terça-feira, 31 de maio de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 8

Falsa certeza n.º 8: A União Europeia defende o modelo social europeu

A construção europeia constitui uma experiência ambígua. Nela coexistem duas visões de Europa que não ousam contudo enfrentar-se abertamente. Para os social-democratas, a Europa deveria dedicar-se a promover o modelo social europeu, fruto do compromisso obtido após a Segunda Guerra Mundial, a partir dos princípios que o mesmo consubstancia: protecção social, serviços públicos e políticas industriais. A Europa deveria, nesses termos, ter erguido uma muralha defensiva perante a globalização liberal, uma forma de proteger, manter vivo e fazer progredir o modelo social europeu. A Europa deveria ter defendido uma visão específica sobre a organização da economia mundial e a regulação da globalização através de organizações de governação mundial. Como deveria ter permitido aos seus países membros manter um elevado nível de despesas públicas e de redistribuição, protegendo a sua capacidade de as financiar através da harmonização da fiscalidade sobre as pessoas, as empresas e os rendimentos do capital. 

A Europa, contudo, não quis assumir a sua especificidade. A visão hoje dominante em Bruxelas e no seio da maioria dos governos nacionais é, pelo contrário, a de uma Europa liberal, cujo objectivo está centrado em adaptar as sociedades europeias às exigências da globalização: a construção europeia constitui nestes termos a oportunidade de colocar em causa o modelo social europeu e de desregular a economia. A prevalência do direito da concorrência sobre as regulamentações nacionais e sobre os direitos sociais no Mercado Único permitiu introduzir mais concorrência nos mercados de bens e de serviços, diminuir a importância dos serviços públicos e apostar na concorrência entre os trabalhadores europeus. A concorrência social e fiscal permitiu por sua vez reduzir os impostos, sobretudo os que incidem sobre os rendimentos do capital e das empresas (as "bases móveis") e exercer pressão sobre as despesas sociais. Os tratados garantem quatro liberdades fundamentais: a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Mas longe de se restringir ao mercado interno, a liberdade de circulação de capitais foi alargada aos investidores do mundo inteiro, submetendo assim o tecido produtivo europeu aos constrangimentos e imperativos da valorização dos capitais internacionais. A construção europeia configura-se deste modo como uma forma de impor aos povos as reformas neoliberais. 
[...]
Para que a Europa possa promover verdadeiramente o modelo social europeu, colocamos à discussão duas medidas: 

Medida n.º 16: Pôr em causa a livre circulação de capitais e de mercadorias entre a União Europeia e o resto do mundo, renegociando se necessário os acordos multilaterais ou bilaterais actualmente em vigor; 
Medida n.º 17: Substituir a política da concorrência pela "harmonização e prosperidade", enquanto fio condutor da construção europeia, estabelecendo objectivos comuns vinculativos tanto em matéria de progresso social como em matéria de políticas macroeconómicas (através de GOPS: Grandes Orientações de Política Social).
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177 e do blogue Luis Nassif Online.

Bonecos de palavra.

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos)
Para ampliar, clicar na imagem.

Faltam 5 dias

Faltam 5 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem é incapaz de reconhecer os erros que comete. Apesar de deixar aos portugueses uma pesadíssima herança, que os vai obrigar a viver, nos próximos anos, no limiar da miséria, Sócrates não assume os graves erros de que é responsável. Faltam 5 dias para decidirmos se a incompetência que gerou aqueles erros e a incapacidade de os reconhecer podem continuar a liderar o governo do país.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Notas

Correia de Campos [ex-ministro da Saúde] condenado a pagar 20 mil euros por injúrias a dois gestores hospitalares

Salários em atraso disparam no ano passado e atingem 28,4 milhões de euros
Público (27/5/11)

Bruxelas aprovou versão alterada do memorando

Portugueses não querem saber dos partidos
Expresso (28/5/11)

Noticia o Expresso que, segundo os últimos dados do Eurobarómetro, apenas 15% dos portugueses confiam nos partidos. Julgo que ninguém terá ficado surpreendido com estes dados. A haver surpresa seria pensar como é que ainda há 15% de confiantes.
Desde que há eleições livres em Portugal que a confiança dos portugueses nos partidos políticos vem progressivamente a decrescer. Neste sentido, podemos dizer que, se a meta é chegar ao zero percentual, os responsáveis dos principais partidos têm trabalhado com denodo.
Para não recuarmos a tempos mais remotos, será suficiente recordarmos o que se passou na última década. Tivemos três primeiros-ministros: Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. O primeiro fugiu, quando as dificuldades do país aumentaram; o segundo foi demitido, por acumulação de sucessivas trapalhadas e manifesta incapacidade para o exercício da função; e o terceiro, desgraçadamente, não fugiu nem foi demitido, apesar de ter superado em muito o seu antecessor nas trapalhadas e de, mais do que manifestamente, ser incompetente para a função (a situação de bancarrota a que conduziu o país está aí para o demonstrar, se dúvidas ainda houvesse).
De modo invariável, os três partidos que têm exercido o poder político não cumprem as promessas eleitorais que fazem, e agem, em grande parte das situações, precisamente ao invés do que prometem (o caso da repetida promessa de abaixamento de impostos é exemplar). Esta situação de incumprimento da palavra dada foi, nos últimos seis anos, particularmente agravada, com os governos de Sócrates. Em simultâneo assistia-se, à medida que as promessas não eram cumpridas, a uma dupla degradação: a degradação do nível de vida dos portugueses e a degradação do ambiente político. Sócrates poderia ter sido, certamente um excelente profissional de vendas, mas nunca deveria ter sido um primeiro-ministro. Limitadíssimo do ponto de vista dos conhecimento fundamentais (que a História, a Filosofia e a Arte propiciam), detentor de um reduzidíssimo vocabulário (e é sabido como o vocabulário condiciona as ideias), muito pouco escrupuloso no respeito pela verdade política, com características pessoais úteis para singrar em programas de reality shows, mas inúteis e desaconselháveis para o exercício de cargos públicos, Sócrates deu o último e decisivo empurrão para fazer cair no abismo a pouca confiança dos portugueses nos partidos.

O recente caso das duas versões do memorando de entendimento é mais um lamentável episódio que ilustra a recorrente falta de seriedade política de Sócrates. Alguém disse (Paulo Portas) que o primeiro-ministro tem apenas encontros breves e intermitentes com a verdade, e outro alguém (Aguiar-Branco) acrescentou que lhe está no sangue fazer batota. Pena é que ambos, em particular o último, não tenham muita autoridade para falar sobre esta matéria.

Manifesto dos economistas aterrorizados - 7

Falsa certeza n.º 7: É preciso assegurar a estabilidade dos mercados financeiros para poder financiar a dívida pública

Deve analisar-se, a nível mundial, a correlação entre a subida das dívidas públicas e a financeirização da economia. Nos últimos trinta anos, favoráveis à liberalização total da circulação de capitais, o sector financeiro aumentou consideravelmente a sua influência sobre a economia. As grandes empresas recorrem cada vez menos ao crédito bancário e cada vez mais aos mercados financeiros. Do mesmo modo, as famílias vêem uma parte cada vez maior das suas poupanças ser drenada para o mercado financeiro (como no caso das pensões), através dos diversos produtos de investimento e, inclusivamente, em alguns países, através do financiamento da sua habitação (por crédito hipotecário). Os gestores de carteiras que tentam diversificar os riscos procuram títulos públicos como complemento aos títulos privados. E encontram-nos facilmente nos mercados, em virtude de os governos terem levado a cabo políticas similares, que conduziram a um relançamento dos défices: taxas de juro elevadas, descida dos impostos sobre os altos rendimentos, incentivo maciço à poupança financeira das famílias para favorecer a capitalização através da poupança reforma, etc. 

A nível europeu, a financeirização da dívida pública encontra-se inscrita nos tratados: com Maastricht, os Bancos Centrais ficaram proibidos de financiar directamente os Estados, que devem encontrar quem lhes conceda empréstimos nos mercados financeiros. Esta "repressão monetária" acompanha a "liberalização financeira" e gera exactamente o contrário das políticas adoptadas após a grave crise da década de 30; politicas de "repressão financeira" (drásticas restrições à liberdade de movimento dos capitais) e de "liberalização monetária" (com o fim do regime do padrão-ouro). Trata-se de submeter os Estados, que se supõe serem por natureza despesistas, à disciplina dos mercados financeiros, que se supõe serem, por natureza, eficientes e omniscientes. 

Como resultado desta escolha doutrinária, o Banco Central Europeu não tem por isso legitimidade para subscrever directamente a emissão de obrigações públicas dos Estados europeus. Privados da garantia de se poderem financiar junto do BCE, os países do sul tornaram-se presas fáceis dos ataques especulativos. De facto, ainda que em nome de uma ortodoxia sem fissuras, o Banco Central Europeu – que sempre se recusou a fazê-lo – teve de comprar, desde há alguns meses a esta parte – obrigações de Estado à taxa de juro do mercado, de modo a acalmar as tensões nos mercados de obrigações europeu. Mas nada nos diz que isso seja suficiente, caso a crise da dívida se agrave e as taxas de juro de mercado disparem. Poderá então ser difícil manter esta ortodoxia monetária, que carece, manifestamente, de fundamentos científicos sérios. 

Para resolver o problema da dívida pública, colocamos em debate duas medidas: 
Medida n.º 14: Autorizar o Banco Central Europeu a financiar directamente os Estados (ou a impor aos bancos comerciais a subscrição de obrigações públicas emitidas), a um juro reduzido, aliviando desse modo o cerco que lhes é imposto pelos mercados financeiros; 
Medida n.º 15: Caso seja necessário, reestruturar a dívida pública, limitando por exemplo o seu peso a determinado valor percentual do PIB, e estabelecendo uma discriminação entre os credores segundo o volume de títulos que possuam: os grande rentistas (particulares ou instituições) deverão aceitar uma extensão da maturidade da dívida, incluindo anulações parciais ou totais. E é igualmente necessário voltar a negociar as exorbitantes taxas de juro dos títulos emitidos pelos países que entraram em dificuldades na sequência da crise.
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177 e do blogue Luis Nassif Online.

Faltam 6 dias

Faltam 6 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por um primeiro-ministro que (recorde-se as notícias dos jornais de Fevereiro do ano passado): 
«Foi denunciado, em despacho do processo Face Oculta, pelo director da Polícia Judiciária de Aveiro, por ser o responsável de "indícios claros de que a administração da Portugal Telecom, por determinação, solicitação ou desejo manifestado por decisor político de primeiro nível [...] iniciou e desenvolve um processo de aquisição da TVI com o objectivo de tomar posição dominante e alterar a orientação daquela estação televisiva, que entendem hostil aos seus interesses políticos, fulanizando mesmo a questão numa jornalista". Denúncia que foi posteriormente corroborada pelo procurador João Marques Vidal ao afirmar que das escutas telefónicas realizadas "resultam fortes indícios da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo" para interferir em alguns órgãos de comunicação social, afastando "jornalistas incómodos". Este plano, segundo o despacho citado pelo Sol, envolvia o controlo da TVI, o afastamento de José Eduardo Moniz e da jornalista Manuela Moura Guedes, e a aquisição dos jornais Público e Correio da Manhã(v. aqui)

domingo, 29 de maio de 2011

Ahmad Jamal

Faltam 7 dias

Faltam 7 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem fez da governação um contínuo acto de arrogância, de teimosia, de crispação, de promoção da imagem pessoal e de satisfação de vaidades.

sábado, 28 de maio de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

O eterno problema do relativismo, ou o tempo em que os animais falavam

Uma história de leões, provavelmente muito antiga, é-nos contada pelo fabulista Loqman. 
Uma lebre fêmea encontra uma leoa e diz-lhe:
— Todos os anos tenho um grande número de filhotes e tu não!
— É verdade — respondeu-lhe a leoa. — Não posso ter muitos filhotes, mas os que tenho são leões.

.................

É uma história turca.
Era uma vez um pardal minúsculo que, quando ribombava o trovão da borrasca, se deitava no chão e erguia as patitas ao céu.
— Porque fazes isso? —perguntou-lhe uma raposa.
— Para proteger a Terra, que sustenta tantos seres vivos! — respondeu o pardal. — Se, por desgraça, o céu caísse bruscamente... já pensaste nisso? Então ergo as minhas patas para o segurar.
— As tuas patas magricelas para segurar o imenso céu? — pergunta a raposa.
— Aqui, cada qual tem o seu céu — diz o pardal. — Vai-te embora, idiota, não podes compreender.
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos (adaptado).

Testemunhos


Faltam 8 dias

Faltam 8 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem, durante seis anos, dirigiu o país enganando sistematicamente os portugueses: tínhamos sido os últimos a entrar em crise e tínhamos sido os primeiros a sair da crise e éramos a vanguarda disto e daquilo e daqueloutro e não precisávamos de pedir ajuda externa e os impostos não iriam subir e o emprego iria crescer e.... e.... 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Erros a não repetir - 5

Tópico 3 - Avaliação, mérito e competitividade

É pacífico afirmar que uma avaliação, seja qual for a actividade em que recaia, não pode ser utilizada para fins diversos daqueles em que é competente. Isto é, qualquer sistema de avaliação só pode pretender avaliar aquilo para o qual está realmente capacitado. Mas isto, que parece ser pacífico de afirmar, parece não ser pacífico de fazer.
Na realidade, parece ser difícil resistir à tentação de colocar a avaliação ao serviço de qualquer fim. Actualmente a evocação do substantivo avaliação ocorre a propósito e a despropósito de tudo, como se tudo obtivesse resolução através da avaliação e como se o acto de avaliar fosse, por natureza, fácil, rigoroso e objectivo. Sabemos que ambas as coisas são falsas: nem a avaliação resolve tudo, nem, na maior parte das actividades, o acto de avaliar tem qualquer semelhança com a facilidade, o rigor e a objectividade. Sabendo-se isto, não se compreende a leviandade com que se procura esconder esta realidade e fazer da avaliação o que ela não é.
É o que acontece com o modelo de avaliação do desempenho docente, ainda em vigor: descentra-se do que verdadeiramente deveria e poderia fazer e concentra-se naquilo que não sabe nem deve fazer.
Vimos em posts anteriores (aqui, aqui, aqui e aqui) que a actual avaliação do desempenho docente pretende:
— avaliar o desempenho docente, a partir de um paradigma de professor sobre o qual não existe nenhum consenso; 
— avaliar o mérito, sem saber como fazê-lo;
— reconhecer o mérito, apesar de não saber avaliá-lo;
— premiar o mérito em nome de uma moralidade de duvidosa fundamentação.
Em «Erros a não repetir - 3» escrevi: «Um modelo de avaliação docente não pode, pois, enunciar como finalidade reconhecer e premiar o mérito dos professores. Se o fizer está a mentir, está a enganar: professores, alunos, pais, opinião pública. É uma ideia falsa que induz comportamentos desadequados e expectativas infundadas.»
Tentei explicar, nos quatro posts anteriores, por que razões, na minha opinião, um modelo de avaliação que tenha essa finalidade «está a mentir, está a enganar». Tentarei explicar agora por que razão afirmo que esse modelo também «induz comportamentos desadequados e expectativas infundadas».

Apresentar, social e profissionalmente, o reconhecimento e a premiação do mérito como aquilo que de mais elevado um profissional pode almejar significa introduzir, de modo mais directo ou menos directo, um outro elemento no processo: o elemento competitividade.
E se, em simultâneo, se diz que o reconhecimento e a premiação do mérito estão dependentes de um sistema de quotas (o que é claramente contraditório com o alegado desejo de reconhecer o mérito — curiosamente, nesta circunstância, já se aceita, de modo pacífico, a possibilidade de haver mérito não reconhecido e não premiado... — e mais contraditório é com o alegado imperativo moral do seu reconhecimento...), então já não estamos perante uma introdução indirecta do elemento competitividade, estamos perante uma opção deliberada de introdução da competitividade, como factor nuclear do processo.
A competitividade está pois, de um modo ou de outro, sempre associada à questão do mérito. É disso, então, que agora teremos de tratar: o problema da competitividade no desempenho docente.
Mas antes dessa abordagem específica, um breve apontamento acerca da competitividade, em geral.
A par do mérito e da avaliação, a competitividade é outro dos mitos emergentes, que tem medrado abundantemente. Não há sector de actividade em que não se fale de competitividade: todos temos de ser competitivos, a competitividade gera qualidade, a competitividade leva à inovação, a competitividade isto e aquilo... Apresentam-nos, depois, exemplos de competitividade que normalmente começam em Hong Kong, passam pelos Estados Unidos e acabam em Mourinho. Este último é, aliás, apresentado como o melhor exemplo de um português altamente competitivo e repleto de êxito. Sinónimo disso é a sua recente escolha como imagem de marca de um banco, que se quer muito competitivo. Publicamente, este treinador é a encarnação da competitividade.
Eu concordo que este treinador é a encarnação da competitividade, entendida como um valor em si mesmo. E é um bom exemplo para se compreender a realidade a que nos remete a competitividade.
Quando se elege a competitividade como valor primeiro, estamos normalmente a dizer que são os resultados aquilo que mais vale. Estamos a dizer que os resultados sobrelevam sobre os processos, e estamos, na prática, a dizer que o fins justificam os meios — os defensores do mito competitividade não  aceitam como verdadeira esta última afirmação (moralmente colide com valores cristãos, de que a maioria deles se reclama, pelo menos publicamente), mas ela é verdadeira.
Como é verdadeiro afirmar que os resultados alcançados são sempre, e deliberadamente, utilizados para encobrir e/ou desvalorizar os meios. Aquele que é considerado como verdadeiramente competitivo é aquele que vence; e a vitória é aquilo que é necessário valorizar até à idolatração, para que nada do processo ofusque o resultado. A cultura da competitividade é a cultura dos resultados. É neste contexto que, relativamente ao treinador em causa, se faz deliberadamente a absolvição pública da boçalidade, da má educação, do insulto, da crítica grotesca em que ele é pródigo. É igualmente neste contexto que, para os cultores dos resultados, é deliberadamente menorizada a deficiente qualidade «artística» do futebol praticado pelas equipas que ele treina. A qualidade do espectáculo desportivo é prejudicada pelos processos tácticos daquele treinador, mas isso é subvalorizado em favor dos resultados alcançados.
Esta é a cultura da competitividade, que, directa ou indirectamente, incentiva o que não devia ser incentivado (o resultado pelo resultado) e que absolve o que não devia ser absolvido.
Referi este treinador, apenas porque ele é apresentado como um exemplo ilustrativo do arquétipo do homo competitus. Ora é este arquétipo que eu rejeito. E este é o arquétipo que se quer exportar para a docência.

Será, portanto, da aplicação do arquétipo do homo competitus na docência que tentarei tratar na próxima semana, porque esta escrita já vai demasiado extensa e o fim-de-semana já começou...

Faltam 9 dias

Faltam 9 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem fez o PEC1 e garantiu que, no futuro, não seriam necessários mais sacrifícios; por quem fez o PEC2 e garantiu que daquele vez é que era, que, seguramente, não seria preciso pedir aos portugueses mais austeridade; por quem fez o «PEC3» (Orçamento de Estado de 2011) e voltou a jurar (depois de retirar parte dos salários aos profissionais do Estado, de aumentar os impostos e congelar as pensões) que, a partir dali, não haveria mais medidas gravosas; por quem, decorridos três meses, quis impor um PEC4; e por quem, finalmente, acabou por obrigar o país a fazer um vexatório pedido de empréstimo ao estrangeiro.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quinta da música - Luigi Boccherini

Faltam 10 dias


Faltam 10 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem fez da política educativa uma gigantesca encenação: (pseudo) avaliação docente competente; (pseudo) Novas Oportunidades credíveis; (pseudo) modelo de gestão democrático; (pseudo) autonomia das escolas; (pseudo) optimização de recursos com a criação de mega-agrupamentos; (pseudo) preocupações pedagógicas; (pseudo) reconhecimento do valor dos professores; (pseudo)...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Impedimentos

Por responsabilidade das elites que nos governam, política e financeiramente, estamos a viver um momento mau e iremos viver, nos próximos anos, momentos péssimos. Se nada fizermos, o nível de vida que cada um tinha, há um ou dois anos, irá descer de forma drástica e, para muitos, para além de drástica será de forma dramática.
Todos nós sentimos uma mais que legítima indignação pela gravíssima situação a que esses responsáveis nos conduziram. E a indignação aumenta, quando os observamos a passear, de terra em terra, com o mesmo à vontade com que levaram Portugal e os portugueses à ruína.
É inaceitável que aquilo a que se chama responsabilidade política acabe por ser sinónimo de impunidade cívica. O pior que pode acontecer a um político português que conduz o seu país à bancarrota é perder as eleições (se as perder...). Nada mais acontece. Conduz à ruína milhares de famílias, deixa um rasto de miséria e sofrimento e, sobre isso, nunca prestará contas. A impunidade cívica é total.

Que nos resta? Se atendermos aos discursos dominantes, nada nos resta, que não seja a aceitação deste fado. De duas formas: ou, ainda que raiando o absurdo, reelegendo quem nos trouxe até aqui, ou elegendo quem, não nos tendo trazido até aqui, nada de substancialmente diferente tem para propor. Vivemos há cerca de trinta e cinco anos governados pelos mesmos, ou, melhor, pelas mesmas políticas. PS, PSD e CDS tiveram trinta e cinco anos para mostrar o que valem. Valem isto a que chegámos.
Curiosamente, estes três partidos apresentam-se como exclusivos representantes da responsabilidade: eles  são os partidos responsáveis, os outros são os partidos irresponsáveis. A perplexidade chega quando verificamos que foi a «responsabilidade» que nos trouxe até aqui: à bancarrota e à disseminação da miséria.
O realismo, a sensatez, o bom senso, o equilíbrio são outros dos atributos reivindicados em exclusivo por esta outra troika (PS, PSD, CDS); por sua vez, o irrealismo, o aventureirismo, o radicalismo são características atribuídas às restantes forças políticas. A perplexidade chega quando verificamos que foi precisamente o «realismo», a «sensatez», o «bom senso» e o «equilíbrio» que nos trouxeram até aqui...
Esta história que coloca os bons de um lado e os maus do outro é enternecedora, como qualquer história infantil o é, mas não passa disso, não passa de uma história com enredo infantil, ainda que contada a adultos; todavia, é uma história que, diferentemente do conto infantil, não acaba bem, acaba mal.

É, pois, em nome do realismo, da sensatez, do bom senso, do equilíbrio e da responsabilidade que me sinto impedido de votar em quem há trinta e cinco anos domina a política portuguesa e deixou o país no estado em que está.

Às quartas

POEMA BARROCO

Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.

O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem de Nossa Senhora das Vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.

Preciso conhecer meu sistema de artérias
E saber até que ponto me sinto limitado
Pelos sonhos a galope, pelas últimas notícias de massacres,
Pelo caminhar das constelações, pela coreografia dos pássaros,
Pelo labirinto da esperança, pela respiração das plantas,
E pelos vagidos da criança recém-parida na Maternidade.

Preciso conhecer os porões da minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.

É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também pede auxílio.

Murilo Mendes

terça-feira, 24 de maio de 2011

Bonecos de palavra

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos).


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Manifesto dos economistas aterrorizados - 6

Falsa certeza n.º 6: A dívida pública transfere o custo dos nossos excessos para os nossos netos.

A afirmação de que a dívida pública constitui uma transferência de riqueza que prejudica as gerações futuras é outra afirmação falaciosa, que confunde economia doméstica com macroeconomia. A dívida pública é um mecanismo de transferência de riqueza, mas é-o sobretudo dos contribuintes comuns para os rentistas. 

De facto, baseando-se na crença, raramente comprovada, de que a redução dos impostos estimula o crescimento e aumenta, posteriormente, as receitas públicas, os Estados europeus têm vindo a imitar os Estados Unidos desde 1980, adoptando uma política sistemática de redução da carga fiscal. Multiplicaram-se as reduções de impostos e das contribuições para a segurança social (sobre os lucros das sociedades, sobre os rendimentos dos particulares mais favorecidos, sobre o património e sobre as cotizações patronais), mas o seu impacto no crescimento económico continua a ser muito incerto. As políticas fiscais anti-redistributivas agravaram, por sua vez, e de forma acumulada, as desigualdades sociais e os défices públicos. 

Estas políticas de redução fiscal obrigaram as administrações públicas a endividar-se junto dos agregados familiares favorecidos, através dos mercados financeiros, de modo a financiar os défices gerados. É o que se poderia chamar de "efeito jackpot ": com o dinheiro poupado nos seus impostos, os ricos puderam adquirir títulos (portadores de juros) da dívida pública, emitida para financiar os défices públicos provocados pelas reduções de impostos… Por esta via, o serviço da dívida pública em França representa 40.000 milhões de euros, quase tanto como as receitas do imposto sobre o rendimento. Mas esta jogada é ainda mais brilhante, pelo facto de ter conseguido convencer a opinião pública de que os culpados da dívida pública eram os funcionários, os reformados e os doentes. 

O aumento da dívida pública na Europa ou nos Estados Unidos não é portanto o resultado de políticas keynesianas expansionistas ou de políticas sociais dispendiosas, mas sim o resultado de uma política que favorece as camadas sociais privilegiadas: as "despesas fiscais" (descida de impostos e de contribuições) aumentaram os rendimentos disponíveis daqueles que menos necessitam, daqueles que desse modo puderam aumentar ainda mais os seus investimentos, sobretudo em Títulos do Tesouro, remunerados em juros pelos impostos pagos por todos os contribuintes. Em suma, estabeleceu-se um mecanismo de redistribuição invertido, das classes populares para as classes mais favorecidas, através da dívida pública, cuja contrapartida é sempre o rendimento privado. 

Para corrigir de forma equitativa as finanças públicas na Europa e em França, colocamos em debate duas medidas: 
Medida n.º 12: Atribuir de novo um carácter fortemente redistributivo à fiscalidade directa sobre os rendimentos (supressão das deduções fiscais, criação de novos escalões de impostos e aumento das taxas sobre os rendimentos…); 
Medida n.º 13: Acabar com as isenções de que beneficiam as empresas que não tenham um efeito relevante sobre o emprego.
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177 e do blogue Luis Nassif Online.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Notas

[A propósito das Novas Oportunidades] 
Ministro admite injustiças e muda regras de acesso ao ensino superior
— Alunos do ensino regular que forem ultrapassados pelos do Novas Oportunidades terão vagas adicionais —

Banco de Portugal dá 'puxão de orelhas' ao Governo
— Banco central acusa executivo de ter começado a consolidação orçamental tarde e de forma claramente insuficiente —

Uma factura gigante para pagar em seis anos
— Ajuda será paga entre 2016 e 2021. Nesse período vencem mais  €46,4 mil milhões em obrigações —
Expresso (21/5/2011)
Tarde e a más horas, o Governo (o Governo não, apenas o ministro do Ensino Superior — que, sobre isto, Sócrates não fala, deixa para os ministros, como sempre faz, a assunção da incompetência do Governo) parece que vai corrigir uma escandalosa injustiça: os alunos oriundos dos cursos das Novas Oportunidades não só tinham a possibilidade de fazer o ensino secundário em menos de metade do tempo do que os alunos do ensino regular, como, para além disso, poderiam fazer menos de metade dos exames para aceder ao ensino superior. Mas esta situação é apenas uma consequência do que está mal nas Novas Oportunidades, e que a irresponsabilidade política e a demagogia pretendem a todo o custo esconder.

É óbvio que ninguém condena ou sequer critica todos aqueles que querem, com sacrifício pessoal, aumentar a sua formação e a sua qualificação. Pelo contrário, essas pessoas devem ser publicamente elogiadas, devem ser apontados como um exemplo. O que ninguém pode aceitar é que se engane essas pessoas e o país. Não se pode dizer a pessoas que têm o 6.º ano de escolaridade que podem obter o certificado do 9.º ano em menos de meia dúzia de meses. Isto não é sério. Isto tem um nome: é uma fraude. É uma fraude para os próprios, é uma fraude para o país. Mas é isto que acontece e tem acontecido a milhares de alunos. Falo do que sei, falo do que conheço directamente. Estes alunos, a quem lhes foi certificado o 9.º ano de escolaridade, é-lhes formalmente dito (pelo diploma que obtêm) que estão capacitados para entrar no ensino secundário, que estão possuidores dos pré-requisitos para frequentarem o 10.º ano. E isto que lhes é dito é uma fraude, porque, tirando casos excepcionais, muitos destes alunos não possuem, como é óbvio, esses pré-requisitos (vários deles, têm níveis de literacia equivalentes a alunos do 6.º ano ou menos). E um processo em vários aspectos semelhante se passa a nível do ensino secundário, para a obtenção do diploma do 12.º ano.

Isto é feito porquê? Porque, nos últimos seis anos, temos sido governados por políticos que não olham a meios para atingir os seus fins. Não se importam de promover gigantescas encenações apenas para obter resultados estatísticos, enganando toda a gente, cá dentro e lá fora. Não é por acaso que a avaliação externa à Iniciativa Novas Oportunidades não avalia a qualidade e o rigor das aprendizagens dos alunos que de lá saem certificados. Se houvesse seriedade, teria, evidentemente, de avaliar.
O problema é difícil de resolver? Não, não há dificuldade em o resolver. Basta distinguir  curricular e formalmente dois tipos de formação: uma formação que vise a aquisição de conhecimentos e de competências equivalentes ao 9.º ano e ao 12.º ano e que capacite para o prosseguimento de estudos, tendo, para isso, uma estrutura curricular adequada a esse fim;  outra formação dirigida a quem pretende apenas um enriquecimento cultural e a aquisição de competências básicas, em domínios a definir, não tendo por objectivo o prosseguimento dos estudos.
Estas formações distintas darão lugar a certificados/diplomas distintos.
Qual é o problema que isto levanta? Não permite facilitismos nem encenações estatísticas, o que, para o actual poder político, é impensável.
Quanto ao resto dos títulos dos jornais, confirma-se o que já se sabia: 
— o Banco de Portugal acusa o Governo de negligência grosseira; 
— o acordo com o FMI  e com a UE é um desastre para o país.

domingo, 22 de maio de 2011

Pensamentos de domingo

«Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo.»
Jorge Santayana

«Nunca interrompas o teu inimigo enquanto estiver a cometer um erro.»
Napoleão Bonaparte

«Geralmente levo mais de três semanas a preparar um discurso de improviso.»
Mark Twain
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Pedro Burmester, Mário Laginha, Bernardo Sassetti

sábado, 21 de maio de 2011

Faltam 15 dias




Faltam 15 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados por quem espoliou os profissionais do Estado de uma parte do seu salário, e por quem, há dois meses, se preparava para espoliar os pensionistas, de mais baixos rendimentos, de uma parte das suas pensões.

Ao sábado: momento quase filosófico

O espelho chinês

«Um espelho é muitas vezes acessório do sonho.
Um lavrador chinês foi à cidade vender o seu arroz. A mulher pediu-lhe:
— Se fazes favor, traz-me um pente.
Na cidade vendeu o seu arroz e foi beber com os amigos. No momento de partir, lembrou-se da mulher. Tinha-lhe pedido qualquer coisa, mas o quê? Impossível recordar-se. Comprou um espelho numa loja para senhoras e voltou para a aldeia.
Deu o espelho à mulher e saiu de casa para ir para o campo. A mulher viu-se ao espelho e pôs-se a chorar. A sua mãe, que a viu a chorar, perguntou-lhe a razão daquelas lágrimas.
A mulher estendeu-lhe o espelho, dizendo:
— O meu marido reduziu-me a Segunda Esposa.
A mãe pegou por sua vez no espelho, olhou-o e disse à filha:
— Não tens que te inquietar, ela é já muito velha.»
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Erros a não repetir - 4

Tópico 2 - Avaliação como meio de premiação do mérito (continuação)

No post da semana passada, fiz, a partir de um consensualizado conceito de mérito, que os dicionários consagram, algumas observações acerca da dificuldade/impossibilidade do mérito docente ser avaliado de modo credível, fiável e universal. 
Hoje proponho que, independentemente das dificuldades/impossibilidades técnicas relativas à definição e à avaliação do mérito de um professor, se faça uma breve incursão ao próprio conceito. 

A acção de promover uma sociedade meritocrática, isto é, uma sociedade que tem como uma das suas principais metas a promoção e a premiação do mérito, é apresentada, no meio de outras razões, como um imperativo da ordem da moralidade: incentivar e premiar o mérito surge como uma acção indubitavelmente justa e inquestionavelmente boa. Daí se retira, como consequência natural, que a avaliação do desempenho, neste caso, docente, deve estar fundada neste pressuposto: é necessário e justo incentivar e premiar o mérito. 
Aparentemente, este pressuposto é óbvio. Mas, na minha opinião, apenas aparentemente. 

No séc. XVIII, Kant defendeu que, no domínio da moral, o verdadeiro mérito consistia no cumprimento do dever pelo dever, isto é, no cumprimento do dever de forma desinteressada — cumprimos um dever apenas por uma razão, porque o consideramos isso mesmo: um dever. 
Se cumprirmos um dever a pensar na recompensa que daí possa advir, essa acção, para Kant, já não é meritória. É certo, acrescentava ele, que se cumpre na mesma o dever, mas esse cumprimento já não tem mérito, porque aqui não é verdadeiramente o cumprimento do dever que nos move, mas sim aquilo que interesseiramente poderemos ganhar com esse cumprimento (bens materiais, honrarias, etc.). 
Socorro-me deste filósofo, não porque seja um defensor da moralidade kantiana, mas porque, neste estrito domínio do dever, considero particularmente pertinentes vários passos do seu pensamento e potenciadores de uma reflexão séria sobre os conceitos de dever e de mérito. 
Penso, seguindo, neste ponto, Kant, ser de muito duvidosa sustentação moral instituirmos um sistema (seja ele de que natureza for) assente no pressuposto de que quem cumpre o dever deve ser premiado. Este pressuposto não só subverte a noção de dever, como leva à sua degradação. (E, consequentemente, inquina a relação que, depois, se tem de estabelecer entre deveres e direitos — o que é um tema igualmente interessante, mas que não é o assunto deste post).
Independentemente do desenvolvimento que este filósofo dá a esta matéria, há aqui um elemento que me parece de particular relevância, e que é: para haver mérito, aquilo que fazemos (cumprir o nosso dever) tem de ser feito como um fim em si mesmo e não como um meio para atingir um fim. Ora, esta cultura de dever e de mérito tem consequências nos padrões de comportamento cívico e profissional: uma coisa é agir por dever, pelo respeito que se tem a esse dever, e outra coisa, bem diferente, é cumprir um dever que está associado ao recebimento de um prémio. 
Em Portugal, não existe uma cultura de dever e de mérito dissociados da premiação, mas ela existe em países do norte da Europa. Provavelmente, um dos factores que explica um certo nosso comportamento desleixado, por vezes pouco exigente connosco próprios e com os outros, outras vezes pouco assertivo, é a ausência deste elemento cultural. Todavia, a assimilação desta cultura, de modo a que haja uma duradoira melhoria dos nossos desempenhos enquanto cidadãos e/ou enquanto profissionais, não se alcança pela cultura do «prémio». A cultura do «prémio» não se pode constituir como um princípio ético sobre o qual assenta a moral social. Essa cultura já conduziu, por exemplo, algumas sociedades a premiar com dinheiro os alunos que não faltam às aulas, isto é: por cumprirem o seu dever de assiduidade, os alunos recebem um prémio monetário. Assim se desenvolve uma completa e perigosa inversão de valores. 
A cultura do «prémio» deve, pois, ser comutada por uma cultura da responsabilidade/dever. A cultura em que o «fazer bem» é assumido como um dever de cada um, sem direito a prémio.
Neste sentido, os sistemas de avaliação do desempenho não devem ser pensados para premiar o mérito, como explicitamente o enuncia o actual modelo de avaliação docente e como enfaticamente o discurso político o publicita.

A avaliação dos professores deve ser pensada, isso sim, com a finalidade de melhorar o desempenho docente, de modo a que os alunos possam ter melhores aprendizagens. 
Vemos assim que: 
i) do ponto de vista técnico — pelas dificuldades/impossibilidades que a definição do mérito e a sua verificabilidade suscitam (cf. post da última semana), associada à impossibilidade de ser definido um paradigma de professor (cf. post da penúltima e antepenúltima semanas) — é isto (melhorar o desempenho) que, na minha opinião, uma avaliação do desempenho docente pode fazer, de modo sério e credível;

ii) do ponto de vista ético/moral, pelas razões acima resumidamente expostas, é isto (melhorar o desempenho) que, na minha opinião, uma avaliação do desempenho deve fazer. 

Ligações a outros posts relacionados com a ADD: 

Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente 
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora

De Espanha, bons ventos - 2

«Protestos espanhóis da Porta do Sol chegaram à Avenida da Liberdade»
                

De Espanha, bons ventos - 1

«A chuva molha mas não dissolve»
«Protestos espanhóis internacionalizam-se e chegam às principais capitais europeias.»
                  

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 5

Falsa certeza n.º 5: É preciso reduzir as despesas para diminuir a dívida pública.

Mesmo que o aumento da dívida pública tivesse resultado, em parte, de um aumento das despesas públicas, o corte destas despesas não contribuiria necessariamente para a solução, porque a dinâmica da dívida pública não tem muito que ver com a de uma casa: a macroeconomia não é redutível à economia doméstica. A dinâmica da dívida depende de vários factores: do nível dos défices primários, mas também da diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento nominal da economia. 

Ora, se o crescimento da economia for mais débil do que a taxa de juro, a dívida cresce mecanicamente devido ao "efeito de bola de neve": o montante dos juros dispara, o mesmo sucedendo com o défice total (que inclui os juros da dívida). Foi assim que, no início da década de noventa, a política do franco forte levada a cabo por Bérégovoy – e que se manteve apesar da recessão de 1993/94 – se traduziu numa taxa de juro durante muito tempo mais elevada do que a taxa de crescimento, o que explica a subida abrupta da dívida pública em França neste período. Trata-se do mesmo mecanismo que permite compreender o aumento da dívida durante a primeira metade da década de oitenta, sob o impacto da revolução neoliberal e da política de taxas de juro elevadas, conduzidas por Ronald Reagan e Margaret Thatcher. 

Mas a própria taxa de crescimento da economia não é independente da despesa pública: no curto prazo, a existência de despesas públicas estáveis limita a magnitude das recessões ("estabilizadores automáticos"); no longo prazo, os investimentos e as despesas públicas (educação, saúde, investigação, infra-estruturas…) estimulam o crescimento. É falso afirmar que todo o défice público aumenta necessariamente a dívida pública, ou que qualquer redução do défice permite reduzir a dívida. Se a redução dos défices compromete a actividade económica, a dívida aumentará ainda mais. Os comentadores liberais sublinham que alguns países (Canadá, Suécia, Israel) efectuaram ajustes brutais nas suas contas públicas nos anos noventa e conheceram, de imediato, um forte salto no crescimento. Mas isso só é possível se o ajustamento se aplicar a um país isolado, que adquire novamente competitividade face aos seus concorrentes. Evidentemente, os partidários do ajustamento estrutural europeu esquecem-se que os países têm como principais clientes e concorrentes os outros países europeus, já que a União Europeia está globalmente pouco aberta ao exterior. Uma redução simultânea e maciça das despesas públicas, no conjunto dos países da União Europeia, apenas pode ter como consequência uma recessão agravada e, portanto, uma nova subida da dívida pública. 

Para evitar que o restabelecimento das finanças públicas provoque um desastre social e político, lançamos para debate duas medidas: 
Medida n.º 10: Manter os níveis de protecção social e, inclusivamente, reforçá-los (subsídio de desemprego, habitação…); 
Medida n.º 11: Aumentar o esforço orçamental em matéria de educação, de investigação e de investimento na reconversão ecológica e ambiental…tendo em vista estabelecer as condições de um crescimento sustentável, capaz de permitir uma forte descida do desemprego.


Adaptado de Courrier internacional, n.º 177 e do blogue Luis Nassif Online.

Quinta da música - Domenico Scarlatti

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Oportunidades e indecências

A campanha eleitoral de Sócrates e do PS tornou-se, do ponto de vista polítco, uma indecência.
Há certamente algo de muito grave que, a todo o custo, Sócrates e o PS querem esconder dos portugueses. Só assim se compreende que ambos não olhem a meios para tentar impedir toda e qualquer  iniciativa que pretenda escrutinar alguns dos domínios da actividade governativa.
Há cerca de mês e meio, a recusa liminar de uma auditoria às contas públicas foi o primeiro sinal objectivo de que algo de grave existe e que está escondido. O medo de que essa auditoria se fizesse tornou claro que Sócrates e o PS não querem que a realidade seja conhecida. Se for verdade que quem não deve não teme, então, o temor a este propósito evidenciado por Sócrates e pelo PS fala por si.
Ontem, a recusa quase histérica de uma auditoria à qualidade das aprendizagens da Iniciativa Novas Oportunidades confirmou a suspeita de que algo de muito grave deve estar escondido nos meandros deste programa. Se a Iniciativa Novas Oportunidades é um oceano de virtudes, se é um mundo de qualidade, de seriedade e de rigor, de onde surge o temor? Por que razão ficam em pânico, quando se propõe essa medida? Não deveriam Sócrates e o PS revelar satisfação com a possibilidade de verem confirmada publicamente a excelência das Novas Oportunidades, por via de uma auditoria externa à qualidade das aprendizagens que lá se realizam?

Argumentam que essa auditoria está a ser feita.
Todos sabemos, porque foi amplamente publicitado, que uma equipa dirigida por Roberto Carneiro tem a função de proceder à avaliação externa da Iniciativa Novas Oportunidades (INO). Todavia, essa avaliação externa, estranhamente, ainda não contemplou a qualidade das aprendizagens realizadas. Acerca do relatório de avaliação de 2009, Roberto Carneiro disse de modo claro: "O nosso objectivo não é avaliar o rigor e a qualidade da INO. Avaliámos foi a percepção das pessoas sobre a INO". Portanto, acerca do mais importante, o relatório de 2009 disse nada. Aquilo que é determinante não foi avaliado, em 2009. 
E em 2010? O relatório de 2010 já nos dá alguma avaliação sobre essa matéria? 
O relatório abrange seis domínios. Onde, basicamente, se conclui o seguinte:
— a marca Novas Oportunidades é uma marca conhecida de muita gente (a novel moda dos experts do marketing e da gestão é tratar tudo pelo termo «marca»...);
— os adultos que já contactaram com a INO ficaram satisfeitos, nomeadamente com as equipas e com as instalações;
— o sistema RVCC é o mais procurado;
— a iniciativa continua a ter cada vez mais adesões e a opinião dos inscritos é muito favorável;
— os centros NO realizam auto-avaliação.

Até aqui, como se pode ver, a avaliação realizada nada diz acerca da qualidade das aprendizagens. Contudo, no meio deste cinco domínios, surge mais um, sintomaticamente o menos extenso, que aborda, de forma surpreendentemente sucinta e inexplicavelmente genérica, as aprendizagens e as competências. E o que ficámos a saber sobre a avaliação que foi feita nesta matéria? Ficámos a saber que houve uma melhoria das «soft-skills», mas que os verdadeiros ganhos registaram-se a nível do ler, do escrever, do comunicar oralmente e no uso do computador e da Internet. E pronto, a isto se resume a avaliação que existe sobre aprendizagens e competências!
Pergunto: é esta, então, a tal avaliação que, segundo Sócrates e Vieira da Silva, credibiliza a qualidade das aprendizagens realizadas nos cursos das Novas Oportunidades? É esta, então, a apregoada avaliação que assegura o bom trabalho realizado nas NO? Os milhares de alunos, a quem já foram entregues diplomas de 9.º e 12.º anos, obtiveram os seus principais ganhos apenas no ler, no escrever, no comunicar e na utilização do  computador?! É isto que se espera de um aluno que fica certificado com o 9.º ano? E com o 12.º ano é isto que se espera?! É esta a tal avaliação que sustenta a qualidade das NO??
De facto, não é o coxo aquele que é mais fácil de apanhar.

A indecência política é, pois, clara, a dois níveis.
A indecência revela-se a nível da utilização falaciosa de uma avaliação externa que ainda não avaliou o que é verdadeiramente importante avaliar, isto é, ainda não avaliou a qualidade das aprendizagens e das competências adquiridas na INO. E, portanto, neste domínio, ainda não deu nenhuma credibilização ao programa, ao invés do que diz Sócrates e o PS.
Pelo contrário, o pouquíssimo que esta avaliação afirma até indicia o contrário.
Mas a indecência revela-se também a outro nível: revela-se no despudor com que se tenta manipular eleitoralmente quem frequenta as Novas Oportunidades. Dizer-se, como Sócrates diz, que as críticas às NO são sinónimo de falta de respeito pelos alunos, que com esforço estudam à noite, é revelador de vil e inigualável hipocrisia. Para além de Sócrates ser destituído de autoridade moral para proferir acusações seja a quem for, o facto é que quem não respeita estes alunos são aqueles que lhes vendem a ilusão de que, pela via das NO, obterão uma formação e uma certificação de qualidade e de reconhecimento social comparáveis às que são obtidas pelos alunos do ensino regular.
Na caça ao voto não pode valer tudo. Mas, para Sócrates e para o PS, sempre valeu tudo e continua a valer tudo, mesmo que seja politicamente indecente.

P.S. Lamentavelmente, Sócrates, neste capítulo da manipulação eleitoral dos alunos das Novas Oportunidades, não está sozinho. Louçã, ontem, na televisão, não resistiu à tentação e quase foi uma réplica do líder do PS, na mesma demagogia eleitoral.

As semelhanças com a realidade são coincidência

Às quartas

O ANJO

De pé com a sua estatura de lembranças,
claro como a água erguida contra a luz,
o amante da pobreza
constrói a minha biografia.
Amo o ser infatigável que me fere com silêncios.
Danço em redor do seu paraíso
como um cão solícito,
onde abandonei a nostalgia
agora serenamente mortal.
Se a sua espada incandescente de memória
repousasse como o meu sangue em suas noites!
Porém, está aqui
como o álamo hirto em sua perfeição,
com a asa lenta, quase fluvial,

sobre o ombro,
sobre este lugar de carne determinada e libertária.
A perscrutar se há uma cruz,
se existe mesmo uma leve dor atenuada.
Volta o rosto poderoso
como uma dália com a energia
intolerável do carvalho,
como a estrela com a fúria agitada
e rútila do relâmpago.

Pablo Antonio Cuadra
(Trad.: Jorge Henrique Bastos)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 4

Falsa certeza n.º 4:  A subida espectacular das dívidas públicas é o resultado de um excesso de despesas.

Michel Pébereau, um dos "padrinhos" da banca francesa, descrevia em 2005, num dos seus relatórios oficiais ad hoc, uma França asfixiada pela dívida pública e que sacrificava as suas gerações futuras ao entregar-se a gastos sociais irreflectidos. O Estado endividava-se como um pai de família alcoólico, que bebe acima das suas posses: é esta a visão que a maioria dos editorialistas costuma propagar. A explosão recente da dívida pública na Europa e no mundo deve-se porém a outra coisa: aos planos de salvamento do sector financeiro e, sobretudo, à recessão provocada pela crise bancária e financeira que começou em 2008: o défice público médio na zona euro era apenas de 0,6% do PIB em 2007, mas a crise fez com que passasse para 7%, em 2010. Ao mesmo tempo, a dívida pública passou de 66% para 84% do PIB. 

O aumento da dívida pública, contudo, tanto em França como em muitos outros países europeus, foi inicialmente moderado e antecedeu esta recessão: provém, em larga medida, não de uma tendência para a subida das despesas públicas – dado que, pelo contrário, desde o início da década de noventa estas se encontravam estáveis ou em declínio na União Europeia, em proporção do PIB – mas sim à quebra das receitas públicas, decorrente da debilidade do crescimento económico nesse período e da contra-revolução fiscal que a maioria dos governos levou a cabo nos últimos vinte e cinco anos. A longo prazo, a contra-revolução fiscal alimentou continuamente a dilatação da dívida, de recessão em recessão. Em França, um recente estudo parlamentar situa em 100.000 milhões de euros, em 2010, o custo das descidas de impostos, aprovadas entre 2000 e 2010, sem que neste valor estejam sequer incluídas as exonerações relativas a contribuições para a segurança social (30.000 milhões) e outros "encargos fiscais". Perante a ausência de uma harmonização fiscal, os Estados europeus dedicaram-se livremente à concorrência fiscal, baixando os impostos sobre as empresas, os salários mais elevados e o património. Mesmo que o peso relativo dos factores determinantes varie de país para país, a subida quase generalizada dos défices públicos e dos rácios de dívida pública na Europa, ao longo dos últimos trinta anos, não resulta fundamentalmente de uma deriva danosa das despesas públicas. Um diagnóstico que abre, evidentemente, outras pistas para além da eterna exigência de redução da despesa pública. 

Para instaurar um debate público informado acerca da origem da dívida e dos meios de a superar, colocamos em debate uma proposta: 
Medida n.º 9: Efectuar uma auditoria pública das dívidas soberanas, de modo a determinar a sua origem e a conhecer a identidade dos principais detentores de títulos de dívida e os respectivos montantes que possuem.
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177, e do blogue Luis Nassif Online.

(Nota minha: curiosamente, esta é uma das medidas que Sócrates rejeita de forma liminar).

Bonecos de palavra.

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos).
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Notas

PS não diz como reduzirá a Taxa Social Única

É impossível pagar o resgate, diz o Bloco

Sócrates enfrenta protestos no novo hospital de Braga

Governo autoriza TAP a cortar subsídios em vez de salários
Público (13/5/11)

Catroga vai ficar calado... mas só até às eleições

PS aposta em esconder programa para atacar PSD

«O exemplo vem de cima e passa pela não inteireza cívica dos nossos dirigentes» (José Gil)
Expresso (14/5/11)

Sócrates acusou os outros partidos de ainda não terem programa eleitoral ou de anunciarem correcções ao programa que têm (respectivamente, CDS, BE e PSD). O curioso é Sócrates não ser acusado de ter feito um programa antes do acordo com a troika e, por consequência, já se encontrar fora do prazo de validade. Isto significa que, politicamente, o programa socialista já não existe, ou seja, tem de ser corrigido. Por conseguinte, Sócrates consegue o impossível: não tem programa e simultaneamente vai ter de o corrigir.
Isto é, faz dois em um, acumula em dobro as acusações que dirige aos outros e, contudo, vai passando incólume.

Sócrates vocifera contra os que quantificam a descida na TSU. Finalmente, houve alguém (Louçã) que lhe perguntou qual é a alternativa socialista nesta matéria. A resposta foi antológica: o PS ainda não estudou o assunto. Esta resposta merecia ter anúncio nos jornais, na televisão, na rádio e no cinema, diariamente, até 5 de Junho. A crise não o aconselha, eu sei, mas como se compreende que, pelo menos, os outros partidos e os jornalistas não inquiram Sócrates, de manhã, à tarde e à noite, sobre o assunto?

Catroga foi de férias. Nogueira Leite também vai? E Campos Leite? E Nobre? E Carrapatoso? E Canavarro? E...

Faltam 20 dias

Faltam 20 dias para decidirmos se queremos continuar a ser governados pela irresponsabilidade e pela incompetência.