar a ser utilizado em referência a um momento passado. Se se refere a um momento passado, a algo que já se foi no tempo, temos uma dificuldade:
a) Tendo o despacho sido assinado a 19 de Outubro de 2012, por que razão se refere ao ano lectivo 2012-2013 como sendo do passado, se ele estava a começar?
b) Se é referente a uma hipótese do passado que não se tinha verificado (a progressão na carreira), por que razão o seu conteúdo apresenta uma calendarização que vai até Janeiro do ano seguinte?
c) Tendo sido há muito anunciado que o congelamento das carreiras perdurará, no mínimo, até ao fim cumprimento do memorando da troyka, com que justificação se utiliza o pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar: «caso se verificasse a progressão na carreira»?
Para além do manifesto conflito com a gramática, ficamos sem saber se este Artigo 12.º deve ser entendido como uma tentativa sui generis de fazer humor ou como um efectivo exercício de cinismo político.
Provavelmente é tudo isto.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Nacos

Canto X

120
O mundo
está nas imediações do nada,
a desordem
é um prenúncio,
e o inferno
torna-se indispensável
em certas semanas
monótonas.

121
Bloom está ao mesmo tempo
exaltado e distraído.
Está no meio de um bosque,
mas parece estar numa cozinha com os dedos dos pés
enfiados em algo imundo.
De qualquer maneira ri quando é para rir,
fica sério quando lhe pedem seriedade.

122
A contrapartida da alma é o facto
de um homem ser sensível ao tacto:
duas forças complementares.
O sol nasce, e o homem acorda e lava a cara
com a água que a cidade lhe oferece por um cano.
Não é excelente, mas é civilizado.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Medrosos e crédulos

É terrível quando se tem a consciência de que quem exerce a função de líder (no sentido de coordenador, mobilizador, organizador) não tem capacidades para o exercício dessa função. Seja qual for o âmbito em que a constatação dessa incapacidade ocorre, as consequências são sempre más: seja num grupo pequeno, seja num grupo grande, seja numa pequena empresa, seja numa multinacional, seja num pequeno ou num grande país, seja em contexto profissional, religioso, político ou qualquer outro, a verificação de que aquele a quem foi atribuída a responsabilidade de liderar não possui as qualidades necessárias para o fazer é indutora da degradação do grupo, da empresa ou do país onde isso sucede.
Actualmente estamos a viver essa desgraça de modo particularmente claro. Hoje são certamente muitíssimo poucos aqueles que vêem em Passos Coelho um líder — mesmo de entre aqueles que concordam com os seus desastrados pensamentos. Desorientado, imaturo, mentiroso, impreparado, subserviente (junto dos poderosos) são algumas das principais características que a maioria dos portugueses atribui ao perfil político daquele a quem foi entregue a incumbência de liderar o país. 
Tomar consciência desta realidade é terrível, mas tão ou mais terrível é não saber o que fazer a partir desta consciência. E é esta situação que os portugueses vivem no momento. 
Medrosos e crédulos, por tradição, nós, portugueses, estamos à espera que o milagre surja, que o problema se resolva por si ou que venha alguém resolvê-lo por nós. Temos uma enorme dificuldades em compreender que não haverá nenhuma figura salvífica interna ou externa que queira ou possa fazer um trabalho que é o trabalho de uma comunidade, de um povo, de uma país. Vivemos num mundo mágico, em que predomina a ilusão de que há efeitos sem causas. Desejamos um efeito, mas dispensamo-nos de promover a causa que o origine.
Temos todos a plena consciência de que estamos a seguir o caminho errado, mas pouco ou nada fazemos para o interromper. Queremos abandonar o trilho do empobrecimento e da miserabilização, mas não nos comportamos de modo consentâneo com esse querer. Sabemos que é urgente mudar de liderança e de política, mas ingenuamente aguardamos pela sua auto-degradação.
Enquanto não estivermos disponíveis para agir sobre a realidade de modo a alterá-la, ela não nos fará o favor de se alterar.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Momento quase filosófico

Os puritanos reclamam-se os garantes dos bons costumes e apregoam um severo código moral. Fernando Savater, na Ética para Amador, fala sobre essa moralidade:
«Os puritanos consideram-se as pessoas com mais moral do mundo e além disso guardiães da moralidade dos seus vizinhos [...] O seu modelo parece a senhora daquele conto... recordas-te? Chamou a polícia para protestar porque havia uns miúdos nus a tomar banho frente à sua casa. A polícia afastou os miúdos, mas a senhora voltou a chamá-la, dizendo que estavam a tomar banho (despidos, sempre despidos) um pouco mais acima e que o escândalo se mantinha. A polícia afastou-os de novo e a senhora tornou a protestar. "Mas, minha senhora, — disse o inspector —, se os mandámos para mais de um quilómetro e meio de distância ..." E a puritana respondeu, virtuosamente indignada: "Sim, mas com os binóculos continuo a vê-los!".»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor, Planeta (adaptado).

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Avaliação docente: dois despachos (7)

Vimos, no texto da semana passada, que a avaliação da dimensão científica e pedagógica é feita por dois avaliadores: por um avaliador externo, cujo peso da sua avaliação é de 70%; e por um avaliador interno, cujo peso da avaliação é de 30%. O primeiro realiza a sua exótica avaliação a partir de duas observações de 90 minutos de aula. O segundo, como também vimos no texto anterior, realiza a sua ainda mais exótica avaliação a partir de três possibilidades: a partir de eventuais palestras/conferências que o avaliado realize e/ou a partir de eventuais obras/artigos que o avaliado publique ou a partir do nada — do nada, porque este avaliador interno não observa aulas, que o pudessem elucidar da prática pedagógica do colega avaliado, nem consta que lhe possa realizar provas orais ou escritas, para avaliar os seus conhecimentos científicos e os seus conhecimentos pedagógicos.
Apesar do exotismo, quanto à substância e quanto à forma, destes dois processos avaliativos, o despacho normativo n.º 24/2012 prevê que a classificação da dimensão científica e pedagógica do docente avaliado resulte da conjugação da avaliação de ambos os avaliadores. Seria de esperar que a classificação final desta dimensão resultasse da média ponderada das duas classificações atribuídas pelos avaliadores, mas não, aquele despacho atribui uma competência específica ao avaliador externo, que é a de «articular com o avaliador interno o resultado final da avaliação da dimensão científica e pedagógica dos docentes sujeitos à avaliação» — alínea e) do Art.º 4.º.
Aqui não se compreendem três coisas. 
Uma, no que respeita à forma: que a dita «articulação» seja uma competência do avaliador externo e não seja uma competência de ambos os avaliadores.
Duas, no que respeita à substância:
a) Que se entende por articulação? Articulação pretende significar consensualização? E se não existir consensualização, que faz o avaliador externo à competência que o despacho lhe confere?
b) Como se articula uma (suposta) avaliação (externa) resultante da observação de duas aulas com uma avaliação (interna) resultante de coisa nenhuma? A primeira, pelo modo como é desenvolvida (observação de 180 minutos de aulas, em quatro anos de escalão), tem uma credibilidade e uma fiabilidade inanes, e a segunda, porque assente no vazio, tem uma credibilidade e uma fiabilidade nulas. Como se articula isto?

A isto adiciona-se outro problema.
Para além do modelo de avaliação de Passos e de Crato não cumprir o compromisso assumido, por ambos, de que não haveria avaliação entre pares da mesma escola (como já vimos, o avaliador interno, ou seja, um par da mesma escola, é responsável por 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica), não cumpre outro compromisso também publicamente assumido por ambos, o compromisso de que nenhum professor seria avaliado por um colega que não pertencesse ao mesmo grupo disciplinar e que não estivesse integrado num escalão igual ou superior ao seu.
Na verdade, o decreto regulamentar 26/2012 autoriza que isso aconteça (Art.º 14). Basta que na escola (e isso sucederá em muitas escolas e em muitos grupos disciplinares) não haja um professor que cumulativamente:
i) esteja integrado em escalão igual ou superior ao do professor avaliado;
ii) seja do mesmo grupo disciplinar;
iii) seja titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica ou detenha experiência profissional em supervisão pedagógica;
para que passe a ser o coordenador de departamento a assumir a função de avaliador interno — independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem do seu grupo disciplinar e independentemente dos docentes avaliados serem ou não serem de escalão igual ou inferior ao seu. Quer isto dizer que voltaremos a ter, por exemplo, um professor de contabilidade a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de geografia (e vice-versa), ou um professor de educação física a avaliar cientifica e pedagogicamente um professor de artes (e vice-versa).

Neste governo, a incompetência técnica, a desonestidade e a fraude políticas não têm limites.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Quinta da música - Tchaikovsky

Nacos

Canto IX

17
A vida, meu caro é ilegível. Acontece
e desaparece. Não há inteligência
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida não surge em prosa
nem em poesia — e a existência não fala
inglês, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasões matreiras da publicidade e
dos filmes. Já não é mau.

18
Episódios fatigantes, depois de concluídos,
atraem ao organismo a mansidão prolongada.
Dormem, pois, Anish e Bloom há horas,
e os homens, quando dormem, parecem mais antigos,
como se vindos de outros séculos.
O sono, de resto, é uma tradição clássica:
foi oferecido pela Natureza para que os deuses descansem
das tropelias intelectuais e físicas dos
bípedes privilegiados. Dormem os humanos
para o céu relaxar.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Vai ficar tudo na mesma?


Esta reportagem denunciou, na passada segunda-feira, uma situação de enorme gravidade: quer quanto à fraudulenta utilização de dinheiros públicos, quer quanto ao funcionamento interno de um grupo de colégios particulares (GPS), quer quanto ao impudico e cúmplice silêncio dos responsáveis políticos (ministro da Educação e secretário de Estado da Administração Escolar) e das autoridades fiscalizadoras (inspector-geral da Educação e Ciência). 
Esta reportagem narra vários crimes. Vai ficar tudo na mesma?

Para clicar


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Bonecos de palavra

Bill Watterson, O Indispensável de Calvin & Hobbes, Gradiva.
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Avaliadores externos: a prova real

Nos anos anteriores, vários professores afirmaram que foram avaliadores apenas porque tinham sido obrigados a isso, isto é, que, contra a sua vontade, foram nomeados e que aceitaram entrar na farsa, somente porque não podiam arriscar um processo disciplinar que não saberiam como terminaria — no limite, poderia ser o seu posto de trabalho que ficasse em causa. 
Para alguns, eu sei que esta foi a verdadeira razão para não terem liminarmente recusado. E sei que esses alguns não fizeram a fita de pretenderem passar por excessos avaliadores junto dos avaliados. Sei que não encenaram junto dos colegas avaliados uma avaliação que ninguém sabia nem soube fazer porque era impossível ser feita, com um mínimo de seriedade e credibilidade. Sei que muitos optaram por dar a classificação máxima a todos os colegas avaliados, pois era única forma de serem sérios consigo próprios e com os seus colegas. Na verdade, sentindo-se consciente e responsavelmente incapacitados de poderem realizar uma avaliação credível — não tinham formação para isso, e o modelo era uma monstruosidade técnica — e estando coagidos a fazê-lo, optaram pelo mal menor, isto é, não prejudicar nenhum docente.
Mas agora a situação mudou. Há uma coisa positiva (a única!) no despacho normativo n.º 24/2012:  prevê-se explicitamente o direito de formulação do pedido de escusa da função de avaliador externo. É o n.º 4, do Art.º 5, que consagra esse direito:
«4 — Ao docente que, por qualquer razão, não esteja interessado em desempenhar as funções de avaliador externo da dimensão científica e pedagógica no âmbito da avaliação do desempenho docente, assiste o direito de apresentar pedido de escusa da função através de pedido fundamentado ao diretor-geral da Administração Escolar» (o negrito é meu).
A partir de agora, não há desculpas. Vamos ver, pois, quem honestamente disse que foi avaliador apenas porque foi coagido a isso, e quem, oportunisticamente, mentirosamente, descaradamente, disse o mesmo, mas, na realidade, viveu com prazer, e alguns até com júbilo, tal (pseudo) função.
É a prova real.

O problema dos critérios prossegue...

Recebido por e-mail:

O horário Nº 90 (14h) do Grupo 550 no Agrupamento de Escolas Dr. Azevedo Neves, Amadora, tem como subcritérios questões vagas que são no mínimo impossíveis de quantificar. (Ver em baixo).
O horário em causa foi colocado a 29/11/12 na aplicação, não terá sido aprovado pela equipa da Direcção Geral da Administração Escolar? 
Não foi esta a escola que já teve inúmeros problemas nas contrataçõesde escola? Já não era tempo de aprender?

Cumprimentos,

PA


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sábado, 1 de dezembro de 2012

Avaliação docente: dois despachos (6)

O despacho n.º 13981/2012 vem recordar um aspecto exótico (mais um), já previsto no decreto regulamentar n.º 26/2012: à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica, realizada através do processo de observação de aulas, é atribuída uma ponderação de 70 % relativamente à avaliação global dessa dimensão (que, como se sabe, tem um peso de 60% em todo processo da avaliação do desempenho, que inclui ainda outras duas dimensões). 
O exotismo a que agora me refiro está nos 70%. Está nos 70%, vistos em si mesmos, e na consequência de haver 30% sobrantes que são objecto de uma outra avaliação, também ela não menos exótica.
Os 70% suscitam uma pergunta: atendendo aos pressupostos teóricos em que suspostamente se sustenta o modelo de avaliação de Crato, porque é que não é atribuído o peso de 100% à avaliação externa da dimensão científica e pedagógica? Na verdade, não se compreende que sendo «a legitimidade e competências dos avaliadores externos [...], assim como a sua seleção, asseguradas por rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» (conforme é efusivamente declarado no texto introdutório do referido despacho) não se entregue a esses avaliadores externos a responsabilidade total dessa avaliação. Porque das duas uma: ou a crença  nos «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» é fraca ou a opção pelos 70% é obscura, porque obviamente os «rigorosos requisitos de formação e experiência profissional» dos avaliadores externos deveriam assegurar uma superior credibilidade e fidelidade/fiabilidade à avaliação realizada — muito maior, certamente, do que a avaliação que será feita por alguns desqualificados avaliadores internos — responsáveis por avaliar os remanescentes 30% da referida dimensão.
Para além desta ininteligibilidade, atribuir 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica a avaliadores internos é faltar grosseiramente (uma vez mais) à palavra dada e à promessa feita. Passos Coelho, Crato e o PSD repetiram insistentemente que nunca aceitariam que a avaliação da dimensão científica e pedagógica fosse realizada por pares da mesma escola. «Nunca!», assim nos foi jurado. Contudo, no pouco tempo que passou, o que era inaceitável tornou-se, repentina e misteriosamente, aceitável, e mais uma promessa ficou por cumprir: 30% da avaliação dessa dimensão é entregue a avaliadores internos, isto é, a pares da mesma escola, aquilo, precisamente, que se asseverou nunca vir a acontecer.

Vejamos agora a parte mais grave.
O problema é: como vai o avaliador interno, responsável por 30% da classificação a atribuir à componente científica e pedagógica, realizar essa avaliação, se não observa aulas? Diz o decreto regulamentar que é através de um formulário de registos, que cada escola terá de elaborar para este fim e também para avaliar a participação do professor na escola, a sua relação com a comunidade, a formação contínua que realizou e o desenvolvimento profissional (seja isto o que for). Um formulário de registos?! O domínio que um professor tem dos conhecimentos científicos e pedagógicos e consequentes práticas avalia-se através de um formulário de registos?! Mas que registos, se o avaliador interno não observa aulas? O que é que de pertinente pode o avaliador interno registar e a partir de quê?
Vamos por partes, e tomemos como exemplo apenas o domínio dos conhecimentos científicos.
Há dois modos de um professor poder revelar os seus conhecimentos científicos: através do texto escrito e/ou do texto oral.
Comecemos pelo texto oral. Em que circunstâncias pode um professor, através do texto oral, evidenciar o seu conhecimento científico? Em que circunstâncias pode um avaliador interno certificar-se, com fiabilidade e credibilidade, que um professor domina os conhecimentos científicos da sua área disciplinar, através do texto oral, se não tem aulas observadas? Deverão os professores realizar conferências para apresentar comunicações científicas, de modo a que o avaliador interno os possa avaliar? Deverão, em reuniões de departamento, fazer a apresentação de dissertações científicas? Ou em reuniões de grupo? Ou num frente-a-frente, com o avaliador interno?
Vista a excentricidade que é pretender-se avaliar, através de texto oral, o conhecimento científico de um professor, resta o texto escrito.
Que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu conhecimento científico junto do avaliador interno? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho de dúzia e meia de páginas sobre um assunto (depois discuti-lo com o avaliador, de modo a que se obstaculize a tentativa de fraude, do género copy and paste)? E quantos livros deve escrever e/ou quantos ensaios deve redigir e/ou quantos artigos deve publicar para que a avaliação dos seus conhecimentos seja fiável?
Afinal que pode/deve o professor avaliado fazer para demonstrar os seus conhecimento científicos ao avaliador interno, de modo a que este possa preencher o tal formulário?
As perplexidades que se levantam relativamente à avaliação dos conhecimentos científicos, sem observação de aulas, evidentemente que duplicam em relação à avaliação da vertente pedagógica. De que modo o avaliador interno pode avaliar a dimensão pedagógica, se ele não conhece as turmas que o professor avaliado lecciona, se não sabe como decorrem as aulas e se nada observa?

É, portanto, a partir de coisa nenhuma que o avaliador interno vai determinar 30% da avaliação da dimensão científica e pedagógica do professor avaliado. 

(Continua)