sexta-feira, 30 de abril de 2010

Fragmenti veneris diei

Aí, do púlpito, Seaman falou da sua vida. Foi apresentado pelo reverendo Ronald K. Foster, se bem que pela maneira de o fazer se notasse que Seaman já ali havia estado antes. Vou falar de cinco temas, disse Seaman, nem um mais nem um menos. O primeiro tema é PERIGO. O segundo, DINHEIRO. O terceiro, COMIDA. O quarto, ESTRELAS. O quinto e último, UTILIDADE. As pessoas sorriram e alguns inclinaram a cabeça em sinal de aprovação, como se dissessem ao conferencista que concordavam, que não tinham nada melhor para fazer senão ouvi-lo. Num canto viu cinco rapazes, nenhum deles com mais de vinte anos, vestidos com casacos pretos, boinas pretas e óculos escuros que olhavam para Seaman com expressão aparvalhada e que tanto podiam estar ali para o aplaudir como para o insultar. No palco, o velho movia-se com as costas encurvadas de um lado para o outro, como se de repente tivesse esquecido o seu discurso. De improviso, a uma ordem do pastor, o coro cantou um gospel. A letra da canção falava de Moisés e do cativeiro do povo de Israel no Egipto. O próprio pastor acompanhava-os ao piano. Então Seaman voltou ao centro e levantou a mão (tinha os olhos fechados) e dali a poucos segundos cessaram as notas do coro e a igreja ficou em silêncio.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 287.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Petição pela redução do número de alunos por turma

O Movimento Escola Pública promove o lançamento da Petição Pública pela redução do número máximo de alunos por turma, esta quinta-feira, 29 de Abril, pelas 16h, na Livraria Ler Devagar (LXFactory - Rua Rodrigues de Faria, 103, Lisboa).

A Petição contém uma lista de primeiros subscritores de várias áreas da educação e será apresentada, em conferência de imprensa, por Miguel Reis (Professor, Movimento Escola Pública), Helena Dias (ex-Presidente da Federação Regional de Lisboa das Associações de Pais, Movimento Escola Pública) e Paulo Guinote (Professor, Autor do blogue “A Educação do Meu Umbigo”).

Com turmas mais pequenas é possível melhorar o combate ao insucesso escolar, ajudando igualmente a prevenir fenómenos de indisciplina. Trata-se de uma medida que reúne um consenso social alargado e que urge pôr em prática.

Às quartas

O Mar na Cidade

É este o mar que se arrasta pelos campos,
que rodeia os muros e as torres,
que levanta mãos como ondas
para avistar de longe sua presa ou sua deusa?

É este o mar que tímida, amorosamente
se perde por vielas e pracetas,
que invade jardins e lambe pés,
e lábios de estátuas quebradas e caídas?

Não se ouve outro rumor que o borbotar
da água pelas caves deslizando,
e esgotos, levando levemente
em peso folhas, pétalas, insectos.

Que busca o mar na cidade deserta,
abandonada até por cães e gatos,
mandadas calar as suas fontes todas,
mudos os ténues campanários?

A ronda inesgotável continua,
o mar arqueia o lombo e repete
sua canção, emissário da vida
devorando tudo o que é morto e putrefacto.

O mar, o terno mar, o mar das origens,
recomeça o velho trabalho:
limpar os estragos do mundo,
cobrir tudo com uma rosa dura e viva.

Emilio Adolfo Westphallen
(Trad.: José Bento)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sempre a mesma política do facilitismo

Um texto de Henrique Raposo, no sítio do Expresso.


O PS matou os professores

«I. Já não há palavras para descrever a podridão politicamente correcta que é o Ministério da Educação, e, por arrastamento, a escola pública. Os professores já estavam proibidos de chumbar aluno mesmo quando estes ignoram as matérias básicas. Agora, ficámos a saber que os professores deixam de ter a possibilidade de chumbar um aluno por faltas. É uma alegria, a escola pública. "Não tens de aprender, e nem sequer tens de ir às aulas", eis a herança que o facilitismo do PS deixa no ensino.


II. O socratismo destruiu a figura do professor. Fica a impressão de que o professor passou a ser um mero babysitter dos monstrinhos que os pais deixam na escola. O professor não tem a autoridade pedagógica para instruir, e também não tem autoridade moral para educar. O professor não pode instruir os alunos, porque o facilitismo impede rigor e exigência. Todos têm de passar, porque o ministério quer boas estatísticas. Resultado: milhares de pessoas chegam à faculdade sem saber escrever em condições. Depois, o professor não tem autoridade moral sobre os alunos. A falta de educação campeia pelas escolas. O fim do chumbo por faltas é só mais um prego no caixão da autoridade moral do professor. Nem por acaso, o i, há dias, trazia este desabafo de uma professora: "A partir do momento que,por exemplo, uma suspensão de uma aluno não conta como falta para acumular e para reprovar de ano, que efeito é que uma sanção destas pode ter?".»

Terças da MP - Ricardo Ribeiro e Rabih Abou-Khalil

Vale a pena ler

Um texto de Clara Ferreira Alves:
Strawberry fields forever
«O homens europeus descem sobre Marrocos com a missão de recrutar mulheres.
Nas cidades, vilas e aldeias é afixado o convite e as mulheres apresentam-seno local da selecção.
Inscrevem-se, são chamadas e inspeccionadas como cavalos ou gado nas feiras. Peso, altura, medidas, dentes e cabelo, e qualidades genéricas como força, balanço, resistência. São escolhidas a dedo, porque são muitas concorrentes para poucas vagas. Mais ou menos cinco mil são apuradas em vinte e cinco mil. A selecção é impiedosa e enquanto as escolhidas respiram de alívio, as recusadas choram e arrepelam-se e queixam-se da vida. Uma foi recusada porque era muito alta e muito larga.
São todas jovens, com menos de 40 anos e com filhos pequenos. Se tiverem mais de 50 anos são demasiado velhas e se não tiverem filhos são demasiado perigosas. As mulheres escolhidas são embarcadas e descem por sua vez sobre o Sul de Espanha, para a apanha de morangos. É uma actividade pesada, muitas horas de labuta para um salário diário de 35 euros. As mulheres têm casa e comida, e trabalham de sol a sol.
É assim durante meses, seis meses máximo, ao abrigo do que a Europa farta e saciada que vimos
reunida em Lisboa chama Programa de Trabalhadores Convidados. São convidadas apenas as mulheres novas com filhos pequenos, porque essas, por causa dos filhos, não fugirão nem tentarão ficar na Europa. As estufas de morangos de Huelva e Almería, em Espanha, escolheram-nas porque elas são prisioneiras e reféns da família que deixaram para trás. Na Espanha socialista, este programa de recrutamento tão imaginativo, que faz lembrar as pesagens e apreciações a olho dos atributos físicos dos escravos africanos no tempo da escravatura, olhos, cabelos, dentes, unhas, toca a trabalhar, quem dá mais, é considerado pioneiro e chamam-lhe programa de "emigração ética".
Os nomes que os europeus arranjam para as suas patifarias e para sossegar as consciências são um modelo. Emigração ética, dizem eles.
Os homens são os empregadores. Dantes, os homens eram contratados para este trabalho. Eram tão poucos os que regressavam a África e tantos os que ficavam sem papéis na Europa que alguém se lembrou deste truque de recrutar mulheres para a apanha do morango. Com menos de 40 anos e filhos pequenos.
As que partem ficam tristes de deixar o marido e os filhos, as que ficam tristes ficam por terem sido recusadas. A culpa de não poderem ganhar o sustento pesa-lhes sobre a cabeça. Nas famílias alargadas dos marroquinos, a sogra e a mãe e as irmãs substituem a mãe mas, para os filhos, a separação constitui uma crueldade. E para as mães também. O recrutamento fez deslizar a responsabilidade de ganhar a vida e o pão dos ombros dos homens, desempregados perenes, para os das mulheres, impondo-lhes uma humilhação e uma privação.
Para os marroquinos, árabes ou berberes, a selecção e a separação são ofensivas, e engolem a raiva em silêncio. Da Europa, e de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. A separação faz com que muitas mulheres encontrem no regresso uma rival nos amores do marido.
Que esta história se passe no século XXI e que achemos isto normal, nós europeus, é que parece pouco saudável. A Europa, ou os burocratas europeus que vimos nos Jerónimos tratados como animais de luxo, com os seus carrões de vidros fumados, os seus motoristas, as suas secretárias, os seus conselheiros e assessores, as suas legiões de servos, mais os banquetes e concertos, interlúdios e viagens, cartões de crédito e milhas de passageiros frequentes, perdeu, perderam, a vergonha e a ética. Quem trata assim as mulheres dos outros jamais trataria assim as suas.
Os construtores da Europa, com as canetas de prata que assinam tratados e declarações em cenários de ouro, com a prosápia de vencedores, chamam à nova escravatura das mulheres do Magreb "emigração ética". Damos às mulheres "uma oportunidade", dizem eles. E quem se preocupa com os filhos?
Gostariam os europeus de separar os filhos deles das mães durante seis meses? Recrutariam os europeus mães dinamarquesas ou suecas, alemãs ou inglesas, portuguesas ou espanholas, para irem durante seis meses apanhar morango? Não. O método de recrutamento seria considerado vil, uma infâmia social. Psicólogos e institutos, organizações e ministérios levantar-se-iam contra a prática desumana e vozes e comunicados levantariam a questão da separação das mães dos filhos numa fase crucial da infância. Blá, blá, blá. O processo de selecção seria considerado indigno de uma democracia ocidental. O pior é que as democracias ocidentais tratam muito bem de si mesmas e muito mal dos outros, apesar de querem exportar o modelo e estarem muito preocupadas com os direitos humanos. Como é possível fazermos isto às mulheres? Como é possível instituir uma separação entre trabalhadoras válidas, olhos, dentes, unhas, cabelo, e inválidas?
Alguns dos filhos destas mulheres lembrar-se-ão.
Alguns dos filhos destas mulheres serão recrutados pelo Islão.
Esta Europa que se presume de humana e humanista com o sr. Barroso à frente, às vezes mete nojo.»

O agradecimento ao Miguel Teixeira, pelo envio do texto.

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Registos do fim-de-semana

Teixeira impõe-se a Sócrates

Estética VIP no Estado
— Figuras da televisão e do espectáculo estão a fazer operações de estética no Hospital Egas Moniz à custa dos dinheiros públicos. O hospital alega que é para treinar os jovens cirurgiões —

Ministros chamados ao Rato

Procurador de Aveiro admite dar escutas à AR
Sol (23/4/10)

Grandes grupos económicos vão ficar isentos das mais-valias

Viagens de Inês de Medeiros custam até 2500 euros por mês

Portugal: Gripe A - taxa de mortalidade foi das mais altas
Público (23/4/10)

Silêncio de Rui Pedro Soares abre crise política

Juros da dívida portuguesa atingem novo recorde negativo

Taguspark queria 70% da TVI. OPA sobre a Media Capital estava em cima da mesa
i (23/4/10)

PT tinha pré-acordo de 115 milhões paara comprar a Media Capital

Mais-valias: admitida isenção fiscal de fundos de investimento
Público (24/4/10)

Rendeiro recebeu €3 milhões no ano em que o BPP faliu

«Há retórica na Constituição que lembra os discursos das Miss Mundo» (Paulo Teixeira Pinto)

Fim das tréguas na Educação

Vodafone corta telefone no Campus da Justiça
Expresso (24/4/10)

Milhares de preservativos serão distribuídos durante a visita do Papa Bento XVI

Professores prometem mais e novas formas de luta
Público (25/4/10)

domingo, 25 de abril de 2010

República de Abril

Estamos na República de Abril. Mas hoje não estamos em festa, pá! Hoje celebramos o passado de há 36 anos, mas não temos razões para celebrar o presente. Há 36 anos foi derrubada a ditadura, hoje é necessário derrubar a mediocridade que domina e governa Portugal. Hoje, quem nos representa não inspira o Mundo, como aconteceu há 36 anos, hoje, quem nos representa envergonha-nos perante o Mundo.
Os valores da Liberdade e da Solidariedade que Abril trouxe foram substituídos pela arrogância, pela prepotência e pelo individualismo. Foi este o ponto a que chegamos.
Agora, vamos ter de recuperar a vontade de novamente querermos ser livres, de novamente querermos ser solidários e de novamente querermos construir uma República melhor.

Uma Revolução que inspirou o Mundo

Foi há 36 anos!

sábado, 24 de abril de 2010

Uma verdadeira revolução tecnológica


O agradecimento ao António Magueija pelo envio deste vídeo.

Curiosidades

Uma ligação em que vale a pena clicar:

http://us.penguingroup.com/static/html/blogs/end-publishing

O agradecimento ao Miguel Teixeira pelo envio deste link.

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca do rigor da dúvida cartesiana

«Descartes propôs-se duvidar de tudo aquilo acerca do qual fosse possível duvidar, com a intenção de encontrar uma verdade que fosse inquestionável. E, assim, imaginou que seria possível duvidar da existência de um mundo exterior aos nossos pensamentos e, inclusivamente, das verdades matemáticas. Mas chegou também à conclusão de que, por muito exaustiva e metódica que seja a nossa dúvida, nunca poderemos duvidar de que estamos a duvidar. Uma vez que duvidemos, portanto, podemos duvidar de tudo menos da própria dúvida.
Como duvidar é uma forma de pensar, Descartes afirmou o tal "Penso, logo existo". E, a partir desta primeira evidência, acreditou que poderia demonstrar a existência de Deus, de onde deduzia em seguida a existência do mundo extramental. Assim, Deus converteu-se, para Descartes, na garantia do nosso conhecimento do mundo.
Não é de estranhar que Borges dissesse acerca disto: "Creio que o rigor de Descartes é aparente ou fictício. Tal vê-se no facto de que parte de um pensamento rigoroso e, no final, chega a algo tão extraordinário como a fé católica. Parte do rigor para chegar ao Vaticano."»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Subscrevo, na íntegra

A propósito de um recente comunicado do Secretariado Nacional da FENPROF que, no nosso entender, apenas revela o estado de desnorte e desorientação causada pelos gravíssimos acontecimentos dos últimos dias, a APEDE destaca e comenta algumas passagens do referido comunicado, não deixando de apresentar, no final, algumas questões que considera relevantes:

A FENPROF considera que não há aqui ingenuidade de ninguém; o que há, de facto, é uma estratégia bem definida que, objectivamente, converge com a do poder no sentido de fragilizar o movimento sindical docente e, em particular, a sua organização mais forte, mais representativa e mais combativa.”

Comentário da APEDE: A FENPROF não precisa de ninguém que a fragilize externamente, pois já o tem conseguido fazer por si mesma, como os acontecimentos dos últimos tempos bem demonstram.

Se existirem dúvidas sobre isto, deixamos uma sugestão “tira-teimas”: realizem reuniões nas escolas e entreguem aos professores um inquérito de “satisfação e qualidade de serviço”. No final, não se esqueçam de anunciar os resultados, algo que não fizeram depois da última consulta, aos professores, sobre as formas de luta a adoptar no 3º período do ano lectivo transacto.

Em último lugar, cremos que esta consideração sobre estratégias visando fragilizar a FENPROF não se aplicará à APEDE pois não passamos de uma organização “sem grande influência” junto dos colegas, como a FENPROF defende e escreveu na sua moção principal ao Congresso.

Escreve ainda a FENPROF no seu comunicado: “Traidores serão quantos, em momentos em que a unidade dos professores se torna mais importante, tudo fazem para a quebrar!”

Comentário da APEDE: Até poderíamos concordar. Assim de repente, lembramo-nos de algumas situações paradigmáticas, quanto à quebra da unidade dos professores:

- o Memorando de Entendimento,

- o anúncio de uma greve de um dia, para Janeiro, perante 120 mil professores, no dia 8 de Novembro,

- a falta de presença no 15 de Novembro e a recusa peremptória em denunciar o Memorando de Entendimento, uns 15 dias antes, em reunião conjunta com os movimentos,

- a falta de presença no 24 de Janeiro mesmo perante a abertura e decisão dos movimentos em adiar por uma semana a manifestação, com vista a uma convergência na luta, e escondendo a votação maioritária de apoio a essa manifestação realizada na Frente de Professores Contratados e Desempregados do SPGL,

- a entrega de OI por parte de sindicalistas,

- a greve de duas horas convocada, nas costas dos professores, no último período de grande mobilização da classe que ainda permitiu, no final de Maio, uma manifestação significativa, amplamente apoiada pelos movimentos,

- a falta de presença no 19 de Setembro com uma proposta (nunca desmentida) de um dirigente sindical do SPGL para o levantamento de processos disciplinares a quem agitasse bandeiras do sindicato nessa manifestação,

- o “Acordo de Princípios”,

- a estratégia negocial dos últimos meses, que redundou, para já, “numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, a não ser o desastre agora ocorrido com os concursos.

A APEDE já afirmou e demonstrou, por diversas vezes, que nunca sustentou ou orientou a sua acção numa perspectiva e postura anti-sindical. Mesmo porque os sindicatos têm um papel fundamental, um histórico de luta que nunca negámos e são, de acordo com a lei, os representantes dos professores nas negociações com o ME. O que nunca aceitaremos é que se confundam críticas à actuação das direcções sindicais, perfeitamente legítimas, embora incómodas, bem o sabemos (até por serem difíceis de controlar e conter), com acusações infundadas de traição à unidade na luta. Lembramos que a APEDE surgiu no contexto da grande contestação e revolta dos professores face às políticas educativas de José Sócrates e é nesse caminho que nos manteremos, firmes, determinados e conservando, como sempre, a nossa independência, recusando qualquer tipo de instrumentalização e enfrentando sem receios ou tibiezas qualquer tentativa de condicionamento ou menosprezo do trabalho que vamos desenvolvendo.

Continuar a ler aqui.

O agradecimento ao Ricardo Silva, da APEDE, pelo envio deste comunicado.

Fragmenti veneris diei

«Quincy Williams tinha trinta anos quando a mãe morreu. Uma vizinha ligara-lhe para o telefone do trabalho.
- Meu querido - dissera-lhe ela -, Edna morreu.
Perguntou quando. Ouviu os soluços da mulher do outro lado do telefone e outras vozes, provavelmente mulheres. Perguntou como. Ninguém lhe respondeu e desligou o telefone. Marcou o número da casa da mãe.
- Quem fala? - ouviu uma mulher a dizer com a voz colérica.
Pensou: a minha mãe está no inferno. Voltou a desligar. Ligou outra vez. respondeu-lhe uma mulher nova.
- Sou Quincy, o filho de Edna Miller - disse ele.
A mulher exclamou qualquer coisa que ele não entendeu e dali a pouco outra mulher agarrou no aparelho. Pediu para falar com a vizinha. Está na cama, responderam-lhe, acaba de lhe dar um ataque de coração. Quincy, estamos à espera que chegue uma ambulância para a levar para o hospital. Não se atreveu a perguntar pela sua mãe. Ouviu uma voz de homem que proferia um insulto. O tipo devia estar no corredor e a porta de casa da mãe aberta. Levou a mão à testa e esperou, sem desligar, que alguém lhe explicasse alguma coisa. Duas vozes de mulher repreenderam o que tinha blasfemado. Disseram um nome de homem, mas ele não conseguiu ouvi-lo com nitidez.
A mulher que escrevia na secretária ao lado perguntou-lhe se tinha acontecido alguma coisa. Levantou a mão como se estivesse a ouvir algo importante e fez um sinal negativo com a cabeça. A mulher continuou a escrever. Ao fim de um bocado, Quincy desligou, vestiu o casaco que estava pendurado nas costas da cadeira e disse que tinha de ir-se embora.

Quando chegou a casa da mãe só encontrou uma adolescente de uns quinze anos, que via televisão sentada no sofá. A adolescente levantou-se ao vê-lo entrar. Devia medir um metro e oitenta e cinco e era muito magra. Vestia jeans e por cima um vestido preto com flores amarelas, muito largo, como se fosse um blusão.
- Onde está? - perguntou ele.
- No quarto - disse a adolescente.
A mãe estava na cama, com os olhos fechados e vestida como se fosse sair para a rua. Até lhe tinham pintado os lábios. Só lhe faltavam os sapatos. Durante um bocado, Quincy permaneceu junto à porta, olhando para os pés: os dois dedos grandes tinham calos e também viu calos nas plantas dos pés, uns calos grandes que certamente a fizeram sofrer. Mas lembrou-se de que a mãe ia a um podólogo da Rua Lewis, um tal Sr. Johnson, sempre o mesmo, por isso também não devia ter sofrido muito por esse motivo.. Depois olhou para o seu rosto: parecia de cera.
- Vou-me embora - disse a adolescente na sala.
Quincy saiu do quarto e quis dar-lhe uma nota de vinte dólares, mas a adolescente disse-lhe que não queria dinheiro. Insistiu. Por fim, a adolescente pegou na nota e guardou-a no bolso das calças. Para o fazer teve de arregaçar o vestido até à anca. Parece uma freira pensou Quincy, ou a adepta de uma seita exterminadora. A adolescente deu-lhe um papel onde alguém tinha escrito o número de telefone de uma funerária do bairro.
- Eles encarregam-se de tudo - disse com ar sério.
- Está bem - disse ele.
Perguntou pela vizinha.
- Está no hospital - informou a adolescente - acho que estão a por-lhe um pacemaker.
- Um pacemaker?
- Sim - confirmou a adolescente -, no coração.
Quando a adolescente se foi embora, Quincy pensou que a mãe tinha sido uma mulher muito querida pelos seus vizinhos e pelas pessoas do bairro, mas que a vizinha da mãe, cujo rosto não conseguia recordar com clareza, ainda o era mais.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 271-273.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Este País pode ser levado a sério?

Uma confissão: neste momento, não consigo encontrar um caracterização genérica que possa definir minimamente o tipo de pessoas que domina o mundo da nossa política. Há excepções, naturalmente, mas o facto é que existe uma massa crescente de indivíduos e indivíduas que ocupa as cadeiras do poder, ou apenas se passeia pelos seus corredores, que, dificilmente, é caracterizável. Dificilmente, porque se vê de tudo e encontra-se de tudo. E nada do que se vê ou se encontra é recomendável. Nada recomendável.
Há, todavia, uma coisa comum a todos eles e elas: não deviam estar onde estão. Seja no Governo, seja no Parlamento, seja nos órgãos judiciais, seja nas empresas públicas a maioria deles e delas nunca deveria ter tido a possibilidade de se aproximar do poder e, muito menos, de exercê-lo.
A situação assemelha-se a uma praga: chegaram, instalaram-se, reproduziram-se e não saem, não despegam. É óbvio que, para muitos, o poder é uma atracção tão irresistível que deixá-lo é algo de impensável. Mas o poder não deve apenas atrair, deve também cegar. Só assim se compreende aquilo que muitos deles fazem e aquilo que muitos deles dizem: deixam de ver a realidade, passam a viver num mundo onírico e agem em conformidade.
Todos os dias vemos que é assim. Todos os dias ouvimos falar os mais altos responsáveis do país — responsáveis políticos, judiciais ou autoridades diversas — e temos um sobressalto que nos leva sempre a interrogar: como é que chegaram eles a estes cargos? Mas a resposta nunca aparece. Por exemplo, o primeiro-ministro e vários ministros, o procurador-geral da República, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o presidente do Governo Regional da Madeira são figuras que têm tido comportamentos tais que, num país com índices de normalidade medianos, já não exerceriam os seus cargos, há muito tempo. Teriam sido demitidos por quem tivesse direito institucional de o fazer ou, democraticamente, pelo povo. No nosso caso, não acontece nem uma coisa nem outra. Porquê? Não se sabe. Portugal é um país de mistérios, este é mais um.
Isto passa-se ao nível do topo, mas quando nos damos ao trabalho de ir descendo pela pirâmide hierárquica os encontros que vamos tendo tornam-se assustadores. Tão assustadores que já não nos interrogamos sobre o modo como algumas das personagens desses encontros ascenderam a determinados cargos, passamos a interrogar-nos acerca da própria possibilidade dessas personagens existirem. Essa interrogação surge porque, de repente, damo-nos conta de como o caricatural , o cómico, o nonsense irrompe na vida pública portuguesa e tomamos consciência de que para além de estarmos metidos num barco cujo comandante e adjuntos são incompetentes também tomamos consciência da alucinação dos subalternos.
Entre muitos outros, dois casos recentes. Rui Pedro Soares, administrador da PT, em representação do Estado. Olhamos para ele, ouvimo-lo falar, reflectimos sobre o que ele diz, analisamos o que ele faz, e perguntamos: o homem é real?; existe mesmo?; não é um avatar?
Outro caso: Paula Barros, deputada da Nação, pelo PS, representante do Povo. Olhamos para ela, ouvimo-la falar, reflectimos sobre o que ela diz, analisamos o que ela faz, e perguntamos: a senhora é real?; existe mesmo?; não é uma personagem do Fellini?
Este País pode ser levado a sério? Não pode. Nós podemos ser levados a sério? Não podemos, porque, bem vistas as coisas, nós é que somos as verdadeiras, as genuínas, as reais Produções Fictícias.

Quinta da Clássica - Hector Berlioz

quarta-feira, 21 de abril de 2010

E-mail enviado pelo CDS aos professores

Exmos.(as) Senhores(as)
Professores(as)

O Grupo Parlamentar do CDS-PP vê com grande apreensão o caminho traçado pela nova equipa Ministerial, num momento em que se previa que a nova equipa liderada pela Ministra Isabel Alçada, fosse corrigir o caminho traçado pela anterior equipa.
A então equipa ministerial liderada por Maria de Lurdes Rodrigues criou um clima de instabilidade nas escolas devido ao conflito que criou com os professores e educadores. Os ataques aos direitos mas também ao papel dos docentes na sociedade foram os mais graves dos últimos anos, tendo criado vários normativos que colocaram em causa o papel dos professores enquanto agentes essenciais do sistema de ensino.

O CDS-PP esteve desde sempre ao lado da qualidade do sistema de ensino, por isso fomos desde a primeira hora defensores da avaliação dos docentes, o que o Ministério não fez, pois o modelo implementado apenas teve por objectivo o ataque aos direitos dos trabalhadores, criando até a ideia de que os "males" do sistema de ensino era responsabilidade do seu corpo docente.

Apresentámos inúmeras propostas na legislatura passada com projecto próprio do sistema de avaliação dos docentes e alterações da estrutura na carreira docente, acabando com a divisão dos professores entre titulares e não titulares. Estas propostas foram rejeitadas pela maioria absoluta de então. Propusemos também o fim do modelo de avaliação e a criação de um espaço de discussão entre o Ministério da Educação e os representantes dos docentes, o que foi rejeitado já no inicio desta legislatura pelo PS com a anuência do PSD.

Os prazos apresentados pelo Ministério foram já superados estando já no decurso do 3º período e ainda sem ser conhecido o modelo que vai orientar a avaliação no próximo ano lectivo.

Eis que enquanto decorriam as negociações entre os sindicatos e o Ministério da Educação, foi publicado, em Diário da República de 9 de Abril de 2010, o Aviso de Abertura do"Concurso anual, com vista ao suprimento das necessidades transitórias de pessoal docente, para o ano escolar de 2010-2011."Este concurso tem em conta a última avaliação dos docentes, avaliação essa que a actual equipa do Ministério criticou publicamente.

A forma como decorreu esta avaliação foi geradora das maiores injustiças entre avaliados. O CDS-PP apresentou publicamente a sua oposição à inclusão dos resultados da avaliação neste concurso apresentando um Projecto de Resolução que anexamos. Como a questão é urgente devido aos apertados prazos que integra foi também apresentado um pedido de audição urgente da Ministra da Educação em sede de Comissão de Educação e Ciência, pedido que será votado hoje em reunião dessa Comissão.

O CDS-PP crê que este concurso tem que ser revisto por forma a que não sejam criadas ainda mais injustiças no acesso ao exercício da profissão por parte dos professores. Por todas estas razões continuamos a trabalhar para que o concurso seja cancelado e um novo, sem a inclusão dos resultados da avaliação dos docentes, seja aberto a tempo de cumprir todos os requisitos para que não perturbe o inicio do ano escolar.

Com os melhores cumprimentos,
O Chefe de Gabinete do Grupo Parlamentar do CDS-PP
(João Casanova de Almeida)
O agradecimento a Marrod pelo envio desta carta

Às quartas

Na taberna quando estamos,
De mais nada nós curamos,
Que de jogo que jogamos,
Mais do vinho que bebemos.
Quando juntos na taberna,
Numa confusão superna,
Que fazemos nós por lá?
Não sabeis? Pois ouvi cá.

Nós jogamos, nós bebemos,
A tudo nos atrevemos.
O que ao jogo mais se esbalda
Perde as bragas, perde a fralda,
E num saco esconde o couro,
Pois que um outro conta o ouro.
E a morte não val' um caco
Pra quem só joga por Baco.

Nossa primeira jogada
É por quem paga a rodada.
Depois se bebe aos cativos,
E a seguir aos que estão vivos.
Quarta roda, aos cristão juntos.
Quinta roda, aos fiéis defuntos.
Sexta, às putas nossas manas,
E sete às bruxas silvanas.

Oito, aos manos invertidos.
Nove, aos frades foragidos,
Dez, se bebe aos navegantes,
Onze, é para os litigantes,
E doze, dos suplicantes,
E treze, pelos viandantes.
Pelo Papa e pelo Rei
Bebemos então sem lei.

Bebem patão e patroa,
Bebem padre e capitão,
Bebe o amado e bebe a amada,
Bebem criado e criada,
Bebe o quente e o piça fria,
Bebe o da noite e o do dia,
Bebe o firme, bebe o vago,
Bebe o burro e bebe o mago.

Bebe o pobre e bebe o rico,
Bebe o pico-serenico,
Bebe o infante, bebe o cão,
Bebem cónego e deão,
Bebe a freira e bebe o frade,
Bebe a besta, bebe a madre,
Bebem todos do barril,
Bebem cento, bebem mil.

Nenhuma pipa se aguenta
Com esta gente sedenta,
Quando bebe sem medida
Quem de beber faz a vida.
E quem de nós se fiou,
Sem cheta s'arrebentou.
E quem de nós prejulgava,
Se quiser, que vá à fava.

"Carmina Burana"
(Trad.: Jorge de Sena)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Entradas de leão...

«Se o Governo quer guerra é guerra que vai ter» terá dito ontem o secretário-geral da FENPROF, Mário Nogueira, a propósito da confirmação, por parte do secretário de Estado da Educação, da contagem da classificação obtida na (pseudo)avaliação do desempenho realizada no ano passado.
Esta afirmação de Mário Nogueira é mais uma das suas cíclicas «entradas de leão», a que se seguem as também cíclicas «saídas de sendeiro». É mais uma, vale o que vale.
A propósito, convém recordar: quem foi que disse, há uns meses, que a questão da suspensão vs substituição do modelo de avaliação era apenas uma simples questão semântica?
Se o modelo tivesse sido suspenso, nada disto estaria a acontecer agora. Nem estes problemas existiriam, nem estaria, neste momento, a decorrer nas escolas a continuação da mesmíssima farsa de avaliação que já se repete pela terceira vez, com os professores contratados.

Terças da MP - Toque de Caixa

Portugal pode falir

Portugal e Espanha podem falir, avisa Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia e prémio Nobel da Economia, em 2001.
O economista Nouriel Roubini fala da possibilidade de Portugal e Grécia terem de abandonar a zona euro.
Outro economista, Simon Jonhson, diz que o próximo grande problema global vai ser Portugal.
Há dias, o jornal New York Times alertava para o facto de as preocupações com a dívida estarem a passar da Grécia para Portugal.
«A Alemanha vai ter de financiar Portugal?» É a pergunta que ontem era formulada no diário inglês Telegraph.
Na semana passada, o presidente checo afirmou, à frente do presidente português, que um ministro das Finanças e um primeiro-ministro que permitem que as contas de um país cheguem à situação a que chegaram as nossas deveriam ser responsabilizados e punidos.

O propagandeado rigor de Sócrates e a publicitada competência do nosso ministro das Finanças estão à vista. O estado a que este Governo levou o país está à vista. A desculpa da crise mundial está gasta, a crise foi para todos, mas apenas alguns, como a Grécia, Portugal e mais três ou quatro países, estão nas bocas do mundo.
Somos objecto da chacota internacional e até um chefe de Estado estrangeiro não se inibe de nos dar lições públicas.
Depois da destruição que o Governo de Sócrates produziu na Educação, depois da escandalosa situação a que o Governo de Sócrates levou a Justiça, agora, o Governo de Sócrates prepara-se para levar o País à humilhação da falência e à pobreza generalizada.
Era possível pior?

Bonecos de palavra

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Registos do fim-de-semana

Sócrates esteve sempre a par do negócio com Figo

Faria de Oliveira sofreu grande pressão do Governo

Choque frontal a alta velocidade
— O secretário de Estado dos Transportes foi chamado duas vezes a Belém por causa do TGV —

Síndrome de fim de ciclo abala PS

Seguro espera por fim de Sócrates

Ministro da Defesa faz 'mea culpa'
Sol (16/4/10)

Grécia prepara falência e ex-FMI compara Portugal com Madoff

Negócio Taguspark/TVI: Granadeiro e Bava tiram o tapete a Rui Pedro Soares

Presidente Checo critica défice português
i (16/4/10)

Apoio a Sócrates: Contrapartidas de Figo somaram dois milhões

Oposição pressiona ME a alterar concurso de docentes
Público (16/4/10)

Taguspark: processo Figo confirma plano de controlo da TVI

Sócrates ilibado no caso Freeport — Procuradores impediram ida da PJ a Inglaterra; Rasto do dinheiro ainda não foi detectado pelas autoridades

Presidente Checo embaraça Cavaco

Seguro acelera o passo rumo à candidatura a líder
Expresso (17/4/10)

Ministério e professores de novo em conflito

Mercados Financeiros: Portugal volta a ser visto como "próxima vítima"
Público (17/4/10)

António Barreto: "Os deputados são servos e gostam de ser servos"
i (17/4/10)

Sócrates hoje no Funchal ao lado de Jardim

Governo vai aplicar portagens nas Scut apesar dos protestos no Norte
Público (18/4/10)

domingo, 18 de abril de 2010

Pensamentos de domingo

«Vamos, vamos pela escada que se atribui ao progresso, à civilização e à cultura. Mas aonde se vai? Realmente, não sei.»
Anton Tchekhov

«A humanidade marcha às arrecuas em direcção ao futuro.»
Gugliemo Ferrero

«É preciso desconfiarmos dos engenheiros, as coisas começam pela máquina de costura e acabam na bomba atómica.»
Marcel Pagnol
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Júlio Resende Quarteto

sábado, 17 de abril de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca do pensamento de Confúcio
«Embora a filosofia chinesa não seja monolítica, apresentando variantes e escolas distintas, é possível encontrar coordenadas comuns a todas elas. Por exemplo, a busca da harmonia, o equilíbrio e a paz da alma; a crença em que o homem faz parte da natureza, mas também da sociedade em que vive; a afirmação de dois grandes princípios opostos que não se excluem, mas completam, etc.
Um dos pensadores que maior marca deixou na cultura chinesa foi Confúcio (que também nasceu no Séc. VI a. C. Quer se trate da Grécia, da China ou da Índia, este século parece decisivo para a origem da filosofia). A sua doutrina propunha que as relações familiares se constituam como modelo das relações sociais e políticas, de modo a que o respeito que os filhos devem mostrar para com os pais predomine igualmente no âmbito da sociedade.
Por outro lado, embora Confúcio louvasse a benevolência e o esforço, afirmava também que o êxito das nossas acções obedece ao destino. A única coisa que depende de cada um de nós é a intenção boa ou má com que se fazem as coisas e a vontade que nelas se põe. Mas o resultado das nossas acções é obra do destino.
A este propósito, um eremita disse dele, com alguma ironia:
- Não é este o homem que diz que nada se pode fazer para salvar o mundo e que, porém, continua a tentar?»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor.

Agora já não há sorrisos que escondam a realidade

Desde a tomada de posse da nova ministra da Educação, os sorrisos ministeriais e a conivência sindical têm protelado e escondido a realidade. Tem-se alimentado a ilusão de que algo de substantivo foi alterado na política ministerial. Era uma ilusão conveniente aos dois principais protagonistas: ao Governo, porque conseguia, e conseguiu, travar a contestação e os conflitos, e, aos sindicatos, porque fazia crer que a sua acção tinha sido vitoriosa e a defesa dos professores garantida.
Esta ilusão não poderia durar sempre e não durou.
Muitos professores começam agora a verificar que a não suspensão da avaliação teve como único beneficiário o Governo e aqueles que se aproveitaram das circunstâncias para, sem concorrência e com uma avaliação faz-de-conta, obter facilmente classificações de Muito Bom e de Excelente. A essas classificações não correspondia, nem era possível que correspondesse, nenhuma real excelência, porque não se pode avaliar a excelência de ninguém através da observação combinada de duas aulas, e num escassíssimo período de tempo. Muitos professores começam agora a verificar que continuam a ser regidos pela incompetente e inaceitável legislação produzida por Maria de Lurdes Rodrigues e que, afinal, ainda nada mudou. Todavia, os sorrisos ministeriais e a estratégia sindical seguida iam alimentando o equívoco de que algo de significativo estava a mudar.
Mas o fim do equívoco, o desfazer da ilusão aconteceu ontem, quando a ministra da Educação confirmou que as classificações obtidas no faz-de-conta avaliativo vão contar para a graduação dos candidatos ao concurso de colocação de professores que está a decorrer.
Ninguém, neste País, consegue defender a justeza e o rigor daquele processo de (pseudo)avaliação, contudo, para a ministra da Educação, isso é irrelevante, porque o que continua exclusivamente a interessar é a salvaguarda da fraude ocorrida. Milhares de professores vão ser vítimas de uma repugnante injustiça, mas para a ministra da Educação, isso é apenas mais uma desprezível minudência.
E, no presente ano, os professores contratados estão a ser objecto do mesmíssimo processo de (pseudo) avaliação com que foram (pseudo)avaliados no ano passado, isto é, pretende-se que sejam avaliados pelo mais que comprovado incompetente processo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. Mas nada disto importa, e pretende-se que, em pouco mais de um mês, período durante o qual deverão existir duas aulas assistidas combinadas, e sem ter sido dada a mínima preparação aos avaliadores, se atribua, a alguns, a classificação de Muito Bom ou de Excelente, apenas para «inglês ver». A fraude continua.
Espera-se que a inqualificável decisão, agora anunciada, de fazer contar as classificações para a graduação no concurso, possa fazer despertar consciências adormecidas e tornar evidente que a estratégia sindical que tem sido seguida não defende nem os professores nem a Educação.

A vinculação dos Professores Contratados foi novamente inviabilizada

Enviado pelo colega Paulo Ambrósio:


Iniciativas pela Vinculação dos Professores Contratados foram votadas quinta-feira na Assembleia da República

Um pouco de imprevisto, as votações sobre vinculação de docentes contratados aconteceram na tarde de quinta-feira, na Assembleia da República.
Todas as propostas e projectos, bem como a Petição, foram chumbados, sem apelo nem agravo, em votações cruzadas das várias bancadas parlamentares. Excepção ao Projecto de Resolução n.º 103/XI, da autoria do PS, a mais inofensiva e inócua de todas as iniciativas apresentadas na AR (ver em http://www.fenprof.pt/Download/FENPROF/SM_Doc/Mid_115/Doc_4650/Anexos/PS_pjr103XI.pdf ).

Voltaremos oportunamente a este assunto para dar mais detalhes acerca das votações e deste desfecho que, contudo, já era previsível por quem anda há muitos anos nestas "andanças", isto após os partidos se terem posicionado no debate de apresentação das referidas iniciativas que teve lugar no passado dia 8.
Desfeitas as cortinas de fumo e as ilusões excessivas nos partidos e no parlamento, a bola volta, assim, a estar do lado dos Professores Contratados, da sua mobilização, e das formas de luta que souberem desenvolver pela sua reivindicação central: vinculação dinâmica para todos, segundo a lei geral do trabalho.

Paulo Ambrósio

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Fragmenti veneris diei

«Amalfitano recordava por vezes, depois de sair da Universidade de Santa Teresa ou sentado no alpendre de sua casa, ou enquanto lia os trabalhos dos alunos, o seu pai, que era apaixonado pelo boxe. O pai de Amalfitano opinava que todos os chilenos eram uns maricas. Amalfitano, que tinha dez anos, dizia-lhe: ó papá, maricas são os italianos, repare só na Segunda Guerra Mundial. O pai de Amalfitano olhava muito sério para o filho quando este dizia aquelas palavras. O pai dele, o avô de Amalfitano, tinha nascido em Nápoles. E ele próprio se sentiu sempre mais italiano do que chileno. De qualquer modo, ele gostava de falar de boxe, ou melhor dizendo, gostava de falar de combates, dos quais só tinha lido as crónicas a preceito que apareciam nas revistas especializadas ou nas páginas desportivas. Desta forma podia falar dos irmãos Loayza, Mario e Rubén, sobrinhos do Tani, e de Godfrey Stevens, um maricas senhorial e sem potência de golpe, e de Humberto Loayza, também sobrinho do Tani, de bom golpe mas mal a encaixar, de Arturo Godoy, matreiro e mártir, de Luis Vicentini, italiano de Chillán e homem de bom aspecto mas que se perdeu devido ao seu triste destino de nascer no Chile, e de Estanislao Loayza, o Tani, a quem roubaram o título mundial nos Estados Unidos da forma mais tonta, quando o árbitro, no primeiro round, lhe pisou um pé e o Tani fracturou o tornozelo. Consegues imaginar?, perguntava o pai de Amalfitano. Não consigo imaginar, respondia Amalfitano. Vamos lá ver, põe-te a fazer sombra à minha volta e eu piso-te o pé, dizia o pai de Amalfitano. É melhor não, dizia Amalfitano. Tem confiança, homem, não te acontece nada, dizia o pai de Amalfitano. Outro dia, dizia Amalfitano. Tem de ser agora mesmo, insistia o pai. Então Amalfitano punha-se a fazer sombra e a mover-se com uma agilidade surpreendente em volta do pai, lançando de vez em quando directas com a esquerda e ganchos coma direita, e de repente o pai avançava um pouco e pisava-lhe o pé, e ali acabava tudo, Amalfitano ficava quieto, tentava um clinch ou esquivava-se, mas de modo algum fracturava o tornozelo. Eu penso que o árbitro fez de propósito, dizia o pai de Amalfitano. Não é possível lixar o tornozelo a alguém só com uma pisadela. Depois vinham as invectivas: os pugilistas chilenos são todos uns maricas, os habitantes deste país de merda são todos uns maricas, todos sem excepção, dispostos a deixar-se enganar, dispostos a deixar-se comprar, dispostos a baixar as calças quando só se lhes pediu que tirem o relógio. A isto Amalfitano, que aos dez anos não lia revistas desportivas mas sim de história, sobretudo de história bélica, respondia que esse lugar estava mais reservado para os italianos e remetia para a Segunda Guerra Mundial. O pai então ficava em silêncio, a olhar para o filho com franca admiração e orgulho, como que a interrogar-se de onde raios teria saído aquela criança, e continuava em silêncio durante mais algum tempo e a seguir dizia-lhe em voz baixa, como se lhe contasse um segredo, que individualmente os italianos eram corajosos. Mas admitia que eles em massa eram uns autênticos palhaços. E resumia dizendo que era isso, precisamente, o que ainda dava alguma esperança.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 233-234.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sócrates o eterno inocente

Sócrates garantiu, há dias, na entrevista a Sousa Tavares, que o apoio público de Luís Figo ao PS e a ele próprio, enquanto primeiro-ministro, na altura das últimas eleições legislativas, tinha sido livre, espontâneo e generoso. E que ele, Sócrates, nem conhecimento tinha tido da existência de qualquer contrato celebrado com o jogador e a Taguspark, e que considerava uma calúnia colocar-se sequer a hipótese desse contrato ter alguma ligação com os elogios e o apoio manifestado por Figo ao Governo.
O problema é sempre o mesmo, Sócrates nunca sabe de nada e tudo o que as investigações descobrem é uma calúnia. Mas hoje veio a saber-se, através da investigação feita pelo Ministério Público, que o texto da entrevista que Figo deu ao Diário Económico, onde prestou o primeiro elogio público ao Governo (Agosto de 2009), foi enviada electronicamente a Rui Pedro Soares, administrador da Taguspark, nomeado pelo PS, e responsável pelo contrato celebrado com o atleta, por um representante do jogador, antes da entrevista sair. Assim como já se sabe que, para além deste administrador, mais dois responsáveis foram formalmente acusados de corrupção, devido ao seu envolvimento neste processo. Isto é, há três indivíduos que estão acusados de corrupção, por terem negociado um contrato de 750 mil euros com o futebolista em troca do seu apoio público (e bem publicitado) ao PS, e tudo não passa de uma calúnia, segundo o primeiro-ministro.
Mas nada disto espanta, porque Sócrates continua igual a si próprio, sempre inocente, sempre vítima, sempre ignorante de tudo o que de estranho e de ilegal se passa à sua volta, e Luís Figo também se mantém igual a si próprio, desde o tempo em que foi apelidado pelos catalães de «peseteiro». Afinal o que mudou mesmo foi apenas o nome da moeda.

Quinta da Clássica - Fernando Sor

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sem pudor

Ontem, na Comissão Parlamentar de Inquérito à Fundação para as Comunicações Móveis, o secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, não teve o mínimo pudor em utilizar o sofrimento de uma criança, causado pela tragédia ocorrida na ilha da Madeira, para tentar fazer esquecer a vergonhosa contratação de jovens figurantes, que se fizeram passar por alunos, numa das apresentações do célebre computador Magalhães, com o primeiro-ministro, José Sócrates.
Criticado pelos deputados por essa inaceitável encenação, o secretário de Estado não encontrou melhor defesa do que fazer esta afirmação: «Podem chamar figurantes a quem quiserem, mas não podem chamar figurante à criança que, na Madeira, chorava à procura de duas coisas: do seu mealheiro e do seu computador Magalhães.»
Esta é a imagem de marca deste e do anterior Governo: total ausência de escrúpulos políticos, que lhes permitem dizer tudo e fazer tudo, até usar o sofrimento e o desespero de uma criança para tentar justificar as suas inqualificáveis práticas políticas.

Às quartas

O claro Febo ainda surgiu,
E à terra traz ténue claror a Aurora.
Quem vela grita àquele que dorme: Acorda!

Alva do mar em sombra arrasta o sol,
Ou espreita já dos cumes, e a luz vem!

Ameaça incautos uma insídia hostil,
Que adormecidos jazem tão tranquilos.
E o arauto clama em alta voz que acordem.

Alva do mar em sombra arrasta o sol,
Ou espreita já dos cumes, e a luz vem!

De Arcturo sopra solto o vento norte,
No céu estrelas se escondem, que se aclara,
Do oriente a linha do nascente avança.

Alva do mar em sombra arrasta o sol,
Ou espreita já dos cumes, e a luz vem!

"ALBA"
De um manuscrito latino do séc. X
(Trad.: Jorge de Sena)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Terças da MP - Cibelle

Bonecos de palavra

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A APEDE denuncia

A APEDE vem chamando a atenção, desde sempre, para as iniquidades, perversidades e injustiças que enlamearam todo o processo de avaliação de desempenho docente, no 1º ciclo avaliativo, entre 2007 e 2009. Processo de avaliação que foi, todos o sabemos, uma monumental farsa! Sempre afirmámos que seria fundamental a não consideração das classificações ditas de “mérito” para efeitos de graduação a concurso e progressão na carreira. Para nós, o oportunismo não pode pagar! O oportunismo não pode render dividendos e não aceitaremos nunca, em silêncio, que milhares de colegas que souberam resistir e lutar, venham agora a ser ultrapassados, sofrendo prejuízos irreparáveis para toda a sua carreira. É que um ou dois valores a mais, na graduação profissional, correspondem a mais um ou dois anos de tempo de serviço. Pura e simplesmente inaceitável! Nunca, jamais, com este modelo de avaliação! Esta farsa não pode deixar nódoas tão sérias, tão graves, tão indignas!

A APEDE relembra que, no final da longa noite da celebração do Acordo, o líder da FENPROF, Mário Nogueira, afirmou perante as televisões, de forma clara e bem audível, na conferência de imprensa que se seguiu à assinatura do referido Acordo, que tinha ficado GARANTIDO que as classificações de Excelente e Muito Bom NÃO SERIAM consideradas para efeitos de concurso. Vimos, ouvimos e registámos! Por isso mesmo, nunca mais tocámos no assunto. E aguardamos agora a confirmação, em letra de lei, desse ponto concreto do Acordo.

Até agora, e pelo que pode ler-se no Aviso nº 7173/2010, a legislação aplicável ao concurso para 2009/2010, é exactamente aquela que consagra a ignomínia da bonificação farsante que penaliza quem lutou (não entregando OI e não solicitando aulas assistidas) e premeia quem traíu a luta. A APEDE sempre foi muito clara neste ponto e chegou agora o momento da verdade. A ver vamos que novidades surgirão nos próximos dias… pois na blogosfera o assunto já mexe. Como não podia deixar de ser. (9/4/10)

A APEDE não pode deixar de estranhar as seguintes declarações do secretário-geral da FENPROF:

Em declarações ao PÚBLICO, Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, revelou que a federação se encontra em conversações com o Ministério da Educação desde a semana passada, sobre este assunto. “Mantemos que, devido à forma como decorreu a avaliação, os resultados não devem contar”, afirmou, acrescentando que espera obter resposta para o problema “ainda hoje ou amanhã”.

Provavelmente haverá aqui algum mal entendido, pois relembramos o que [já] escrevemos [...]:

“A APEDE relembra que, no final da longa noite da celebração do Acordo, o líder da FENPROF, Mário Nogueira, afirmou perante as televisões, de forma clara e bem audível, na conferência de imprensa que se seguiu à assinatura do referido Acordo, que tinha ficado GARANTIDO que as classificações de Excelente e Muito Bom NÃO SERIAM consideradas para efeitos de concurso. Vimos, ouvimos e registámos!”

Ora, se este era um ponto consagrado no “Acordo de Princípios”, porque motivo a FENPROF estará então à espera de uma resposta para “hoje ou amanhã”? Não estava já tudo acordado? Não tinha ficado decidido? Pode existir alguma dúvida sobre isto? Como é possível ficar-se à espera de uma resposta sobre algo que tinha sido dado como selado? O “Público” entendeu mal? Estará o ME a recuar e a violar compromissos assumidos? Serão questões técnicas/problemas informáticos que obviaram à alteração/correcção atempada da aplicação electrónica? Deve ser isso, certamente é isso… pois não queremos acreditar que Isabel Alçada fosse capaz de tal atropelo à palavra dada e muito menos acreditamos que Mário Nogueira tivesse mentido aos professores, na noite do “Acordo”. E não leiam, por favor, neste parágrafo, qualquer ironia ou crítica. Não existe de todo.

Perante o exposto, a APEDE continua a aguardar mais desenvolvimentos desta “estória”, tendo quase a certeza que tudo será resolvido, sem complicações de maior, resultando em mais uma grande vitória dos professores, graças à vigilância e resiliência da sua organização sindical mais representativa. (12/4/10)

O obrigado ao Ricardo Silva, da APEDE, pelo envio desta tomada de posição.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Registos do fim-de-semana

Sócrates e Soares empatam apoio à candidatura de Alegre

A face oculta dos submarinos

Governo escolheu JP Sá Couto
— [mas a] Empresa só teve licença para fazer o Magalhães meses depois de Sócrates começar a distribuí-los —

Governo recua no chip automóvel

Condução política do PS é alvo de críticas

Criminalidade financeira atinge cada vez mais autarquias
Sol (9/4/10)

São atropeladas 17 pessoas por dia. A maioria dos condutores não sente culpa

90% dos casos de corrupção estão nas autarquias

Governo quer impedir população de Valença de ir ao médico a Espanha
i (9/4/10)

À hora do voto, os professores ficaram de fora
Público (9/4/10)

Défice português é o maior desde 1923

Serviços de Saúde dão origem a 145 queixas/dia

«Fui afastado por delito de opinião» (Florival Lança - dirigente da CGTP durante 28 anos)

Prémios milionários: Zon bate EDP e PT

Contracepção na escola a partir do 5.º ano
Expresso (10/4/10)

Reequipamento das Forças Armadas com "buraco" de 66 milões de euros em 2009

Função Pública teve das maiores reduções da UE

Antigo dirigente da CGTP acusa Partido Comunista de se imiscuir na vida da central

Mihares de cidadãos com dinheiro retido devido a problema com aplicação do novo regulamento das custas

Polícias queixam-se do Estado ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

Maioria dos portugueses acredita que os antibióticos servem para combater os vírus
Público (10/4/10)

Função Pública ameaça com nova greve geral

Valença: A saúde não tem fronteiras e Tui é aqui tão perto

INEM: Serviço de emergência pára em Maio se carreiras não avançaram

Cavaco Silva: O país vive situação "insustentável" sem plano "claro e credível"
i (10/4/10)

Estratégia de combate à droga ameaçada por falta de técnicos

Centenas marcharam em Lisboa contra as touradas
Público (11/4/10)

Também gostei de ler

Retirado do blogue de Octávio Gonçalves:

Parece que está de volta a conversa mole
acerca deste modelo de avaliação


«Vai um grande clamor na blogosfera a propósito do n.º 2 do Capítulo XII do Aviso n.º 7173/2010 da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação e relativo ao "Concurso anual com vista ao suprimento das necessidades transitórias de pessoal docente, para o ano escolar de 2010-2011", no qual se estabelece que a publicitação das listas incorporará inúmeros dados, entre os quais os relativos à graduação profissional, assim obtida:

Ora, a nova redacção do Art.º 14, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 51/2009 é muito clara na forma como define, na alínea c) do ponto 1. deste mesmo artigo, o impacto das classificações de Muito Bom e Excelente no cálculo da graduação profissional:
Sobre tudo o que diga respeito, tanto ao 1º ciclo de avaliação do desempenho, como ao modelo de avaliação em vigor, as minhas posições são por demais conhecidas:
- sempre o afirmei inequivocamente e reitero-o, hoje, de forma absolutamente coerente que o 1º ciclo de avaliação do desempenho se traduziu numa farsa e num processo destituído de seriedade, pelo que, em nenhuma circunstância, alguém pode ser beneficiado ou prejudicado com base no mesmo;

- o modelo de avaliação aplicado no 1º ciclo e todos efeitos decorrentes do mesmo deveriam ter sido suspensos, como o exigiam os professores, os movimentos independentes e mesmo a Fenprof e a Fne. Ao legitimarem em sede de Acordo de Princípios o que juravam rejeitar e querer suspender, a Fenprof e a Fne atraiçoaram-se a si próprias e aos professores que afirmam representar;

- o modelo de avaliação que resulta da negociação consubstanciada no Acordo de Princípios é, na sua filosofia e procedimentos básicos, o mesmo que os professores recusaram a Maria de Lurdes Rodrigues (apresentando-se agora com alguma opacidade acrescida), pelo que os problemas de inconsistência, falta de seriedade, controlo persecutório e injustiça permanecem intocáveis no mesmo.

Tendo em conta este último ponto das minhas posições, soa-me a conversa mole todo este alarmismo em relação às consequências das classificações obtidas no 1º ciclo de avaliação para efeitos de concursos, sobretudo da parte daqueles que aceitaram o Acordo de Princípios e a legitimação do modelo de avaliação que o mesmo representa.

Estavam à espera de quê e o que esperam para o futuro?

Uma farsa pode ser legitimada para efeitos de progressão na carreira (traindo os professores que resistiram), mas já não pode sê-lo para efeitos de concursos?

Uma farsa é uma farsa e, como tal, não pode ser legitimada para coisa nenhuma.

Uns acataram a farsa, outros toleraram o Acordo de Princípios por acção ou por omissão e a maioria desmobilizou.

Mas, prova-se uma vez mais que o Acordo de Princípios constituiu uma traição (desculpem-me os espíritos sensíveis, mas não existe outro termo para quem aceita a penalização dos que resistiram e aquiesce no favorecimento dos que oportunisticamente se aproveitaram da luta dos colegas) aos professores, pelo que a mim próprio não me convence o desassossego que rejeita para agora o que já aceitou para depois.

O que não faz sentido é a aceitação do 1º ciclo de avaliação e deste modelo de avaliação em vigor e para vigorar, pelo que apenas este combate me mobiliza.»
Octávio Gonçalves

domingo, 11 de abril de 2010

Gostei de ler

Retirado do blogue A Educação do meu Umbigo, do Paulo Guinote:

Estou bastante confuso, mas a culpa deve ser minha

«O concurso para as necessidades transitórias de docentes para o ano de 2010/11 vai começar amanhã, tendo sido publicado o respectivo aviso na passada 6ª feira. De acordo com as regras dele decorrentes a avaliação do desempenho do primeiro ciclo avaliativo terá efeito na graduação dos candidatos.

Isto foi por todos, quase sem excepção, considerado sempre inaceitável em virtude da manta de retalhos que foi a ADD nos dois últimos anos. Se para efeitos de progressão na carreira eu, por exemplo, ainda considerei aceitável que pudessem ser contadas as classificações ditas de mérito, desde que não se penalizasse ninguém por não ser avaliado, para efeitos de concurso acho perfeitamente inconcebível que as graduações sejam bonificadas com base nos Muito Bons e Excelentes.

Até ao momento, tirando a engraçada explicação do Francisco Santos (como se os sindicatos, em particular a Fenprof, não soubesse que ia acontecer isto), não vejo qualquer reacção a denunciar o que se está a passar e que, sendo consumado, significará que em qualquer concurso futuro as classificações da ADD serão incorporadas na graduação dos candidatos, com base no precedente deste ano.

Esta é a realidade. Ou seja, após três meses de negociações, nada se conseguiu nesta matéria e estamos perante uma enorme derrota objectiva dos docentes nesta matéria. Mais do que para a progressão na carreira, a tão contestada ADD conta para a graduação profissional.

O silêncio será pesado e tornará ainda mais incompreensíveis as declarações da Fenprof à saída da reunião com o ME durante a 6ª feira ou esta nota do seu Secretariado Nacional onde é possível ler coisas absolutamente sem sentido como esta:

"Não estando em causa, nesta reunião, o modelo de avaliação que, rapidamente, se provará não ser adequado às necessidades das escolas e dos docentes, exigindo-se, já no final do seu primeiro ciclo avaliativo, uma revisão profunda, a preocupação da FENPROF foi a de acautelar situações que, não estando previstas, poderiam resultar em dificuldades acrescidas ou mesmo impedimentos à progressão dos professores na carreira."

Se bem estão lembrados, uma avaliação preliminar para a revisão do modelo de ADD estava aprazada para o final do primeiro ciclo avaliativo (Maio-Junho de 2009), daí devendo ter saído propostas de revisão do modelo. O artigo 39º do DR 2/2008 determinava que:

"Artigo 39.º
Monitorização e controlo
1 — No final do período de avaliação, cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada apresenta ao conselho científico para a avaliação de professores um relatório, sem referências nominativas, sobre o cumprimento e os resultados da avaliação de desempenho.
2 — Com base nos relatórios referidos no número anterior e na recolha de reflexões dos intervenientes no processo de avaliação sobre o modo efectivo do desenvolvimento desse processo, o conselho científico para a avaliação de professores elabora relatório síntese da aplicação do sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente."

O CCAP, presidido pelo actual SE Ventura até fez um relatório, mas a verdade é que se optou por prolongar o simplex.

Ora nesta nota, a Fenprof expressa-se como se o primeiro ciclo avaliativo estivesse a acabar agora ou tivesse terminado há dias e como se isto não fosse um problema com meses e meses e quase mais um ano lectivo transcorrido.

E isto é algo estranho, estranhíssimo mesmo.

E anota-se a ausência de alarido, daquele alarido que foi feito há uns tempos, quando numa segunda-feira surgiu uma proposta de revisão de ECD com umas novidades que, contudo, só eram novidades para a opinião pública e para os directamente interessados, ou seja, os professores em exercício e afastados dos bastidores das negociações, onde a mecânica dos fluidos informativos está bem oleada.

O que é objectivo é que ao fim de três meses de negociações nada se obteve de concreto e perante o que agora se passa se percebe que está praticamente consumada a derrota numa das mais importantes batalhas que mobilizaram os professores nos últimos anos.

Se o fim da divisão da carreira, grande bandeira da contestação, foi anunciado mas não consumado e a consumar-se será em moldes bastante gravosos para muitos docentes, no caso da avaliação do desempenho, mais do que ela ter sido concretizada, está prestes a ser inscrita na graduação profissional de dezenas de milhar de docentes contratados e muitos milhares de docentes dos quadros que concorram a destacamento.

O que se adivinha irreversível e, mais do que isso, a consumação de enormes injustiças.

Que se diga algo como «todas as preocupações que a Fenprof trouxe a esta negociação foram positivamente respondidas, o que quer dizer que terão consequência no próximo regulamento que vai sair» só pode deixar-nos espantadíssimos, para não enveredar por uma qualquer adjectivação colorida.

Deve ser com vitórias destas que se consegue uma brilhante derrota final.

Bem… uma vitória foi conseguida… a qual foi varrer do espaço mediático quaisquer outros actores sindicais, fruto de uma relação preferencial com os protagonistas actualmente instalados na 5 de Outubro.

E não adianta fazerem apelos aos contratados e denunciarem esta ou aquela inflexão por parte de outros, porque, em boa verdade, os contratados foram os primeiros sacrificados nesta fase de real politik sindical.

Adenda Importante: No blog DeAr Lindo está a desrição de uma reunião realizada na DGRHE em que se traçaram dois cenários para o funcionamento da aplicação electrónica: o da bonificação se manter ou de ela desaparecer.

Isto significa que, muito provavelmente, poderemos ter coreografia na(s) próxima(s) semana(s), o que explicaria a dranquilidade

Paulo Guinote