domingo, 28 de fevereiro de 2010

Registos do fim-de-semana

Procuradoria sob suspeita: Quem avisou os visados de que estavam sob escuta?

Operação Face Oculta: Sócrates fez decreto à medida
— Escutas interceptam Armando Vara a diligenciar ao mais alto nível para que o Conselho de Ministros fizesse decreto como o presidente da Associação de Farmácias exigia —

Os erros na defesa de José Sócrates
— Primeiro-ministro baralhou factos sobre a participação de Figo na campanha eleitoral. Efeitos da contra-ofensiva de Sócrates e do PS mantêm-se duvidosos —

PCP esconde saída de dirigente
Sol (26/02/10)

Central de compras dos hospitais em ruptura

Publicidade da PT: Rui Pedro Soares e Carlos Barbosa contradizem-se
i (26/02/10)

Simplex contribuiu para a asfixia financeira da Justiça

Sindicalistas da PSP aguardam recursos há quatro anos
Público (26/02/10)

O mistério de 25/6: O dia em que tudo mudou nas escutas

Ninguém sabe o que fazer à campanha com o Figo

Atraso no PEC inquieta Bruxelas

"Se tivesse 20 anos acho que emigrava" (António Barreto)
Expresso (27/02/10)

"O primeiro-ministro está a esconder-se atrás do segredo de justiça" (Ricardo Sá Fernandes)
"Se este assunto não ficar esclarecido, não sou capaz de votar outra vez no engenheiro José Sócrates" (Ricardo Sá Fernandes)
"A PT tem de tomar uma posição e dizer o que fez no negócio" (Ricardo Sá Fernandes)

Teixeira dos Santos mostra ao PS que não cede nas finanças regionais

José António Saraiva acusa Armando Vara de querer controlar "Sol"
i (27/02/10)

Sócrates vai ser o primeiro chefe do Governo convocado a depor no Parlamento.

Teixeira dos Santos "desautoriza" Francisco Assis

Governo corta nos salários e despesas sociais

REN junta-se à TAP e à CGD e também vai aumentar os salários dos trabalhadores

Falta de enfermeiros põe em causa cuidados primários
Público (27/02/10)

Sócrates tem "obsessão pela imagem", diz líder do PSD
Público (28/02/10)

Pensamentos de domingo

«A sabedoria dos crocodilos consiste em verter águas quando querem devorar.»
Francis Bacon

«Todos os segredos da política consistem em mentir a propósito.»
Jeanne Pompadour

«A realidade, como sempre, suplanta a ficção.»
Joseph Conrad
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Tom Harrell

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Relatividade


Relatividade de Valores


«Nos nossos dias, Michel Foucault concentrou-se [...] na relatividade de valores culturais para o poder social. Os nossos valores culturais, particularmente o que contamos como normal, determinam e são determinados pela forma como a sociedade exerce o controlo. Quem conta como mentalmente doente? Quem determina isso? Que significa ser designado mentalmente doente para aqueles que assim são classificados? Que significa para os que os controlam? E quem são os que os controlam? As respostas a estas perguntas mudam ao longo do tempo, à medida que as estruturas de poder na sociedade mudam. Numa época, os padres são o grupo que controla; noutra, o poder está nas mãos dos médicos. Esta alternância tem implicações na forma como os pseudodoentes mentais são tratados. A conclusão a retirar é que os valores que pensamos que são eternos e absolutos estão, na realidade, num fluxo histórico constante relativamente a quem detém poder e como esse poder é usado.
Pat: Mike, estou a telefonar-te da auto-estrada no meu telemóvel.
Mike: Tem cuidado, Pat. Acabaram de anunciar na rádio que há um doido a conduzir em contramão na auto-estrada.
Pat: Um louco? Só podes estar a brincar, há centenas deles!
Do ponto de vista da razão pura, Pat tem tanta razão como o locutor da rádio. Relativamente a ele, todas as outras pessoas vão no sentido errado. Assim, porque é que a piada é uma piada e não um choque entre dois pontos de vista? Por causa da opinião de Foucault, que é a de que, em última análise, é o Estado que decide a coisa certa a fazer.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

Tragédia na Madeira: um desastre anunciado há dois anos!



O agradecimento ao Magueija pelo envio deste vídeo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Quem confia no primeiro-ministro?

O jornal i, na edição de hoje, apresenta os resultados de uma inquirição que fez a 61 personalidades públicas, acerca do primeiro-ministro. Os resultados são devastadores. A pergunta que o i dirigiu a essas pessoas foi: «Depois dos episódios recentes relacionados com as escutas e o caso Face Oculta, mantém a confiança no primeiro-ministro?»
Nove pessoas recusaram responder, o que, só por si, é significativo. Salvo melhor interpretação, é muito provável que, se existisse plena confiança em José Sócrates, a manifestassem. Há sempre silêncios que falam mais e melhor que algumas declarações.
Dos que responderam, 18 disseram claramente que não confiavam no primeiro-ministro. Exemplos:
«Não. O primeiro-ministro [...] passou a ser um factor de desconfiança perante o exterior.» (Rui Moreira, presidente da Associação Comercial do Porto);
«Nem em Sócrates nem na sua entourage. Já fui ameaçado por Ascenso Simões. Telefonou-me a avisar-me que não podia dar entrevistas e dizer mal do governo porque estava a receber dinheiro do governo. O que eu critiquei? O facto de Manuel Pinho ter sido apanhado em excesso de velocidade na auto-estrada.» (Manuel João Ramos, Associação dos Cidadãos Automobilizados);
«Não e lamento.» (Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal);
«Já não acreditava, mas estes casos apenas confirmaram as minhas dúvidas.» (Bacelar Gouveia, constitucionalista);
«É óbvio que não porque a política tem de ser feita de verdade, autenticidade e exemplaridade.» (Bagão Félix, professor universitário);
«Sócrates chegou a ser um grande primeiro-ministro. Mas as trapalhadas em que se viu envolvido ofuscaram-lhe a imagem. E os últimos factos desacreditaram-no completamente. (Daniel Amaral, economista).

Treze responderam que não sabiam se confiavam (mas um deles, José Miguel Júdice, fugiu à resposta: «A questão não está em confiar ou não. Está em saber se nestas circunstâncias há ou não melhor alternativa a José Sócrates»). Todavia, não saber se se confia, significa que não há suficiente segurança em declarar confiança. Isto é, desconfiança não sabem se têm, mas confiança também não têm, caso contrário, afirmavam-na.

O jornal i contabilizou 21 respostas afirmativas, apesar de eu só contabilizar 17. Julgo que não podem ser consideradas como respostas positivas, as quatro seguintes:
«Temos de acreditar.» (Alípio Dias, ex-administrador do BCP). Mas a confiança não é do domínio da obrigação;
«Sim, com todas as reservas possíveis. Mas se não fosse a situação do país, diria que não.» (Francisco Van Zeller, empresário). Por outras palavras, de facto, não existe confiança;
«O primeiro-ministro tem toda a legitimidade para governar mas a sua credibilidade está seriamente abalada.» (Júlio Machado Vaz, psiquiatra). Mas a pergunta não era sobre a legitimidade...;
«Confio. Posso dizer que a minha confiança em Sócrates se mantém inalterada desde que descobri que ele não é de confiança.» (Luís Pedro Nunes, director do “Inimigo Público”). Pois...

Conclusão: das sessenta e uma pessoas interrogadas, apenas dezassete declararam confiar no primeiro-ministro.
Neste caso, os números falam melhor do que qualquer comentário.

Fragmenti veneris diei

«Assim que chegou a Madrid, Espinoza telefonou a Pelletier. Este, que já estava instalado em sua casa há uma hora, disse-lhe que não havia qualquer novidade relativamente a Morini. Durante todo o dia, tanto Espinoza como Pelletier estiveram a deixar breves mensagens cada vez mais resignadas no atendedor do italiano. No segundo dia, ficaram verdadeiramente nervosos e até brincaram com a ideia de viajarem de avião imediatamente até Turim e, no caso de não encontrarem Morini, pôr o assunto nas mãos da justiça. Mas não quiseram precipitar-se nem fazer figuras ridículas e ficaram quietos.
O terceiro dia foi idêntico ao segundo: ligaram para Morini, ligaram um ao outro, ponderaram várias formas de actuação, ponderaram a saúde mental de Morini, o seu inegável grau de maturidade e senso comum, e não fizeram nada. Ao quarto dia, Pelletier ligou directamente para a Universidade de Turim. Falou com um jovem austríaco que trabalhava temporariamente no departamento de Alemão. O austríaco não fazia ideia de onde Morini podia estar. Pediu-lhe que passasse o telefone à secretária do departamento. O austríaco informou-o de que a secretária tinha saído para tomar o pequeno-almoço e ainda não voltara. Pelletier ligou logo para Espinoza e contou-lhe o telefonema com requinte de pormenores. Espinoza disse-lhe que o deixasse a ele experimentar.
Dessa vez quem atendeu não foi o austríaco, mas um estudante de Filologia Germânica. O alemão do estudante, porém, não era muito bom, então Espinoza começou a falar italiano com ele. Perguntou se a secretária do departamento tinha voltado. O estudante respondeu-lhe que estava sozinho, que todos, pelos vistos, haviam saído para tomar o pequeno-almoço e que não estava ninguém no departamento. Espinoza quis saber a que horas tomavam o pequeno-almoço na Universidade de Turim e quanto tempo costumava demorar. O estudante não entendeu o deficiente italiano de Espinoza e este teve de repetir a pergunta duas vezes, até ficar um pouco agressivo.
O estudante disse-lhe que ele, por exemplo, quase nunca tomava o pequeno-almoço, mas que isso não significava nada, que cada pessoa tinha gostos diferentes. Percebia isto ou não percebia?»
Roberto Bolaño, 2666, p. 117.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Às quartas

«a sombria beleza do tema
da estação e da morte»
, diz o Kundera algures.
nesta imagem desenha-se um olival perdido
de surdas tonalidades, atrás do cais de onde

se despenhou alguém, alguma forma
aflita e trágica, vinda do fundo súbito de uma
paisagem tão modesta, sob as vozes
de quem chega e quem parte, ou simplesmente foi ali para olhar

outros seres de passagem, outros rasos destinos sem anjo para o remorso.
há flores, dirás, algumas flores diurnas, confiantes,
que outras mãos hão-de dispor na jarra, relembrada
junto à parede branca, mas essas são um ténue

sopro de acaso, ou um fulgor antecipando outra nudez.
quando a luz já se tornou mais húmida e quase musical,
e através da folhagem a harpa do desgaste estremeceu,
e passaram as horas e passaram,

pesadas, contadas, divididas, já não dói
a beleza de alguém que vai partir, a sombria beleza
da sua ocultação intransmissível, uma brisa leve misturar-se-á
ao cheiro de óleo, aos acenos afectuosos, aos

ruídos do tema da estação. é tudo. à noite o olival
será uma massa negra de clareiras adiadas,
atrás do cais sem ninguém e sem tempo, como sempre acontece
nas pequenas estações de uma província da alma.


Vasco Graça Moura

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uma frustrada entrevista

Não interessa a razão pela qual Sousa Tavares quis inaugurar o seu programa, «Sinais de Fogo», com uma entrevista a José Sócrates: se foi para mostrar que ele, Sousa Tavares, tem influência junto do poder, se para ajudar o primeiro-ministro, se para exercer escrutínio jornalístico, se para outra coisa qualquer. Ou se foi uma miscelânea de tudo isto. Não interessa, vamos ao que interessa.
Salvo o erro a entrevista teve três partes: a introdução, sobre a situação da Madeira; o desenvolvimento, sobre o caso «Face Oculta» e suas derivações; e o epílogo, sobre a situação económica e financeira do país.
Na introdução, para além das afirmações de circunstância, onde foi afirmada a solidariedade do Governo para com os madeirenses e confirmado o fim da querela sobre a Lei das Finanças Regionais, pudemos observar as dificuldades que Sócrates revela sempre que pretende demonstrar um certo tipo de sentimentos: dor, solidariedade, tristeza, consternação, etc. Nestas situações, quando observo as transformações do seu semblante, vem-me sempre à memória as máscaras de sofrimento que, desesperadamente, nós, alunos do 2º A do então ciclo preparatório, ensaiávamos, sempre que éramos convocados para representar alguma peça de teatro, nas festas de final de período. Do mesmo modo que nós não conseguíamos convencer nenhum dos professores sobre o nosso real sofrimento, também Sócrates não se consegue livrar da manifesta incapacidade de ser genuíno. Nele, tudo parece de plástico. Mas adiante.
No desenvolvimento, ouvimos o que já tínhamos ouvido, mas não ouvimos o que gostaríamos ouvir:
- como explica Sócrates que esteja permanentemente envolvido em situações que envolvem a Justiça?
- como explica Sócrates que, dizendo que nunca está envolvido em coisa nenhuma, exista sempre alguém que o envolve: ou é um tal Smith, ou é um tal Manuel Pedro, ou é um primo, ou é um tio, ou é um segundo primo, ou é um procurador Lopes da Mota, ou é um Armando Vara, ou um Penedos, ou um Rui Soares, ou um Soares Carneiro, ou um inspector da judiciária, ou um procurador do Ministério Público de Aveiro, ou um juiz de Aveiro?
- como explica Sócrates tantos casos: o caso dos projectos de engenharia feitos por outros e assinados por ele, para contornar a lei; o caso do risca e do desarrisca o título de engenheiro nos documentos da Assembleia da República; o caso da licenciatura; o caso «Cova da Beira;» o caso da compra do apartamento; o caso «Freeport»; o caso «Face Oculta»?
Sobre isto nada ouvimos. Ouvimos, novamente, que ele e o Governo não deram instruções à PT para comprar a Média Capital. Mas isto toda a gente sabe e sempre soube. O que gostaríamos de ouvir era Sócrates dizer que nunca deu instruções a quem quer que seja para que a PT comprasse a Média Capital. Isto é que gostaríamos de ouvir, mas isto não ouvimos.
Quanto ao epílogo, ficámos a saber que, afinal, económica e financeiramente somos os melhores do mundo: fomos os últimos a entrar na crise e fomos os primeiros a sair dela e somos os que temos as melhores médias europeias de tudo e mais alguma coisa — é a versão 2010 da teoria do «oásis» de Braga de Macedo, dos idos anos 90. Mas, depois, vêm as agências de rating, vêm os comissários Almuria, vêm os economistas, vêm as dívidas, vêm as empresas que fecham, vêm os chatos dos desempregados e borram toda a pintura.
Também aqui, como nos casos em que permanentemente anda envolvido, Sócrates é uma vítima. Vítima da injustiça, vítima da incompreensão.
E, ao que parece, também vítima de si mesmo, porque já ninguém acredita nele, por mais entrevistas que dê.

Terças da MP - Chico Buarque

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Registos do fim-de-semana

Assim falam os boys

A verdade do negócio com Figo

As contradições dentro da PT

As 'fintas' a Isaltino

A promiscuidade com jornalistas

Suspeita de corrupção na campanha do PS

Lino cai em contradição
Sol (19/2/10)

Rui Pereira culpa MP por demora na criação de equipas mistas para investigar a ETA
Público (19/2/10)

Face Oculta: PT foi a única empresa que o governo não quis inspeccionar

País parado. Sindicatos querem meio milhão na rua a 4 de Março
i (19/2/10)

Freeport: Lopes da Mota está "desolado" mas não desiste

DIAP suspeita de corrupção passiva para beneficiar campanha
— Investigação do caso Figo baseia-se na suspeita de corrupção passiva de gestores do Taguspark para beneficiarem campanha de José Sócrates —
i (20/2/10)

Presidente do Taguspark só soube há dois dias do negócio com Figo

Governo atrasado na discussão do PEC
Expresso (20/2/10)

Fim do Jornal de Sexta foi decidido antes da PT negociar a TVI, diz Rui Pedro Soares
— José Eduardo Moniz afirma que as declarações do ex-administrador da PT "são uma mentira de uma ponta à outra" e garante que a Prisa que com ele isso "nunca aconteceria" —

Contas do Serviço Nacional de Saúde derraparam em 2009 e o défice acumulado aproxima-se dos 600 milhões

Procurador Lopes da Mota vai continuar com funções suspensas

Protesto em Lisboa: Organização insiste em referendo sobre casamento gay
Público (20/2/10)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pensamentos de domingo

«A boa notícia, no mundo actual, é que o idealismo é o novo realismo, graças à interconectividade.»
Tony Blair

«Não acredito em Deus, mas em Al Pacino.»
Javier Bardem

«Nos últimos anos, a qualidade começou a melhorar, mas agora isso perdeu-se.»
Franck Comhaire [referia-se à qualidade do esperma dos flamengos]
In Courrier Internacional, n.º 145.

John Zorn

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Relatividade

Relatividade do Tempo
«Muitas piadas ilustram a relatividade da percepção do tempo. Por exemplo:
Um caracol foi assaltado por duas tartarugas. Quando a polícia lhe perguntou o que tinha acontecido, ele disse:
— Não sei. Aconteceu tudo demasiado depressa.
E aí vem de novo aquele caracol:
Batem à porta, mas quando a mulher abre vê apenas um caracol. Pega nele e atira-o para o pátio. Duas semanas mais tarde, batem de novo À porta. A mulher abre e vê novamente o caracol.
— Para que foi aquilo? — pergunta o caracol.
A relatividade entre tempo infinito e eternidade foi um elemento fundamental para o pensamento filosófico e por isso, naturalmente, um elemento fundamental para os brincalhões.
Um homem está a rezar a Deus.
— Senhor — reza —, gostaria de te fazer uma pergunta.
O Senhor responde:
— Não há problema. Podes perguntar.
— Senhor, é verdade que, para ti, um milhão de anos é apenas um segundo?
— Sim, é verdade.
— Bem, nesse caso o que é um milhão de dólares para ti?
— Para mim, um milhão de dólares é apenas um cêntimo.
— Ah, nesse caso, Senhor — diz o homem —, podes dar-me um cêntimo?
— Claro — responde o Senhor. — Só um segundo.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fragmenti veneris diei

«Foi assim que Pelletier e Espinoza, que passaram por Bolonha como dois fantasmas, na sua viagem seguinte a Londres perguntaram a Norton, dir-se-ia que ofegantes, como se não tivessem parado de correr ou de trotar, em sonhos ou na realidade, mas ininterruptamente, se esta, a querida Liz que não tinha podido ir a Bolonha, amava ou gostava de Pritchard.
E Norton disse-lhes que não. Depois disse-lhes que talvez sim, que era difícil dar uma resposta conclusiva a esse respeito. Pelletier e Espinoza disseram que precisavam de o saber, isto é, precisavam de uma confirmação definitiva. Norton perguntou-lhes porque é que agora, precisamente, se interessavam por Pritchard.
E Pelletier e Espinoza responderam-lhe quase à beira das lágrimas, que se não era agora, quando?
E Norton perguntou-lhes se estavam ciumentos. Então eles disseram-lhe que isso era o que ela queria, que ciumentos de modo algum, que da maneira como eles viviam a sua amizade acusá-los de ter ciúmes era quase um insulto.
E Norton esclareceu que era só uma pergunta. E Pelletier e Espinoza disseram-lhe que não estavam dispostos a responder a uma pergunta tão cáustica ou capciosa ou mal-intencionada. E depois foram jantar e os três beberam mais do que a conta, felizes como crianças, falando dos ciúmes e das funestas consequências deles. E também falando da inevitabilidade dos ciúmes. E falando da necessidade dos ciúmes, como se os ciúmes fossem necessários a meio da noite. Para não mencionar a doçura e as feridas abertas que por vezes, e sob certos olhares, são guloseimas. E à saída apanharam um táxi e continuaram a discursar.
E o taxista, um paquistanês, durante os primeiros minutos observou-os pelo espelho retrovisor, em silêncio, como se não desse crédito aos seus ouvidos, e depois disse qualquer coisa na sua língua e o táxi passou por Harmsworth Park e pelo Imperial War Museum, por Brook Street e depois por Austral e depois por Geraldine, dando a volta ao parque, uma manobra manifestamente desnecessária. E quando Norton lhe disse que se tinha perdido e lhe indicou quais as ruas que ele devia seguir para retomar o rumo, o taxista ficou, outra vez, em silêncio, sem mais murmúrios na sua língua incompreensível, para depois reconhecer que, efectivamente, o labirinto que Londres era tinha conseguido desorientá-lo. Algo que levou Espinoza a dizer que o taxista, sem ter essa intenção, porra, claro, tinha citado Borges, que uma vez comparou Londres a um labirinto. Ao que Norton replicou que muito antes de Borges já Dickens e Stevenson se havia referido a Londres utilizando esse tropo. Coisa que, pelos vistos, o taxista não estava disposto a tolerar, pois logo a seguir disse que ele, um paquistanês, podia não conhecer esse Borges de que falavam e que podia também não ter lido esses senhores Dickens e Stevenson de que também falavam e que até talvez ainda não conhecesse Londres e as ruas suficientemente bem e que por essa razão a tinha comparado a um labirinto, mas que, pelo contrário, sabia muito bem o que era decência e dignidade e que, pelo que tinha ouvido, a mulher ali presente, isto é, Norton, não tinha decência e dignidade e que no seu país isso tinha um nome, o mesmo nome que lhe davam em Londres, que casualidade, e que esse nome era o de puta, embora também fosse lícito utilizar o nome de vaca, ou cabra ou porca, e que os senhores ali presentes, senhores que não eram ingleses a julgar pela sua pronúncia, também tinham um nome no seu país e esse nome era o de chulos ou azeiteiros ou proxenetas ou javardos.
Discurso que, dito sem exagerar, apanhou de surpresa os archimboldianos, que demoraram a reagir, digamos que os impropérios do taxista foram largados em Geraldine Street e que eles só conseguiram articular palavra em Saint George's Road. E as palavras que conseguiram articular foram: pare o táxi imediatamente que queremos sair. Ou então: pare o seu veículo nojento que nós preferimos apear-nos. Coisa que o paquistanês fez sem demora, accionando, ao mesmo tempo que estacionava, o taxímetro, e anunciando aos seus clientes o que estes deviam. Acto consumado ou última cena ou último cumprimento que Norton e Pelletier, talvez ainda paralisados pela injuriosa surpresa, não consideraram anormal, mas que fez extravasar, e em grande medida, o copo da paciência de Espinoza, o qual, ao mesmo tempo que saía, abriu a porta da frente do táxi e extraiu lá de dentro violentamente o condutor, que não esperava uma reacção assim de um cavalheiro tão bem vestido. Esperava ainda menos a chuva de pontapés ibéricos que começou a cair-lhe em cima, pontapés que primeiro era só Espinoza a dar, mas que depois, quando este se cansou, Pelletier também lhe desferiu, apesar dos gritos de Norton que tentava dissuadi-los, das palavras de Norton que dizia que com violência não se resolve nada, que, pelo contrário, este paquistanês depois da tareia ia odiar ainda mais os ingleses, algo que pelos vistos não dava preocupação a Pelletier, que não era inglês, a Espinoza ainda menos, mas os dois, ao mesmo tempo que pontapeavam o corpo do paquistanês, insultavam-no em inglês sem se importaram nada que o asiático estivesse caído, feito um novelo no chão, pontapé vai e pontapé vem, enfia os islão no cu, é lá que ele deve estar, este pontapé é pelo Salman Rushdie (um autor que ambos, por outro lado, consideravam mais para o mau, mas referi-lo pareceu-lhes pertinente), este pontapé é da parte das feministas de Paris (parem de uma vez por todas, gritava-lhes Norton), este pontapé é da parte das feministas de Nova Iorque (vocês vão matá-lo, gritava-lhes Norton), este pontapé é da parte do fantasma de Valerie Solanas, seu filho da mãe e assim até o deixarem inconsciente e a sangrar por todos os orifícios da cabeça, menos pelos olhos.

Quando acabaram de lhe dar pontapés permaneceram uns segundos mergulhados na quietude mais estranha das suas vidas. Era como se, por fim, tivessem feito o ménage à trois, com que tanto tinham fantasiado.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 94-96

Tudo absolutamente normal

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Aí vem mais do mesmo

O Partido Socialista decidiu, e a comunicação social que lhe é particularmente afecta divulgou, com ênfase desmesurada, anunciar que vai, a partir de hoje, a uma só voz e com uma unidade férrea, dar resposta a mais uma, no seu dizer, sórdida campanha contra o seu secretário-geral e nosso primeiro-ministro.
Pela enésima vez, vamos ouvir, ler e ver mais do mesmo. Enfadonhamente, enjoadamente, vamos ouvir dizer que tudo o que tem sido divulgado acerca do caso "Face Oculta" e que envolve José Sócrates não passa de mais uma cabala, de mais uma tentativa de assassinato de carácter, de mais uma maquiavélica campanha que visa descredibilizar, por motivações hediondas, o chefe do Governo.
Assessorados por agências de comunicação (ou de imagem, como se preferir chamar), o Governo e o PS vão repetir, até à exaustão, que tudo é mentira, que nunca por nunca José Sócrates congeminou, imaginou e muito menos arquitectou qualquer tentativa de controlo da comunicação social, em geral, e muito menos da TVI, em particular. Vamos, mais uma vez, ouvir dizer que as escutas estão descontextualizadas e que aqueles que falaram ou agiram em nome de Sócrates o fizeram à revelia do próprio e usaram esse nome de modo abusivo e, portanto, reprovável. O usual, o já visto, o já ouvido.
A rematar, também ouviremos dizer que o Governo está empenhado em resolver os problemas do país e que resistirá a todas as tentativas de derrube ilegítimo. Ainda teremos de ouvir que, num momento de crise, como a que atravessamos, estas campanhas apenas prejudicam a imagem de Portugal e dos portugueses.
E, nas televisões, surgirão, umas atrás das outras, as caras do costume a dizerem o costume, da forma do costume.
Teremos, pois, mais do mesmo, invariavelmente, repetidamente, enfadonhamente.

Às quartas

A Magnólia

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem a forma
o meu resplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

Luiza Neto Jorge

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Registos do fim-de-semana

Face Oculta. O Polvo:
— O plano para controlar o DN, o JN e a TSF. As manobras da Ongoing. O contrato da PT com Moniz. Os jornalistas 'amigos' —

PT usada para lançar novo grupo de media

O empresário amigo
Sol (12/2/10)

Primeira tentativa em 30 anos de censura prévia a um jornal falhou

Uma tarde de mal-estar e desorientação nas bancadas do Governo e do PS
Público (12(2/10)

Queixa de Moura Guedes pode levar Sócrates a tribunal

"Sol" não acata providência cautelar e publica novos dados sobre Face Oculta

Pressão judicial. Queixa abre possibilidade de levar Sócrates a juiz de instrução
i (12/2/10)

As mentiras de Sócrates sobre a compra da TVI

No PS reina a expectativa e a confusão

Sem Norte, sem rumo, sem decoro

PS e PT apanhados em sucessivas contradições

Cinco anos de tentativas do PS sobre a TVI

Conselho quer ouvir justificações do PGR

Uma obsessão e várias mentiras estão quase a dar cabo do Governo
Expresso (13/2/10)

A saída de Sócrates? «Se ele sair, o PS tem no governo e na assembleia boas soluções», diz Costa

Chairman da PR diz que foi "encornado"
i (13/2/10)

Presidente da PT demarca-se de administradores envolvidos no processo

Governo diz que "não tem receio" das escutas e está disposto a resistir
Público (13/2/10)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pensamentos de domingo

«Aprender a dominar é fácil, mas a governar é difícil.»
Johann Goethe

«A morte de uma organização acontece quando os de baixo já não querem e os de cima já não podem.»
Vladimir Lénine

«Um governo, mesmo quando perfeito, não passa de um mal necessário; quando imperfeito, é um mal insuportável.»
Thomas Paine
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Julian 'Cannonball' Adderley e Miles Davis

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca da Filosofia Social e Política

Filosofias Económicas (4)
«Adam Smith teve o mérito de prever algumas das armadilhas do livre capitalismo, como o crescimento dos monopólios. Mas foi Karl Marx que, no século XIX, criou uma filosofia económica que atacava a inevitável distribuição desigual de riqueza inerente à própria estrutura do capitalismo. Marx disse que, com a revolução, o Governo do homem comum eliminará a disparidade entre ricos e pobres - uma disparidade que abrange tudo desde a propriedade ao crédito. Recentemente, estávamos em Cuba para comprar alguns charutos baratos quando entrámos num clube de comédia em Havana e ouvimos o seguinte número:
José: Que mundo louco! Os ricos, que poderiam pagar com dinheiro, compram a crédito. Os pobres, que não têm dinheiro, têm de pagar à vista. Marx não diria que deveria ser ao contrário? Os pobres deveriam poder comprar a crédito e os ricos deviam pagar com dinheiro. Manuel: Mas os lojistas que concedessem crédito aos pobres depressa ficariam pobres! José: Tanto melhor! Depois, também poderiam comprar a crédito!»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Das respostas, ou da sua ausência, até àquilo que resta

Às acusações de que é alvo, decorrentes das escutas em que foi apanhado no caso «Face Oculta», Sócrates tem respondido de duas formas.
Uma, pretensamente factual: o Governo nunca deu instruções à PT nem a nenhuma outra empresa para comprar a Média Capital.
Outra, pretensamente do domínio dos princípios: o que é da Justiça é da Justiça, não é da Política.
Com estas respostas, Sócrates pretende sair inocentado das acusações que lhe são dirigidas. Todavia, a fraqueza dos argumentos revela as dificuldades em que o primeiro-ministro se encontra.
A resposta pretensamente factual, que Sócrates dá, não nos diz nada acerca do que interessa. É, apenas, um modo ardiloso de tentar fugir às suspeições/acusações que lhe são dirigidas. Quem foi apanhado nas escutas a organizar um plano de intervenção e manipulação da comunicação social não foi o Governo, foi o primeiro-ministro, foi José Sócrates e alguns dos seus correlegionários.
Ninguém sugere ou espera que exista uma resolução formal do Conselho de Ministros a delinear um plano de interferência nas televisões, rádios ou jornais. É óbvio que o Governo, enquanto tal, não deu quaisquer instruções a quem quer que seja para tomar de assalto o que quer que fosse. Ainda não chegamos a esse ponto.
Aquilo a que o primeiro-ministro tem de responder é: se ele, José Sócrates, deu, ou não deu, instruções para que essa interferência se realizasse; se orientou, dirigiu, arquitectou essa intervenção em algum órgão da comunicação social. É a isto que Sócrates tem de responder. Mas a resposta tarda.

A outra resposta que Sócrates tem dado, a que pretensamente pertence ao domínio dos princípios, consiste em afirmar a separação entre Justiça e Política e, a partir daqui, tentar furtar-se a responder às acusações que lhe são dirigidas (curiosamente, Francisco Louçã, caiu, anteontem, no Parlamento, neste ardil, que o primeiro-ministro imediatamente agradeceu e aproveitou para perorar sobre o assunto. Depois, Louçã quis emendar a mão, mas já era tarde).
É óbvio que a Justiça não se rege, nem pode reger, por critérios políticos. Mas, novamente, não é disso que estamos a falar. Sócrates tenta fugir ao que está em causa, faz de conta que fala do assunto, falando de outra coisa. Do que estamos a falar é se, independentemente de eventuais implicações criminais, o seu comportamento tem, ou não tem, consequências políticas. Ora isto só se pode apurar se existir um esclarecimento, um debate e uma avaliação política sobre a sua actuação.
Neste contexto, o argumento, insistentemente difundido, de que a divulgação de conversas privadas seria um crime, e, por consequência, a análise e o escrutínio dessas conversas seria um acto de conivência com esse crime, não colhe. É claro que ninguém tem o direito de conhecer e/ou divulgar conversas privadas, se essas conversas privadas versarem assuntos privados ou, mesmo que não sejam estritamente do domínio pessoal, se não atentarem contra o domínio público. Isto é inquestionável e qualquer violação deste preceito é inaceitável.
Mas, uma vez mais, não é disso que se trata. Do que se trata, neste caso, é de conversas tidas em privado que visavam atacar e atingir interesses públicos, que visavam atacar e atingir a coisa pública, isto é, a res pública. E quando, em privado, se congemina e pretende atingir o interesse público, é o interesse público que tem necessariamente de prevalecer sobre o interesse privado. É a esta luz que o trabalho jornalístico desenvolvido pelo jornal Sol deve ser visto.
É por isto mesmo que a liberdade de expressão é um pilar fundamental de qualquer sociedade democrática. Porque essa liberdade de expressão constitui o único instrumento que garante a possibilidade de escrutínio público do governo da coisa pública. Não há outra forma desse escrutínio poder ser realizado.
É também por isto que Sócrates tem de responder. Mas a resposta continua a tardar.

Chegados aqui, só um de quatro caminhos é possível: ou Sócrates dá uma explicação que desacredite toda a informação conhecida acerca do seu comportamento; ou Sócrates pede a demissão; ou o Presidente da República o demite; ou o PS resolve o problema internamente, retirando a confiança a Sócrates e indicando, ao Presidente da República, uma outra figura para ser nomeado primeiro-ministro.

E assim é Portugal governado


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Foi hoje, em frente à Assembleia da República: Todos pela Liberdade




Ao mesmo tempo que decorria esta concentração pela defesa da Liberdade, decorria uma tentativa de impedir que o semanário Sol pudesse continuar a desenvolver o seu trabalho. Um dos arguidos do caso «Face Oculta» requereu, junto do tribunal, uma providência cautelar nesse sentido. Todavia, segundo as informações disponíveis até ao momento, essa providência cautelar não pôde ser entregue, porque os visados não se encontravam na sede do jornal.

Quinta da Clássica -Claude Debussy

Blogues: Todos pela Liberdade

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Consultar aqui a actualização.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Às quartas

O Visitante Nocturno

eram seus olhos verdes
um sonho que chorava no asfalto da rua
e os versículos da sua inocência
uma sede no homem enterrada

desatou o cavalo verde da chuva dos cravos do raio
e deslizou através das nuvens
para visitar o sonho adormecido nas camas das crianças
e alimentá-las, ou dar-lhes de beber, da fonte do verde mel.

seus pés bons
e seu corpo trémulo e nu
esfolavam-se nos mastros da noite.
e nos seus dorsos fundiam-se colunas de granito.
foi enterrado sobre os beirados dos tectos e das torres
crucificado, sangrando, mordido nas trevas pelos gatos.

o peixe negro salta na corrente do sangue
e escapa:
comboios de gente surda
trombetas que ressoam,
génios que gritam dentro de uma garrafa
vozes que clamam na garganta do asfalto

quem, no ventre tenebroso, morreu
e quando secará o sangue?

Muhammad 'Afifi Matar
(Trad.: Adalberto Alves)

Eu vou

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Primeiro-ministro até quando?

Sócrates é um político perigoso, não só porque é um mau governante, mas também porque não tem nenhum rebuço em arrastar o país para o pântano da degradação política e económica, que ele próprio criou.
Sócrates não é um estadista. Nunca o foi. Ao longo de cinco anos de governo, Sócrates colocou sempre os seus interesses pessoais à frente dos interesses do país. Ao longo destes longos e penosos cinco anos de governo, Sócrates viveu obcecado pela a sua imagem e a imagem do seu governo, e obcecado pelo exercício arrogante e prepotente do poder.
Sócrates não tem substância política, não tem substância filosófica, não tem substância cultural. Sócrates é o exemplo daquilo a que talvez se possa chamar um neoyuppismo, que ultimamente tem medrado no domínio da política, e não só.
Do mesmo modo que os yuppies, dos anos 80, tinham formação universitária q.b. e, em regra, tinham sido apenas medianos ou mesmo medíocres alunos, e apresentavam-se como o símbolo dos profissionais pragmáticos, destituídos de quaisquer «excrescências» ideológicas, filosóficas ou de qualquer «tique» reflexivo; os neoyuppies da política actual também têm uma formação universitária de mais que duvidosa qualidade e também se apresentam como excelsos pragmáticos, limpos de quaisquer arqueológicos conceitos de natureza ideológica ou filosófica. O basismo das suas convicções reduz-se à crença nos poderes milagrosos da tecnologia e da meritocracia. Acreditam que atirando tecnologia para cima dos problemas eles se resolvem e acreditam que enchendo os discursos do vocábulo «mérito», e seus derivados, obtêm a receita do desenvolvimento. Os gadgets informáticos, para uma solução rápida, eficaz e modernaça das dificuldades, e a folha de excel, para a almejada avaliação do mérito, constituem o fascinante e circunscrito mundo dos neoyuppies da política.

Sócrates é isto. Mas Sócrates é mais. Sócrates junta à sua falta de formação e à sua falta de cultura democrática uma perigosa inconsciência política. Do seu ponto de vista, os fins pessoais justificam qualquer meio, deste modo, tudo aquilo que se opuser à consecução desses fins pode e deve ser destruído. E, para isso, socorre-se de tudo o que estiver à mão: desde a manipulação de pessoas e empresas até à tentativa de cerceamento da liberdade de expressão.
Sócrates acha-se no direito, desde que seja em conversa privada, de montar esquemas de assalto ao controlo de órgãos da comunicação social. Sócrates acha-se no direito de apelidar, como fez hoje, de «acto criminoso» a notícia jornalística do seu plano de ataque à liberdade.
Sócrates enquanto simples cidadão pode querer comprar qualquer órgão da comunicação social, e nomear os seus administradores e directores, ainda que por lei esteja impedido de interferir na linha editorial, mas enquanto cidadão que exerce funções de Estado, neste caso de primeiro-ministro, não pode sequer pensar, e muito menos arquitectar, interferir administrativamente em televisões, rádios ou jornais. Sócrates sabe tudo isto, mas fá-lo.
Se a notícia jornalística foi um «acto criminoso», que classificativo deve ser utilizado para o acto arquitectado por Sócrates primeiro-ministro?
Neste momento, Sócrates é um político desorientado, que há muito perdeu o Norte, que há muito deveria ter abandonado as funções de chefe de Governo.
Neste momento, Sócrates é a versão europeia dos Hugo Chavez, dos Fidel de Castro, dos Kadafi deste mundo.
Até quando?

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

PETIÇÃO

O primeiro-ministro de Portugal tem sérias dificuldades em lidar com a diferença de opinião.
Esta dificuldade tem sido evidenciada ao longo dos últimos 5 anos, em sucessivos episódios, todos eles documentados. Desde o condicionamento das entrevistas que lhe são feitas, passando pelas interferências nas equipas editoriais de alguns órgãos de comunicação social, é para nós evidente que a actuação do primeiro-ministro tem colocado em causa o livre exercício das várias dimensões do direito fundamental à liberdade de expressão.
A recente publicação de despachos judiciais, proferidos no âmbito do processo Face Oculta, que transcrevem diversas escutas telefónicas implicando directamente o primeiro-ministro numa alegada estratégia de condicionamento da liberdade de imprensa em Portugal, dão uma nova e mais grave dimensão à actuação do primeiro-ministro.
É para nós claro que o primeiro-ministro não pode continuar a recusar-se a explicar a sua concreta intervenção em cada um dos sucessivos casos que o envolvem.
É para nós claro que o Presidente da República, a Assembleia da República e o poder judicial também não podem continuar a fingir que nada se passa.
É para nós claro que um Estado de Direito democrático não pode conviver com um primeiro-ministro que insiste em esconder-se e com órgãos de soberania que não assumem as suas competências.
É para nós claro que este silêncio generalizado constitui um evidente sinal de degradação da vida democrática, colocando em causa o regular funcionamento das instituições.
Assistimos com espanto e perplexidade a esse silêncio mas, respeitando os resultados eleitorais e a vontade expressa pelos portugueses nas últimas eleições legislativas, não nos conformamos. Da esquerda à direita rejeitamos a apatia e a inacção.
É a liberdade de expressão, acima de qualquer conflito partidário, que está em causa.

Apelamos, por tudo isto, aos órgãos de soberania para que cumpram os deveres constitucionais que lhes foram confiados e para que não hesitem, em nome de uma aparente estabilidade, na defesa intransigente da Liberdade.

Para assinar a petição, clicar no título ou aqui.

Registos do fim-de-semana

As escutas proibidas

O 'plano' de Sócrates à beira das eleições

Procurador de Aveiro defendeu investigação urgente

Juiz reforçou despacho do procurador

Director da PJ de Aveiro deu o alerta

Escutas revelam o 'esquema' e os negócios

Conversas fatais

O boy de Sócrates na PT e o seu assessor

Crespo acusa JN de infâmia
Sol (5/2/10)


PS chumbou proposta do CDS sobre cirurgias que fazia parte do acordo para o Orçamento

TC exige devolução de verbas gastas na Madeira

Noronha do Nascimento incapaz de avaliar corrupção

Plataforma volta ao Parlamento por causa dos casamentos gay

Conselho superior da Magistratura mantém um só juiz para mega processos

Dívida da ADSE coloca mais de mil doentes renais em risco
Público (5/2/10)


Horas dramáticas: Sócrates não se demite e derrota oposição. Mas a crise continua
— Perceba os jogos de bastidores// A estratégia de Teixeira dos Santos// As manobras de Sócrates —

Juiz de Aveiro detecta «indícios muito fortes» de plano para controlar TVI
i (5/2/10)

«Há nervosismo a mais na AR e nos edifícios limítrofes» (Cavaco Silva)

Ministro admite desmantelar e vender CP

Perícias da Justiça demoram eternidades

«Há uma solução final para jornalistas incómodos» (Mário Crespo)
Expresso (6/2/10)

Câmaras gastam 20 milhões de euros por ano nos estádios municipais do Europeu

Parlamento vai ouvir directores de informação e jornalistas
Público (7/2/10)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Pensamentos de domingo

«Que sorte os soberanos têm: as pessoas não pensam.»
Adolf Hitler

«A política é o modo de sustento que tem sido mais influenciado pelos estratos mais decadentes das nossas classes criminosas.»
Ambrose Bierce

«Não sei nada de música. Na minha profissão não é necessário.»
Elvis Presley
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Scott Hamilton

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca da Filosofia Social e Política

Filosofias Económicas (3)
«Os economistas clássicos também não prestaram muita atenção ao que agora chamamos "valor escondido" - por exemplo, o trabalho não remunerado efectuado pelas mães que ficam em casa. Esta história ilustra o conceito do valor escondido:
Um famoso coleccionador de arte anda a passear pela cidade quando repara num gato tinhoso a lamber leite num pires à porta de uma loja. Pára e observa com atenção. Percebe que o pires é extremamente antigo e muito valioso., por isso entra casualmente na loja e oferece-se para comprar o gato por dois dólares.
- Lamento, mas o gato não está à venda - responde o proprietário da loja.
- Por favor, preciso de um gato esfomeado em casa para caçar ratos - insiste o coleccionador. - Pago-lhe vinte dólares por aquele gato.
- Vendido - diz o proprietário da loja, entregando-lhe o gato.
- Hei, por vinte dólares será que pode incluir aquele pires velho? - diz o coleccionador. - O gato está acostumado a ele e escuso de lhe comprar um prato.
- Lamento, amigo, mas este é o meu pires da sorte - replica o dono da loja. - Esta semana já vendi 38 gatos.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Fragmenti veneris diei

«Mas agora Norton contava a história de um pintor, o primeiro que tinha vindo viver para o bairro.
Era um tipo novo, de uns trinta e três anos, conhecido no meio, mas não sendo o que se pode chamar de famoso. Na realidade, foi viver para ali porque o arrendamento do estúdio lhe saía mais barato do que noutros lados. Naquela época, o bairro não era tão alegre como agora. Ainda lá viviam os velhos operários que recebiam da Segurança Social, mas já não havia gente nova nem crianças. As mulheres primavam pela sua ausência: ou tinham morrido ou então passavam o tempo dentro das suas casas sem nunca saírem à rua. Só havia um pub, tão em ruínas como o resto do bairro. Em suma, tratava-se de um lugar solitário e decadente. Mas isso parece que espicaçou a imaginação e a vontade de trabalhar do pintor. Ele também era um tipo mais ou menos solitário. Ou que se sentia bem na solidão.
Por isso o bairro não o assustou, pelo contrário, apaixonou-se por ele. Gostava de voltar à noite e caminhar por ruas e ruas sem encontrar ninguém. Gostava da cor dos candeeiros da rua e da luz que se espalhava pelas fachadas das casas. Das sombras que se deslocavam à medida que ele se deslocava. Das madrugadas de cor cinza e fuligem. das pessoas de poucas palavras que se reuniam no pub, do qual se tornou cliente. Da dor, ou da recordação da dor, que naquele bairro era literalmente sugada por algo sem nome e que se convertia, depois deste processo, em vazio. Da consciência de que esta equação era possível: dor que finalmente devém vazio. Da consciência de que esta equação era aplicável a tudo ou quase tudo.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 70-71.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

PS: um partido à deriva

Três vice-presidentes da bancada parlamentar do PS anunciaram que iriam apresentar, na comissão de combate à corrupção, uma proposta que visava tornar públicos os rendimentos brutos de todos os contribuintes.
Agora, à tarde, o líder parlamentar do PS veio desautorizar os seus três vice-presidentes ao afirmar que discordava completamente dessa proposta, que essa proposta não era do PS, que nunca a discutiu, e garantiu que enquanto for ele o presidente do grupo parlamentar essa proposta nunca será apresentada. (Ver aqui a notícia).
Para além da idiotice da proposta (se querem verdadeiramente combater a corrupção e a fuga ao fisco, terminem de uma vez com o sigilo bancário), já denunciada por quase todos os partidos (do Bloco ao CDS), o que releva daqui é o desnorte que domina o partido do Governo.
Desde os recentes ataques descontrolados de Sérgio Sousa Pinto ao Presidente da República; passando pelo conflito entre o ministro das Finanças e o ministro dos Assuntos Parlamentares, quanto à Lei das Finanças Regionais; passando pelo total desalinho entre Sócrates e Teixeira dos Santos, quanto à origem dos descalabro do défice; passando pelo caso "Mário Crespo", onde se evidencia, uma vez mais, um primeiro-ministro desequilibrado; chegando à presente revelação da anarquia que reina no grupo parlamentar do PS; tudo mostra a completa desorientação em que o Governo e o partido que o apoia se encontram.
Isto não constituiria motivo de qualquer preocupação, não fosse o facto de ser este grupo de pessoas que, lamentavelmente, governa o país.

Às quartas

No Fundo Florestal do Dia

O acto simples da aranha que tece uma estrela na penunbra,
o peso elástico do gato em direcção à borboleta,
a mão que resvala no lombo morno do cavalo,
o olor sideral da flor do café,
o sabor azul da baunilha,
detêm-me no fundo do dia.

Há um resplendor côncavo de fetos,
uma ressonância de insectos,
uma presença cambiante de água nos recantos pétreos.

Reconheço aqui minha idade feita de sons silvestres,
de lume de orquídea,
de cálido espaço florestal, onde o pica-pau faz soar o tempo.
Aqui o entardecer inventa uma rubra pedraria,
uma constelação de pirilampos,
uma queda de folhas lúcidas nos sentidos,
rumo ao fundo do dia,
onde se encantam meus ossos agrestes.

Vicente Gerbasi
(Trad.: José Bento)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

TUDO MAIS DO QUE CONFIRMADO

Retirado do sítio do Expresso:


«Foi o primeiro-ministro a dirigir-se a Nuno Santos, director de programas da SIC, para lhe dizer que o jornalista Mário Crespo era "um problema" que tinha de ser resolvido. Santos almoçava com Bárbara Guimarães no Hotel Tivoli, em Lisboa, no dia da entrega no Parlamento do Orçamento do Estado.


Crespo confirmou as informações

junto de Nuno Santos e de Bárbara Guimarães

Nuno Santos, director de programas da SIC, é o "executivo de televisão" referido por Mário Crespo na coluna de opinião recusada pelo "Jornal de Notícias" e a quem José Sócrates disse que o pivot do "Jornal das Nove" da SIC Notícias era "um louco" e "um problema" que teria de "ter solução".

Segundo fontes da estação contactadas pelo Expresso, a conversa decorreu no dia de apresentação ao Parlamento da proposta de Orçamento de Estado para 2010, durante a hora de almoço, no Hotel Tivoli, em Lisboa.


Iniciativa da conversa foi de Sócrates

Segundo as mesmas fontes, terá sido José Sócrates e os seus dois ministros dos Assuntos Parlamentares e da Presidência (Jorge Lacão e Silva Pereira) a dirigirem-se à mesa onde se encontrava Nuno Santos a almoçar com a apresentadora de televisão Bárbara Guimarães.

Em tom exaltado e facilmente audível pelos presentes no restaurante, o primeiro-ministro terá tido a iniciativa de falar de Mário Crespo e do conteúdo do seu noticiário, considerando mesmo que o jornalista deveria "ir para o manicómio". "Definiram-me como um problema que teria de ter solução", escreveu Mário Crespo na crónica censurada.


Nuno Santos confirmou palavras do primeiro-ministro

A informação sobre o teor desta conversa chegou ao conhecimento de Mário Crespo, não através dos seus colegas da SIC, mas através de um e-mail "de uma pessoa que estava presente no restaurante e me transmitiu o que ouviu", disse o jornalista ao Expresso.

Crespo confirmou, em seguida, as informações junto de Nuno Santos e de Bárbara Guimarães, antes de escrever a sua habitual crónica destinada ao "Jornal de Notícias". Aliás, no artigo - que seria recusado pelo director do JN por, alegadamente, a informação não ter sido confirmada - Mário Crespo sublinha que o relato "é fidedigno. Confirmei-o" e transcreve mesmo partes do e-mail recebido.»

Rosa Pedroso Lima