sexta-feira, 31 de julho de 2009

Relatório da OCDE - 7

A sétima conclusão desenvolve a proposta já atrás enunciada: «Simplificar o modelo actual e utilizá-lo predominantemente para a progressão na carreira».
Os «ajustamentos», na opinião dos autores do parecer, deveriam realizar-se em três domínios:

1. Simplificação

a)«redução da frequência dos momentos de avaliação»
b)«simplificação dos critérios de avaliação»
c)«simplificação dos instrumentos de avaliação»
Exceptuando Lurdes Rodrigues, José Sócrates, os teóricos do «eduquês» e aqueles professores que, de modo oportunista, nas escolas, se colaram ao modelo, porque lhes trouxe vantagens directas, toda a gente sabe que isto é o óbvio. Toda a gente sabe que quem elaborou o modelo da ministra conhece muito pouco de avaliação e muito pouco sabe do funcionamento das escolas e, por isso, produziu um dislate incomensurável. Toda a gente que a parafernália de critérios, itens e subitens de avaliação escondia apenas a incompetência dos responsáveis técnicos e políticos da monstruosidade avaliativa que veio à luz, sob a forma de decreto regulamentar, no dia 10 de Janeiro de 2008, e que, recorde-se, era para ser concretizada em 30 dia úteis!!
Mas não chega dizer que é preciso simplificar. É preciso dizer em quê e como. O relatório não o diz.

2. Introdução de uma componente externa
Outro «ajustamento» que o relatório propõe é a introdução de uma «componente externa na avaliação para a progressão da carreira». Há muito tempo que sou dessa opinião. Sabemos que não existe nenhum sistema perfeito, mas a literatura científica sobre esta matéria mostra que um modelo assente exclusivamente na avaliação inter-pares tem múltiplas objecções. No caso concreto português, e depois de tudo o que já se passou neste ano e meio dentro das escolas e, em particular, com a situação criada pelo vergonhoso concurso para professor titular, que degradou as relações entre colegas, a existência de uma componente externa ainda me parece mais pertinente. O Ministério da Educação, que nunca esteve preocupado com a seriedade e a qualidade da avaliação dos professores, mas apenas em poupar dinheiro, sempre rejeitou esta componente, porque lhe saía cara e porque lhe feria a estratégia de «dividir para reinar».

3. Introdução de indicadores padronizados
O terceiro «ajustamento» proposto é o seguinte: «a avaliação para progressão na carreira deveria estar ligada a critérios e indicadores padronizados ao nível nacional (tendo embora em consideração o contexto de cada escola)». O carácter muito genérico desta proposta não permite formular um juízo fundamentado sobre a mesma. Pode ser que sim, pode ser que não. Depende do que estivermos a falar.

Ainda vamos na sétima conclusão, das vinte e uma, mas já é possível ver, com propriedade, que as alterações propostas implicam construir um novo modelo de avaliação.
(Continua, depois das férias)

Fragmenti veneris diei

«Lembro-me de ter lido também nas Selecções a história de um indivíduo que um dia, ao voltar do trabalho, sofre no meio da rua um ataque de amnésia e esquece quem é. O homem não leva consigo a documentação, motivo pelo qual vai pedir ajuda a uma esquadra onde, depois de um breve interrogatório que não proporciona nenhum resultado, o conduzem a um lugar cheio de gente com o mesmo problema. É uma espécie de bairro por onde as pessoas deambulam sem saber quem são. Fora disso, levam uma vida normal com intercâmbios económicos e sentimentais que reproduzem o mundo do qual provêm. Num dado momento o protagonista da história recupera a memória, mas não o diz a ninguém, pois descobriu que aqueles que a recuperam têm alta e são levados para o mundo anterior (e exterior), que era mais duro que o actual. A partir da situação em que está, cedo descobre que há mais pessoas a fingir que continuam amnésicas para não terem de assumir as fadigas da sua vida passada. Identifiquei-me muito com aquela personagem, pois também para mim teria sido um privilégio esquecer-me de quem era. Mais de uma vez, ao passar perto de uma esquadra, estive quase a entrar e dizer que perdera a memória, mas faltou-me a coragem.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, pp. 140-141.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Movimentos independentes almoçaram com Santana Castilho e analisaram o estado da Educação

António Ferreira (APEDE); Nicolau Marques (APEDE); José Farinha (MUP), Mário Machaqueiro (APEDE); Ricardo Silva (APEDE); Santana Castilho (Convidado de Honra); Ilídio Trindade (MUP); Octávio Gonçalves (PROmova); Pedro Areias (PROmova); José Pimpão (APEDE); José Aníbal (PROmova).

Coincidência de posições em matéria de política educativa entre os movimentos independentes de professores e Santana Castilho

Os representantes dos movimentos independentes de professores (APEDE, MUP e PROmova) encontraram-se, no dia 28 de Julho e no quadro de um almoço informal, com o Professor Santana Castilho, com quem debateram o actual momento da educação em Portugal.

Da informalidade do diálogo ocorrido, ressaltou a constatação de uma notável convergência entre as reivindicações dos movimentos de professores e as ideias e posições assumidas por Santana Castilho.

Além desta sintonia, tivemos oportunidade de confirmar o perfil de voz autorizada, de coerência e de independência que constitui Santana Castilho, assumindo-se como uma referência exemplar para os movimentos de professores.

Tendo em conta o actual contexto político e o panorama académico nacionais, não temos dúvidas em afirmar que Santana Castilho é a pessoa melhor preparada, do ponto de vista técnico, científico e político, para assumir responsabilidades governativas na área da Educação, além de representar para os professores portugueses um modelo de oposição coerente e fundamentada às afrontosas e erradas políticas educativas deste Governo.

Neste momento, Santana Castilho constitui a figura pública capaz de devolver a tranquilidade de que os professores e a escola pública carecem e de funcionar como catalisador da motivação e da disponibilidade dos professores para trabalharem empenhadamente nas melhores soluções para a escola pública.

Conhecedores das ideias e da determinação do professor Santana Castilho, consideramos que o conhecimento público e atempado do seu envolvimento numa alternativa de Governo na área da Educação constituirá, seguramente, uma não despicienda vantagem eleitoral para o partido que tenha a inteligência de saber contar com ele.

Quinta da Clássica - Jacques Offenbach

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Às quartas

Os Dias de Verão

Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo

Sophia de Mello Breyner Andresen

Relatório da OCDE - 6

A sexta conclusão do relatório consiste no aprofundamento da primeira proposta enunciada na conclusão anterior. Começa por relembrar que se deve: «Reforçar a avaliação para a melhoria do desempenho com uma componente predominantemente dedicada à avaliação para o desenvolvimento.» Já referi, no post antecedente, que o verbo «reforçar» está incorrectamente aplicado e que deveria ser substituído pelo verbo «introduzir», mas passemos adiante.
O relatório diz, em seguida: «É necessário valorizar fortemente a avaliação de professores tendo em vista o aperfeiçoamento contínuo das práticas docentes na escola (i.e. avaliação para desenvolvimento).» É necessário valorizar fortemente, considera o relatório. Apesar da permanente preocupação de não ferir a susceptibilidade do Governo, os autores do parecer não se coíbem de dizer que é imperioso investir fortemente na avaliação formativa, o que quer dizer, em linguagem rigorosa e sem preocupações de ser politicamente correcta, que é obrigatório instituir a vertente mais importante da avaliação, que eles designam por: avaliação para o desenvolvimento profissional — que, no modelo actual, não existe.
Mais à frente, o relatório especifica: «Esta componente seria um processo interno, que consideraria os desempenhos pedagógico e funcional dos professores e teria em conta os objectivos da escola assim como as especificidades do professor avaliado. O principal resultado seria poder assegurar ao professor feedback sobre o seu desempenho, assim como sobre o seu contributo para a escola, e resultaria numa avaliação estritamente qualitativa (i.e. sem qualquer classificação quantitativa) e na elaboração de um plano de desenvolvimento profissional, que passariam a integrar os registos profissionais do professor. Esta componente seria organizada anualmente para cada professor ou até com menos frequência, dependendo das avaliações anteriores, e seria assegurada pelos órgãos de gestão intermédia (por exemplo, coordenadores de departamento), por pares mais qualificados e pelo director da escola ou por outros membros da direcção.»
Nada disto existe no modelo da ministra, nada disto está previsto no modelo da ministra. É algo de totalmente novo, é um outro conceito de avaliação que aqui está subjacente, que nada tem de comum com o modo como a avaliação é entendida pela ministra da Educação e pelo primeiro-ministro. Não é um ajustamento, não é um aperfeiçoamento, como a falta de seriedade intelectual e política de Maria de Lurdes Rodrigues quer fazer crer.
Concordo, globalmente, com esta parte do relatório. É um princípio que subscrevo. É um ponto de partida válido, que necessita, obviamente, de ser desenvolvido e operacionalizado. Como concordo com o que é afirmado a seguir (com a ressalva de, eventualmente, substituir o director da escola pelo conselho pedagógico): «Desta prática [avaliação formativa] deveria resultar um relatório com consequências para o desenvolvimento profissional do professor, com recomendações para o seu plano de desenvolvimento individual e constituiria um complemento a sessões informais de apoio profissional que decorreriam ao longo do ano lectivo. Há sempre o risco de uma avaliação para o desenvolvimento, sem ligações directas à progressão na carreira, não ser suficientemente levada a sério, especialmente quando ainda não existe uma cultura de avaliação consolidada. Para evitar este risco é requerida uma validação externa dos processos desenvolvidos, responsabilizando, se necessário, o director da escola.»
Repito, até que os dedos me doam: nada disto existe, nada disto está previsto no incompetente modelo de avaliação de Lurdes Rodrigues e de José Sócrates.
Todavia, o relatório termina esta sexta conclusão com uma sugestão abstrusa, própria de teóricos que desconhecem a realidade e que, ao que parece, prescindem de a conhecer, porque, apesar de terem consciência do seu desconhecimento, isso não os inibe de opinar. A sugestão é esta: «O conselho geral poderia ser também envolvido no processo, na medida em que este órgão deveria exigir anualmente informações ao director da escola sobre as medidas tomadas para monitorizar e melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem ao longo do ano lectivo.»
Quem escreve isto faz de conta que não sabe que a maior parte dos membros dos conselhos gerais das escolas deste país não tem, nem poderia ter, nem era suposto que tivesse, preparação nem formação para exercer, com propriedade, todas as competências que aquele órgão tem, quanto mais para se pronunciar sobre os processos de avaliação dos docentes. Ou se parte do princípio de que a avaliação é uma brincadeira e que, portanto, toda a gente pode dar o seu «bitaite»; ou, porque é politicamente correcto e está na moda, se considera que toda a gente possui competências tais que a capacita para tudo e para qualquer coisa.
É esta demagógica e falsa democratização que conduz à mediocrização e à descredibilização de tudo aquilo em que ela toca.
(Continua)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Registos do fim-de-semana

Emigrantes portugueses mais que duplicaram nesta década

Governo executou 13 por cento da despesa prevista no plano anticrise

Desemprego teve em Junho a subida mais alta desde 2003
Público (24/07/09)

Leis contradizem-se
— A nova Lei das Armas põe em causa o Código de Processo Penal —

CP cobra a mais
— A transportadora nacional não cumpre o tarifário que está em vigor há um ano —

Pensões de alimentos vão ser duplamente tributadas

Economia paralela aumenta com a crise
Sol (24/07/09)

«De mim nunca disseram que me licenciei a um domingo» (Santana Lopes)

«Sócrates é mentiroso» diz Cordeiro
i (25/07/09)

Hospitais são lugares perigosos

Mesquita Machado de novo investigado

«Irritaram-me. Deitei fogo àquilo»

Passar com 8 negativas para chumbar logo a seguir

Alberto Costa promove jantares para acalmar conflitos na Justiça
Expresso (25/07/09)

PS ofereceu presidência do IDT a Amaral Dias
— Louçã acusa PS de "tráfico de influências" —

Chiado Editora, que suspendeu livro sobre o islão, nega censura
Público (26/07/09)

Relatório da OCDE - 5

A quinta conclusão do relatório diz que se deve: «Articular a melhoria da qualidade com a responsabilização e contextualizar a avaliação de professores feita ao nível da escola.»
Ora isto significa que é preciso fazer tudo de novo, porque nada disto existe, nem está previsto no modelo de avaliação deste Governo.
A fundamentação da quinta conclusão avança com 4 propostas que, a serem levadas à prática, exigem um outro modelo de avaliação. São elas:
a) Reforçar a avaliação para a melhoria do desempenho com uma componente predominantemente dedicada à avaliação para o desenvolvimento.
b) Simplificar o modelo actual e utilizá-lo predominantemente para a avaliação para progressão na carreira.
c) Estabelecer ligações entre a avaliação para o desenvolvimento e a avaliação para a progressão na carreira.
d) Garantir uma articulação adequada entre a avaliação das escolas e a avaliação dos professores.

A alínea a) enferma de uma falha: onde está escrito «reforçar» deveria estar escrito «introduzir». A verdade é que um modelo, como o da ministra, que visa somente punir e seriar não tem, nem poderia ter qualquer componente formativa. É preciso introduzir essa componente, que é, de todas, a mais importante. É a base de tudo. É a vertente formativa que dá sentido às demais vertentes da avaliação. Sem ela, nenhuma avaliação faz sentido. Sem ela, qualquer avaliação é uma excrescência. Mas a mentalidade que domina este Governo não percebe isto, nem nunca perceberá.
A alínea b) diz o que, desde o início, quase todos os professores dizem: é preciso simplificar, desburocratizar, é necessário que o modelo se centre no essencial do desempenho docente, para poder ser exequível, sério e justo.
A alínea c) propõe algo que obviamente o actual modelo não prevê nem imaginou: articular a avaliação formativa com a avaliação para a progressão na carreira. Se a primeira vertente não existe, se a segunda tem de ser radicalmente simplificada, e se é preciso estabelecer articulações entre ambas, isto quer dizer que é preciso fazer tudo de novo.
Finalmente, a alínea d) reclama outra evidência: a avaliação individual dos docentes tem de estar integrada na avaliação de todo o trabalho colectivo da escola.
Depois de enunciar genericamente estas propostas, o relatório desenvolve cada uma delas. Nos próximos dias, analisaremos o que, em concreto, o relatório sugere. E veremos igualmente como os seus autores parecem estar vinculados a um inexplicável compromisso político de desculpabilização do Governo.

domingo, 26 de julho de 2009

Pensamentos de domingo

«Às vezes quando olho para os meus filhos digo para mim mesma: "Lillian, tu devias ter ficado virgem".» (Mãe de Jimmy e Billy Carter)
Lillian Carter

«Se disseres a verdade podes ter a certeza de que mais tarde ou mais cedo virás a ser descoberto.»
Oscar Wilde

«A velhice é o período da vida durante o qual já não nos preocupamos onde a esposa vai, desde que não nos obrigue a ir com ela.»
Alfred La Mont
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Matthew Shipp

sábado, 25 de julho de 2009

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca da Ética Situacional

«Na década de 60 do século XX surgiu toda a agitação sobre a "ética situacional". Os proponentes reivindicavam que a atitude ética a tomar em qualquer situação depende da missão peculiar de factores dessa situação. Quem são as pessoas afectadas? Que interesse legítimo têm no resultado? Em que medida é que o resultado influenciará situações futuras? E, já agora, quem está a perguntar? Num caso de infidelidade, por exemplo, os éticos situacionais queriam saber, entre outras coisas, qual era a situação do casamento. Poderiam acabar em diferentes lados do caso dependendo de o casamento já estar ou não efectivamente terminado. Os opositores da ética situacional exprimiram o seu ultraje, afirmando que um tal raciocínio poderia ser usado para justificar qualquer coisa que uma pessoa quisesse fazer. Alguns desses oponentes assumiram uma posição absolutista: a infidelidade é sempre errada, independentemente das circunstâncias.
Porém, paradoxalmente, por vezes é ao ignorar as especificidades da situação que criamos a oportunidade para uma acção vantajosa.
Assaltantes armados entram num banco, mandam os clientes e funcionários encostar-se à parede e começam a tirar-lhes as carteiras, relógios e jóias. Dois dos contabilistas do banco estão entre os que esperam para ser roubados. De repente, o primeiro contabilista coloca uma coisa na mão do outro.
O segundo contabilista sussura:
— Que é isto?
— São os cinquenta dólares que te devo — responde o primeiro contabilista.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

Ainda está para nascer...

«Ainda está para nascer um primeiro-ministro que tenha feito melhor no défice». A frase proferida foi esta: «...que tenha feito melhor...»; não foi: «...que faça melhor...».
Se fosse um aluno meu que construísse uma frase assim, eu ficaria triste, mas teria a obrigação de lhe explicar por que razão ele nunca mais poderia repetir tamanha asneira.
1. Dir-lhe-ia o seguinte: os que vão nascer só poderão fazer melhor no futuro, não no passado, portanto, nunca se pode dizer, mas nunca mesmo, que ainda está para nascer alguém que tenha feito melhor do que eu isto ou aquilo.
2. Pode-se dizer: até hoje, ninguém fez melhor do que eu isto ou aquilo. Mesmo que não seja verdade, como não entra em conflito com a gramática, pode ser dito.
3. Também se pode dizer: ainda está para nascer quem venha a fazer melhor do que eu isto ou aquilo (gramaticalmente, pode ser dito, ainda que seja de uma presunção extrema dizê-lo — no caso, contando que poucos são os que chegam a primeiro-ministro antes dos quarenta anos de idade, isto significaria que, mesmo nascendo hoje, Portugal só a partir de 2050 é que teria hipótese de ter um primeiro-ministro de tão elevado potencial).
4. Agora, dizer que ainda está para nascer alguém que já tenha feito uma coisa que eu fiz... isso é que jamais!
Se me contassem que tinha sido um aluno meu a dizê-lo, eu ficaria triste, como expliquei; se me contassem que tinha sido um primeiro-ministro a dizê-lo, eu ficaria horrorizado; mas se me contassem que tinha sido o actual primeiro-ministro de Portugal a dizê-lo, eu já não ficaria horrorizado, nem sequer surpreendido. Dele já espero tudo. De alguém que, insistentemente, diz precaridade, em lugar de precariedade, já nada espanta, já nada conturba.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Fragmenti veneris diei

«Conhecia perfeitamente os seus horários, os seus hábitos, as suas rotinas, de modo que um dia, simulando um encontro casual, abordeia-a quando saía da escola. Visto que íamos os dois para casa, fingi que me parecia natural acompanhá-la, e assim pus-me ao seu lado tentando ajustar os meus passos ao ritmo dela e comecei a falar de uma coisa qualquer. Como ela, mais que andar, deslizava, a minha marcha, ao lado dela, era grotesca. Eu tinha consciência disto, e também de que os meus sapatos estavam deformados, as minhas meias não se aguentavam nas pernas, os meus calções eram demasiado compridos (um engraçadinho da minha turma dizia que era impossível saber se eram calças que me estavam curtas ou calções que me estavam compridos), a minha camisa estava um desastre. Em qualquer caso balbuciei, acho eu, qualquer frase desconexa a que ela não respondeu. Em duas ocasiões, dada a nossa proximidade (o passeio era muito estreito), as costas da minha mão direita roçaram nas da sua mão esquerda, em que levava a pasta, provocando nas minhas extremidades uma série de perturbações motoras que tentei ocultar com palavras atropeladas sobre isto ou aquilo. Pouco antes de chegarmos à nossa rua, a Maria José parou e tirou da pasta um lápis e um bocado de papel em que escreveu com a mão esquerda (com a mão esquerda!): "Não posso falar, estou em exercícios espirituais."
Foi uma saída completamente inesperada para mim, pelo que me limitei a assentir firmemente com a cabeça, dando a entender que me dava conta da gravidade da situação e que solicitava as suas desculpas, pois não era minha intenção interromper o seu recolhimento espiritual. Por outro lado, a Maria José dava sempre a impressão de estar em exercícios espirituais, coisa que condizia muito com o seu aspecto físico, mesmo com o seu fundo imaterial. Acompanhei-a, pois, sem pronunciar uma só palavra, até à loja, onde fiz com as sobrancelhas um gesto de despedida.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, pp. 102-103.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Relatório da OCDE - 4

A terceira conclusão do relatório da OCDE diz: «Uma avaliação de professores com consequências é crucial para a melhoria da educação».
A fundamentação desta conclusão é muito breve e não afirma nada de substantivo.

A quarta conclusão afirma que «O actual modelo de avaliação de professores é uma boa base para futuros desenvolvimentos», mas, curiosamente, é na justificação desta conclusão que o relatório, ainda que repleto de mesuras, ainda que dizendo que não o faz, começa a destruir o modelo de avaliação do Governo.
Porém, antes de encetar o desmantelamento do actual modelo, o relatório faz uma breve, quase imperceptível, referência a algo que, do meu ponto de vista, não deveria ser deixado passar em claro, e que é isto: um dos aspectos positivos do actual modelo residirá no facto de incluir «a maioria das vertentes do desempenho docente». Este elogio revela que os autores do relatório têm a ideia, como a ministra tem e os teóricos do «eduquês» também têm, de que o bom professor é aquele que se multiplica em mil uma tarefas e em mil e uma actividades, que vão desde os dois desempenhos mais importantes e centrais da actividade docente — os científicos seguidos dos pedagógicos — até às suas mais laterais e longínquas derivações. É desta concepção de professor que decorrem as infindáveis listagens de pretensas evidências segundo as quais se avaliaria verdadeiramente o desempenho de cada docente. Ora não só estamos perante uma inoperacionalidade, porque se torna impossível, com seriedade, fazer a verificação da gigantesca panóplia de itens, subitens e sub-subintens avaliativos, como estamos perante uma falsidade: o bom professor não é, nem nunca poderá ser aquele que se desmultiplica em incontáveis subactividades. Mas isto será, possivelmente, assunto para uma posterior reflexão.
Regressando à justificação da quarta conclusão, o texto assinala: «duas fontes de tensão presentes no modelo actual: entre a avaliação do desempenho para o desenvolvimento profissional e a avaliação do desempenho para a progressão na carreira; e entre a avaliação feita ao nível da escola e as respectivas consequências ao nível nacional.»
Não é rigoroso afirmar que o modelo de avaliação do Governo tem no seu seio uma tensão entre uma avaliação do desempenho para o desenvolvimento profissional e a avaliação do desempenho para a progressão na carreira. Essa tensão, de facto, não existe, porque, no actual modelo, pura e simplesmente não há qualquer avaliação do desempenho para o desenvolvimento profissional. Contudo, e independentemente desta observação, o que é relevante é a introdução, por parte da OCDE, deste elemento fundamental: uma avaliação para o desenvolvimento profissional, aquilo a que mais correctamente se poderia chamar de avaliação formativa (é um tique típico do «eduquês» querer inovar do ponto de vista terminológico, ainda que a isso não corresponda nenhuma realidade nova). Ora a simples introdução desta vertente da avaliação, que mais à frente é desenvolvida no relatório, é algo que, na prática, vira de pernas para o ar o modelo da ministra. É um elemento novo que desestrutura um modelo que foi feito e pensado exclusivamente para punir e seriar. Este é, de facto, o primeiro abanão que, no relatório, é dado ao modelo.
O segundo abalo que o modelo sofre é quando, a seguir, se afirma a existência de incongruências entre a avaliação feita ao nível da escola e as respectivas consequências ao nível nacional. As incongruências são óbvias e graves e as alterações que implica, como mais à frente iremos verificar, quando virmos a parte do relatório que desenvolve esta matéria, interferem de modo estrutural no actual sistema de avaliação.
(Continua)

Conclusões do Encontro dos Núcleos do PROmova

http://2.bp.blogspot.com/_KdtlQSb9TP0/SmZIK0oykWI/AAAAAAAABgQ/IwNl-ubYkUQ/s320/jantar-encontro2.JPGReunidos, em Vila Real, no dia 20 de Julho, representantes dos vários Núcleos do PROmova, após a acomodação do estômago com as excepcionais francesinhas do "Cardoso", empreenderam uma reflexão conjunta sobre o estado actual da contestação às políticas educativas deste Governo e sobre o papel que este movimento independente e espontâneo de professores desempenhou e deve continuar a desempenhar nesta pugna pela valorização e dignificação dos professores e da escola pública.

Em primeiro lugar, sublinhe-se que os encontros das gentes do PROmova são sempre momentos de extraordinária confraternização e convívio, pois trata-se de professores alinhados na boa disposição, no cultivo da amizade, no gosto pela profissão e de bem com a vida, mas que, circunstancialmente, estão de mal com as tontices em matéria de educação protagonizadas por esta equipa ministerial, este Governo e este PS de Sócrates.
Relativamente à substância do encontro, sobressaíram algumas reflexões, estabeleceram-se reorientações e tomaram-se decisões. No conjunto das abordagens, destacam-se as seguintes conclusões:
1) sem panegíricos injustificados, reconheceu-se o contributo que o PROmova vem dando, desde Fevereiro de 2008, ao fortalecimento da contestação dos professores no combate às políticas e às medidas educativas deste Governo;
2) mesmo preservando a capacidade de mobilização que o PROmova tem em muitas escolas do Norte, foi decidido reorientar o movimento também no sentido do reforço da sua intervenção na blogosfera, conferindo ao blogue uma dimensão, a acrescentar à linha contestatária, de think tank (aglutinadora de ideias) na área das questões de política educativa com que os professores se confrontam. Neste contexto, foi criado o Núcleo de Bloggers (NBloggers) que terão a função de produção e publicação de conteúdos relevantes em diversos domínios da educação;
3) considerou-se absolutamente imprescindível a aposta do PROmova, em conjunto com a APEDE e o MUP, no COMPROMISSO EDUCAÇÃO, enquanto instrumento privilegiado de vinculação pública dos partidos da oposição com mudanças reais na educação, no contexto da próxima legislatura;
4) reafirmou-se a disposição dos professores para prosseguirem a contestação já em Setembro, em concertação com os movimentos de professores APEDE e MUP, e para se envolverem, activamente, na promoção da penalização eleitoral deste PS de Sócrates;
5) manifestou-se um agradecimento público ao colega Mário Machaqueiro que, por razões de natureza profissional, deixa a presidência da APEDE, relembrando o seu papel relevantíssimo nas lutas que travamos em conjunto, as quais saíram altamente fortalecidas e qualificadas, por força, quer do seu sentido estratégico, quer dos seus magníficos textos de reflexão e/ou intervenção. Conforta-nos saber que, apesar de tudo, se manterá presente e actuante. De igual forma, o PROmova, conhecedor das qualidades e do dinamismo do novo presidente da APEDE, o colega Ricardo Silva, deseja-lhe as maiores felicidades e sucessos no desempenho do cargo, manifestando-lhe, desde já, a abertura e a mesma vontade do PROmova para continuarmos a convergir nos princípios e nas acções que configuram a intervenção dos movimentos independentes de professores.

Aquele abraço,

PROmova,
PROFESSORES – Movimento de Valorização

Quinta da Clássica - P. Locatelli

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Às quartas

Casa

A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria
nos alicerces como numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.

Carlos de Oliveira

terça-feira, 21 de julho de 2009

Relatório da OCDE - 3

A segunda conclusão do relatório da OCDE é a seguinte: Uma série de factores explicam a resistência à sua concretização [do modelo de avaliação do Governo].
Para fundamentar esta conclusão, o relatório diz: «A implementação do modelo tem constituído um desafio. Em parte, devido a uma natural resistência à mudança mas também graças à introdução de uma nova cultura de avaliação nas escolas». Afirmar que a implementação do modelo tem constituído um desafio é, com benevolência, um eufemismo, ou é sinal de que não se sabe do que se fala. Na realidade, não há desafio algum, há, sim, incompetência, arrogância, teimosia, cegueira e há uma quase infinita paciência e excessiva tolerância por parte de muitos professores para com quem, malevolamente, os afronta e vilipendia.
Para tentar fundamentar que a implementação do modelo tem sido um desafio, o texto adianta, aparentemente, duas razões: a primeira, a «natural resistência à mudança» e, a segunda, a «introdução de uma nova cultura de avaliação».
A publicidade tornou famosa a expressão «dois em um», a OCDE tenta fazer o inverso, tenta fazer «um em dois». Isto é, de uma razão tenta fazer duas. Ou, para se ser mais exacto, de razão nenhuma tenta encontrar duas falsas razões para a resistência dos professores.
São duas falsas razões porque:
1. Não há resistência à mudança, em abstracto. É uma falácia tentar fazer passar por uma verdade universal aquilo que não o é, para, depois, ser possível chegar a conclusões falsas. Parte-se do princípio (falso) de que o ser humano é avesso à mudança, e os professores, como seres humanos que são, também reagem negativamente à mudança, a qualquer mudança. Ora se há coisa que o ser humano procura, desde que existe, é a mudança: do conhecimento às condições materiais de vida; das conquistas da humanidade aos desafios individuais que cada um de nós assume. A verdade é, então, outra: há mudanças que o ser humano quer e há mudanças que o ser humano não quer. Não existe nenhuma natural resistência à mudança. E, por consequência, nos professores também não existe nenhuma natural resistência à mudança. Por exemplo: mudem as vergonhosas condições de trabalho nas escolas e veja-se se isso conduz a alguma resistência dos professores. A resistência à mudança existe, por exemplo, quando se muda para pior, não para melhor. A resistência à mudança existe quando essa mudança assenta na injustiça e na indignidade.
2. Não foi introduzida nenhuma nova cultura de avaliação. Não é sério classificar de nova cultura de avaliação aquilo que é um simulacro de avaliação, aquilo que diz que avalia e não avalia, aquilo que não passa de um gigantesco faz-de-conta, aquilo que assenta em pretensos princípios que inicialmente são ditos como incontornáveis, absolutos e peremptórios e, meses depois, já são ditos, pelas mesmas vozes, como questionáveis, reformuláveis, imprecisos, prematuros, impraticáveis, etc., etc.
Não se pode classificar de nova cultura de avaliação um sistema que assenta na iniquidade e no desrespeito pela dignidade profissional de muitos dos seus melhores profissionais.
E enquanto a OCDE não perceber isto, nunca perceberá nada.

Ainda dentro da fundamentação da segunda conclusão, o relatório acrescenta: «[...] qualquer reforma dirigida à classe docente está inevitavelmente ligada e condicionada pelas reformas feitas no sector público em geral. A necessidade de alinhar as medidas destinadas à classe docente com as já anteriormente tomadas para a generalidade dos trabalhadores da administração pública [...]».
Mais uma falácia: o relatório procura dar como verdade adquirida e consensual aquilo que não o é, e procura estabelecer, entre diferentes sectores profissionais, relações que não existem.
A generalidade dos trabalhadores da função pública, os juízes e magistrados, os professores e os médicos do serviço nacional de saúde constituem quatro corpos da administração pública que não têm nada de comparável, quanto à especificidade das funções que exercem. E, desse modo, os seus sistemas de avaliação têm de ser completamente diferentes (e se o Governo tivesse a seriedade que apregoa ter, mas que não tem, já deveria ter assumido que o famoso SIADAP é um pântano de inenarráveis injustiças e de vergonhosos episódios). Ou seja, não existe, no contexto da avaliação, e ao contrário do que afirma a OCDE, nenhuma necessidade, nem obrigatoriedade, nem admissibilidade para fazer «alinhar as medidas destinadas à classe docente com as já anteriormente tomadas para a generalidade dos trabalhadores da administração pública».

A encerrar a segunda conclusão, o relatório acrescenta: «A resistência por parte dos professores reflecte ainda as dificuldades criadas pela operacionalização de um modelo tão abrangente num curto espaço de tempo, aliadas a algumas consequências inesperadas do modelo.»
Inesperadas consequências do modelo?! Inesperadas?! O decreto regulamentar da avaliação saiu em Janeiro de 2008, dois meses depois, a 8 de Março, 100 mil professores vieram para a rua protestar contra o óbvio, contra as enormidades do modelo de avaliação. Toda a gente viu no que aquilo ia dar, e deu. Toda a gente.
Então: inesperado para quem? Só se foi para o Governo e, pelos vistos, também para a OCDE. Mas isso não abona nada a favor de ambos.
(Continua)

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Registos do fim-de-semana

Acesso à Internet 20 por cento mais caro em Portugal
do que na Europa


PS em Paredes associado a uma marca comercial
(Proibido por lei)


Versão «simplex» da avaliação de novo prolongada

Polémica na primeira escola do país a concluir avaliação

Críticos do novo modelo de gestão das escolas com nova vitória

Falhas de controlo das entidades públicas abrem porta à corrupção
Público (17/07/09)

Relatório europeu alerta para fraca autonomia das escolas
i (17/07/09)

Foi um negócio ruinoso para o Estado português
— TC arrasa terminal de contentores —

Elisa Ferreira só fica no Porto se ganhar
— «Não me vejo vereadora»
Sol (17/07/09)

Professores começam a ser penalizados

Auditoria aponta falhas graves nas pousadas da juventude

Decisão do Tribunal Constitucional pode confirmar acórdão de juízes da Relação e afogar ASAE em processos
Expresso (18/07/09)

Negócio dos contentores sob investigação

Refer vai gastar 14 milhões em linha que irá encerrar
daqui a 4 anos

Público (18/07/09)

PSP triplicou empréstimos a agentes desde Janeiro

Estatuto dos Açores deverá ser chumbado no TC
Diário de Notícias (19/07/09)

domingo, 19 de julho de 2009

Pensamentos de domingo

«Os preguiçosos têm sempre vontade de fazer qualquer coisa.»
Luc de Vauvenargues

«O trabalho sujo nas reuniões políticas é feito quase sempre durante as horas da madrugada, entre a meia-noite e a manhã. Os carrascos e os políticos trabalham melhor quando o espírito humano se encontra ao seu mais baixo nível.»
Russel Baker

«Os portugueses não são um povo muito inteligente.»
Oliveira Salazar
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Keith Jarret Standards Trio

sábado, 18 de julho de 2009

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca do impacte dos psicanalistas na ética filosófica
«Apesar de não ser um filósofo, Sigmund Freud teve um impacte dramático na filosofia ética com a sua asserção de que, no fundo, são os impulsos biológicos inconscientes que determinam o comportamento humano e não as distinções filosóficas agradáveis e racionais. Por muito que tentemos controlar racionalmente as nossas vidas, como os filósofos morais querem que façamos, o nosso inconsciente está sempre a intrometer-se.
O deslize freudiano, por exemplo, ocorre quando dizemos "por engano" algo que expressa os nossos desejos inconscientes, como quando o vereador da câmara apresenta a sua linda presidente como uma "grande funcionária púbica".»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

Relatório da OCDE - 2

A primeira conclusão do relatório da OCDE é esta: «O modelo actual de avaliação de professores em Portugal tem sido polémico mas é necessário
Em todo o relatório não há nada que fundamente esta conclusão. Pelo contrário, tudo o que de substantivo é dito ou proposto no relatório, se for concretizado, implica, necessariamente, um modelo de avaliação completamente diferente, repito: completamente diferente. Desta forma, não se compreende que inconsequentemente se faça a afirmação de que o modelo actual de avaliação é necessário. É, objectivamente, um frete político que a OCDE faz ao Governo. A única afirmação coerente com o conteúdo do relatório seria: a avaliação dos professores em Portugal tem sido polémica, mas é necessária. Esta seria uma conclusão rigorosa e congruente com a substância do que lá está escrito.
No início do desenvolvimento, o relatório afirma: «Nas escolas [portuguesas] não há uma cultura de observação de aulas nem uma tradição de avaliação por pares, nem de prestação de feedback do trabalho realizado nem tão pouco de partilha de boas práticas. Para além disso, uma grande parte da formação profissional ainda privilegia a frequência de acções de formação externas em detrimento de um apoio e de uma tutoria contínuos e centrados na escola.» Ainda que existam honrosas excepções, esta é uma realidade evidente para todos. Agora, a partir desta constatação, a questão obrigatória que se deve colocar é a seguinte: no contexto acima descrito, isto é, sabendo toda a gente que não existia, nem existe, uma cultura de auto e hetero-avaliação, nem de observação de aulas, nem de partilha de experiências, é admíssivel, é minimamente aceitável, que haja alguém que possa ter pretendido, e pretenda, instituir, de um momento para o outro, por simples decreto ministerial, sem um mínimo de preparação, sem qualquer experimentação, sem nenhuma formação, aquilo que exigia, e exige, um alargado período de preparação, aos mais diferentes níveis? É, sequer, tolerável que isso possa ter acontecido? Obviamente que ninguém responsável, que ninguém sério poderia pretender que isso acontecesse ou aconteça.
Mas houve, e há, uma ministra da Educação, com a leviana cobertura do seu primeiro-ministro, que, apesar de saber não existir nem preparação nem consensualização, decidiu avançar atabalhoada e grotescamente, e com absoluta irresponsabilidade, para o que, inevitavelmente, redundaria num enorme descalabro.
É pena que o relatório da OCDE não faça a mínima referência a estes factos. Um relatório que enuncia juízos políticos em algumas das suas passagens deveria, para ser sério e rigoroso, em toda a extensão, sentir-se obrigado a evidenciar uma das principais causas políticas que originaram a situação desastrosa a que se chegou.
Mas não o faz.
(continua)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Fragmenti veneris diei

«Um dia, ao voltar da escola, dei com uma obra protegida por uma cerca de ferro. Os pedreiros, antes de se irem embora, haviam pendurado um farolim de carboneto para avisar os transeuntes do perigo. Não estava mais ninguém na rua naquele momento, de modo que apanhei uma pedra e atirei-a contra o candeeiro de carboneto, que caiu ao chão partindo-se com singular estrépito. Nesse instante, materializou-se à minha frente um senhor que me perguntou por que razão fizera tal coisa. Fiquei a olhar para ele sem responder. Durante uns terríveis instantes o senhor e eu olhámo-nos sem dizer nada. Por fim, ele fez um gesto de censura e desapareceu.
Por que razão fiz aquilo? Talvez porque os meus pais passavam a vida a discutir. Talvez porque era o pior da turma. Talvez porque éramos pobres como ratazanas. Talvez porque jantávamos sempre acelgas. Talvez porque não tínhamos umas luvas com que evitar as frieiras. Talvez porque nunca, durante anos, estreei uma camisa, umas calças, um casaco, nem sequer, acho eu, uns sapatos. Talvez porque Deus não me aparecia. Poderia encher uma página de talvezes. Actualmente passeio todas as manhãs por um parque próximo da minha casa. À entrada do parque há um resguardo de vidro para esperar o autocarro, que às segundas-feiras, infalivelmente, aparece partido à pedrada. Partem-no durante o fim-de-semana os jovens que regressam dos seus divertimentos. É o seu último acto de afirmação antes de se enfiarem na cama. Por que razão o fazem? O que destroem ao destruir o resguardo? O que partiria eu aao partir o farol de carboneto?
Quando cheguei a casa tinha as pernas a tremer, pois, se o senhor que me surpreendera me tivesse levado à esquadra, teria acabado na prisão, coisa que era, por outro lado, o meu destino. Baptizei aquele indivíduo como o senhor Tálvez por razões óbvias, acentuando o «a» porque a palavra soava melhor sendo grave do que aguda. Tálvez. Durante uns exercícios espirituais, naquela época, um sacerdote disse-nos que Deus se manifestava sobretudo nas questões aparentemente pequenas da vida quotidiana. Assim que ouvi aquilo senti um calafrio. Compreendi que o senhor Tálvez era Deus. Quer fosse, quer não, o seu curioso comportamento mudou a minha vida. Nunca voltei a cometer um acto de falta de civismo, não tanto por medo de que me aparecesse, mas por temer decepcioná-lo. Um bom educador (também um bom pai) deveria ser capaz de levar a cabo intervenções deste tipo, tão indolores, mas tão eficazes, tão oportunas e exactas.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, pp. 94-95.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Mais uma entrevista da ministra da Educação

Já não há nada a dizer que já não tenha sido dito e redito acerca da ministra da Educação, e sobre ela só se podem dizer coisas más, péssimas.
A entrevista que, há duas horas, Maria de Lurdes Rodrigues deu à RTPN foi mais um momento pungente.
Penso não ser excessivo pedir para não colocarem mais Maria de Lurdes Rodrigues à frente das câmaras de televisão ou dos microfones da rádio. Nem imagem, nem voz, nada! É uma violência desumana fazerem entrar nas nossas casas esta caricata figura pública. A falta de seriedade política e intelectual da ministra da Educação ultrapassa tudo aquilo que alguma vez imaginei ser possível alguém personificar.
Com esta ministra já não há nada a dialogar, acerca desta ministra já não há nada a comentar. Politicamente, Maria de Lurdes Rodrigues já está ligada à máquina há demasiado tempo.
Por favor, desliguem essa máquina!

Quinta da Clássica - G. F. Häendel

Manifestação

16 DE JULHO – 14,30h – FRENTE AO M.E.
PROTESTO DOS PROFESSORES SEM COLOCAÇÃO EM QUADRO PARA 2009/2013, PROFESSORES DOS QZP (SEM QUADRO DE AGRUPAMENTO) E DESEMPREGADOS/CONTRATADOS

Relatório da OCDE - 1

O relatório da OCDE, sobre o modelo de avaliação do desempenho docente, merece ser analisado com atenção, e tentarei fazê-lo nos próximos dias. Todavia, uma primeira leitura permite fazer os seguintes comentários breves:

1. Ao ler o relatório, veio-me à memória o célebre Discurso do Método, de Descartes. A analogia é esta: Descartes dizia, muito cautelosamente, que aquele livrinho que tinha escrito não pretendia, de nenhum modo, pôr em causa fosse o que fosse, nem contestar nada, e, contudo, como se sabe, aquele livro foi dos mais revolucionários da história da Filosofia: pôs em dúvida todas as verdades estabelecidas e, relativamente à construção escolástica do saber, não deixou pedra sobre pedra.
O relatório da OCDE procede exactamente da mesma forma: diz que o actual modelo é uma boa base de trabalho e até elogia a iniciativa da ministra e, depois, enuncia tantas deficiências e tantas insuficiências, que não se vislumbra o que pode restar do modelo.
Mas se relativamente a Descartes se percebem as razões da sua extrema prudência (a Inquisição já tinha mostrado do que era capaz), o mesmo já não se pode dizer acerca da OCDE: tem receio de quê?

2. O relatório da OCDE formula muitas críticas óbvias, que já muita gente, há muito tempo, havia formulado, e apresenta várias propostas. Algumas dessas propostas vêm ao encontro de alguns aspectos considerados fundamentais por muitos professores, para que haja uma avaliação minimamente credível; todavia, outras propostas, para além de me parecerem insuficientemente fundamentadas, são contraditórias com as críticas formuladas no documento. Todas elas, porém, merecem ser devidamente escrutinadas.

3. Mas há dois erros de fundo de que o relatório enferma. Primeiro: passa irresponsavelmente ao lado do problema dos professores titulares, fazendo de conta que não percebe que esse problema inquina todo e qualquer modelo de avaliação que continue a assentar e a validar o acto de barbárie política que se denominou: concurso para professor titular. Dá por adquirido esse processo, e isso é absolutamente impossível de poder ser aceite. Segundo: defende, ainda que transitoriamente, a existência de quotas, o que é igualmente inaceitável.

Como disse, espero, nos próximos dias, poder fazer algumas observações mais específicas, relativamente ao conteúdo deste relatório, mas não posso, neste momento, deixar de insistir nesta nota: tratando-se de um relatório técnico, por que razão revela tantos cuidados políticos? Existe uma objectiva discrepância entre as considerações técnicas e as (dispensáveis, inadequadas e descontextualizadas) considerações políticas.
É lamentável e incompreensível que isto aconteça.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

OCDE defende alteração do sistema de avaliação de professores

Para ouvir a notícia da TSF, clicar aqui.

Triplica, duplica, é o dobro mais um, é três vezes...

O excerto, que a seguir se transcreve, é de uma conferência de imprensa dada, ontem, por Sócrates, Lurdes Rodrigues e Valter Lemos, e constitui o retrato fiel do Governo que temos. Quando um jornalista perguntou qual era o valor da bolsa, para os alunos do 10.º ano, as respostas foram estas:

José Sócrates: O valor da bolsa é igual ao dobro... É igual ao dobro, não...
Maria de Lurdes Rodrigues (baixinho): É duas vezes...
José Sócrates: ... Duplica...
Maria de Lurdes Rodrigues (baixinho): Triplica...
José Sócrates: Triplica o abono de família... quer dizer... havendo - virando-se para Valter Lemos - ... não é assim?
Valter Lemos (baixinho): É o abono de família mais o dobro.
José Sócrates: É o abono de família mais o dobro. A bolsa é igual ao dobro do abono de família. E a família receberá...
Maria de Lurdes Rodrigues (baixinho): E mais um. - Em voz alta - O abono de família no escalão máximo é à volta de 50 euros. A bolsa será três vezes este valor... Exactamente...
Sócrates e Valter Lemos: Não é bem assim...
Maria de Lurdes Rodrigues: Não é bem... É três vezes. É o abono mais duas... A bolsa duplica no sentido em que é duas vezes o valor do abono de família, mas como também tem o abono de família, que não é retirado nem reduzido, ele fica com três abonos de família, digamos assim...
José Sócrates: O importante é que se perceba o seguinte: a bolsa será — fazendo, com o dedo, um círculo no ar — de 150 euros neste caso...

É só mais uma trapalhada a juntar a dezenas de outras. Nem Santana Lopes conseguiu fazer pior.

Às quartas

Canção da Verdade Jovem

A verdade cantava no escuro
No cimo da tília sobre o coração

O sol há-de amadurecer dizia
No cimo da tília sobre o coração
Se os olhos o iluminarem

Troçámos da canção
Agarrámos prendemos a verdade
Cortámos-lhe a cabeça debaixo da tília

Os olhos estavam noutro sítio
Ocupados com outra obscuridade
E nada viram

Vasko Popa
(Trad.: Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Registos do fim-de-semana

Linha Saúde 24 recebe seis mil chamadas por dia e não consegue dar resposta

Ministério Público pede prisão efectiva para Isaltino

PS não acompanha Elisa Ferreira em acção de campanha no Porto
Público (10/07/09)

Portugal vai estar mal preparado para o novo choque petrolífero
i (10/07/09)

Pinho foi mesmo a Aljustrel dar patrocínio

Parlamento encerra com 1/3 de deputados não eleitos

Sete pontes ameaçadas em estradas de Coimbra e Viseu

Alegre quer o PS, mas não o líder

Plano de urgência para a Física não saiu do papel

Grupo contratado não avaliou rigor do Novas Oportunidades
Expresso (11/07/09)

Professores sem formação para implementar o programa Educação para a Saúde
i (11/07/09)

Sócrates tenta travar desmobilização do PS

Elisa Ferreira com voto de confiança de Sócrates
Diário de Notícias (12/07/09)

Um barco à deriva

Neste momento, o Partido Socialista tem parecenças com um barco à deriva, cuja tripulação está prestes a amotinar-se.
No fim-de-semana, surgiu o ressuscitado Manuel Alegre a reclamar uma nova política e novas caras para o PS; surgiu António Costa, número dois do partido, a reclamar contra alguns maus ministros do Governo; surgiu o líder concelhio dos socialistas do Porto a exigir que Elisa Ferreira optasse pela Câmara ou pelo Parlamento Europeu; surgiu a dupla candidata a dizer que não, que não opta nada, e acrescentou que tem o apoio do Sócrates, que, por sua vez, dois dias antes tinha proibido a duplas candidaturas, mas que já veio explicar que esse critério não se aplicava a todos; e surgiu o próprio secretário-geral do PS a passar um ralhete ao presidente da concelhia portuense. Se optarmos por recuar uns dias, tropeçamos nas cenas tristes de um ministro no Parlamento, nas cenas tristes do primeiro-ministro no diz que sabe e no diz que não sabe do negócio da PT, e em outras trapalhadas que se seguiram a trapalhadas outras.
É curioso verificar isto. É curioso verificar como os resultados de umas eleições viram de pernas para o ar a realidade, ou o que aparentava ser a realidade. Até há pouco tempo, Sócrates era incontestado e incontestável, era reconhecido como o líder invencível, era o timoneiro determinado que sabia qual era o rumo certo para o partido e para o país. Era lisonjeado, era bajulado, era adorado por todos os que usufruíam das benesses do poder. Mas hoje é claro que tudo não passava de aparência, de encenação, porque ao primeiro sinal de possibilidade de perda desse poder, a rebelião instala-se, o líder desorienta-se, o rumo esfuma-se. O que ontem era verdade, hoje, é mentira e amanhã não sabemos o que será. Ora isto torna claro como é espantosamente fácil contruir uma artificialidade mascarada de realidade, como se da realidade se tratasse.
E é curioso verificar como o futuro de um país pode estar dependente de acontecimentos tão aleatórios e tão inusitados e, desse modo, ficar sujeito a ser governado por um amontoado de impreparados: Sócrates viu cair-lhe o poder no colo sem ter feito nada para o merecer e sem ter qualquer preparação para o cargo. Beneficiando de um conjunto aleatório de circunstâncias - fuga de Durão Barroso e manifesta incompetência de Santana Lopes e de Paulo Portas - obteve uma maioria absoluta por via de uma conjuntural «coligação» negativa dos eleitores, que entre dois males, escolheram o que pensavam ser o menor.
Com o grande prémio no bolso, com uma oposição esfrangalhada e seguro pelo confortável apoio parlamentar, o impreparado Sócrates, munido de um pensamento primário e de uma ilimitada arrogância, começou a governar com a presunção, própria dos medíocres, de que era o salvador da pátria, de que era o finalmente regressado D. Sebastião. Armado dos verbos «mudar» e «reformar», que repetiu a despropósito de tudo, e auto-proclamando-se «justiceiro» da República, com a coragem característica de quem tem as costas devidamente resguardadas, começou a mudar tudo e a tudo reformar. Não interessava se as mudanças eram para melhor ou se eram para pior; cego e surdo, teimoso e prepotente o que o preocupava era poder dizer que estava a reformar o país como nenhum outro fizera. Com tiques e pensamentos de tiranete, pensou, como qualquer medíocre pensa, que o mundo estava todo errado e só ele estava no estreitíssimo caminho da verdade. Pensou, como qualquer medíocre pensa, que podia introduzir alterações na vida das pessoas com o mesmo à-vontade de quem altera os detergentes da casa. Pensou que podia brincar com a dignidade profissional, pensou que podia maltratar, pontapear quem lhe apetecesse, desde que montasse uma enorme rede de interesses, como contrapartida de garantia de longevidade política.
Todavia, um pormenor aborrecido acabou por perturbar o que parecia ser um imenso mar tranquilo de cumplicidades: a democracia, a malfadada democracia que, por vezes, tem a capacidade de dizer que o rei vai nu.
Sem princípios, que são alterados consoante o lado de que o vento sopra, e alarmados pela iminência da perda de milhares de empregos políticos, os actuais dirigentes socialistas mostram que o transatlântico em que julgavam navegar não passa, afinal, de um navio de casco esburacado comandado por um homem de cabeça perdida.

domingo, 12 de julho de 2009

Pensamentos de domingo

«Um actor é um homem com uma capacidade ilimitada de receber elogios.»
Michael Redgrave

«Eu não quero um advogado que me diga o que não posso fazer; eu pago-lhe para me dizer como fazer aquilo que eu quero fazer.»
J. P. Morgan

«Os críticos são como os eunucos num harém. Eles sabem como se faz, vêem isso todos os dias, mas não conseguem.»
Brenda Behan
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Shelly Manne

sábado, 11 de julho de 2009

Ao sábado: momento quase filosófico

Acerca da Ética Aplicada
«Precisamente quando a especulação metaética acerca do significado da palavra "bom" começava a perder vigor, aplicar ética ficou de novo na moda e os filósofos começaram a escrever uma vez mais sobre que actos específicos são bons. A bioética, a ética feminista e a ética para o tratamento humano dos animais tornaram-se incontornáveis.
Um tipo de ética aplicada que floresceu no século XX foi a ética profissional, os códigos que regulam as relações de profissionais com clientes e pacientes.
Depois de assistir a uma conferência sobre ética profissional, quatro psiquiatras saíram juntos. Um deles disse:
- Sabem, as pessoas vêm sempre ter connosco com a sua culpa e medos, mas nós não temos ninguém a quem expor os nossos problemas. Que tal dedicarmos algum tempo agora para nos ouvirmos uns aos outros? - Os outros três concordaram.
O primeiro psiquiatra confessou:
- Tenho um desejo quase incontrolável de matar os meus pacientes.
- Eu arranjo formas de ganhar dinheiro indevido com os meus pacientes - declarou o segundo.
- Eu vendo droga e muitas vezes convenço os meus pacientes a vendê-la por mim - afirmou o terceiro.
O quarto psiquiatra confessou então:
- Devo dizer que, por muito que me esforce, não consigo guardar um segredo.
Cada especialidade médica desenvolveu os seus próprios princípios éticos.
Quatro médicos foram caçar patos juntos: um médico de clínica geral, um ginecologista, um cirurgião e um patologista. Quando uma ave os sobrevoou, o clínico geral preparou-se para disparar, mas desistiu porque não tinha a certeza absoluta se era um pato. O ginecologista também fez pontaria, mas baixou a arma quando percebeu que não sabia se o pato era do sexo masculino ou feminino. Entretanto, o cirurgião matou a ave, voltou-se para o patologista e disse:
- Vai ver se é um pato.
Até os advogados têm ética profissional. Se um cliente entrega por engano a um advogado 400 dólares para pagar uma conta de 300 dólares, a questão ética que surge naturalmente é se o advogado conta ao sócio.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

Não há facilitismos nas Novas Oportunidades...

Saíram as primeiras conclusões do estudo que a Universidade Católica está a realizar sobre o programa Novas Oportunidades. Dessas conclusões, sei apenas o que saiu nos jornais, onde, entre outras coisas, pude ler o seguinte: «Sobre as críticas ao alegado "facilitismo" do programa, o coordenador explicou ao PÚBLICO que a novidade é "aproveitar a experiência pessoal de cada um". E acrescentou: "Há uma pluralidade de vias para chegar às mesmas coisas".»

Portanto, não há facilitismo nas Novas Oportunidades. Isto é, o tudo que para aí se diz é falso, o que os meus alunos, que já por lá passaram, me contam é falso, o que os nossos colegas contam é falso, o que se lê nos jornais é falso, o que se sabe de outras escolas é falso, enfim, tudo é falso. Mas ainda bem que houve alguém capaz de descobrir, a tempo, que é falso tudo o que se tem dito e escrito acerca das falsidades das Novas Oportunidades.

No fim de contas, tudo isto não passa, segundo os responsáveis, de uma justa e adequada valorização de vias que, apesar de diferentes, permitem chegar à mesma finalidade: se as minhas experiências de vida pessoal e profissional me deram competências, elas devem ser reconhecidas e certificadas. E assim quanto maior e melhor for a experiência mais rapidamente me passam o diploma do 12.º ano.

Vamos, então, fazer de conta que se sim senhor, que as coisas são assim e que todos os caminhos vão dar a Roma e que o céu é verde e a relva azul.

Dando tudo isto como verdadeiro, que não há facilitismo, concluímos, então, que formar mil alunos por dia, que é a média actual de formação das Novas Oportunidades, corresponde ao resultado de uma formação séria e de uma creditação e validação rigorosas das competências de cada um deles.

Todavia, há aqui um embrulho. Vejamos: por um lado, diz-se que em Portugal o nível da formação das pessoas é baixíssimo, o mais baixo da Europa; por outro lado, validam-se competências à velocidade de mil alunos por dia, mais ou menos 142 por cada hora de trabalho.

Ora se se validam competências e se se passam diplomas a esta velocidade vertiginosa, e se ainda se espera qualificar um milhão de portugueses até ao próximo ano, isto só pode querer dizer que, afinal, as pessoas já possuíam essas competências, só não estavam formalmente reconhecidas nem certificadas. Daí a rapidez da certificação, sem facilitismos. Só assim se compreende. Mas isto tem uma consequência óbvia: quer dizer que Portugal, realmente, não tinha, nem tem o tal problema gravíssimo de falta de formação. Os portugueses tinham/têm as tais competências, as tais qualificações, só não tinham o diploma que as validasse formalmente.

Com o tal milhão de portugueses qualificados, Portugal vai deixar de ter o problema, que, de resto, já não tinha, de formação e qualificação profissional. Na realidade, vamos continuar exactamente como éramos, mas, agora, fantasticamente certificados...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Fragmenti veneris diei

«E se o adulto sonhava que lhe apareciam romances, a criança sonhava que lhe aparecia Deus, coisa que em princípio não era assim tão difícil. Vivíamos num mundo em que Deus existia hora a hora, minuto a minuto. Rezávamos quando as aulas começavam, quando acabavam; persignávamo-nos quando atravessávamos a rua; beijávamos as mãos dos sacerdotes; orávamos quando nos deitávamos, quando nos levantávamos; quando nos sentávamos à mesa; quando nos levantávamos dela... Cada acto da nossa vida era um sacrfício feito a Deus, fosse para o comprazer, ou para provocar a sua ira.
O inferno ficava ali à esquina, podia-se dar um passseio até lá, às vezes bastava tropeçar numa pedra para cair nele. Se nessa noite nos masturbássemos e morrêssemos, íamos para o inferno... Se chupássemos um rebuçado antes de comungar e morrêssemos, íamos para o inferno... Era mais fácil acabar no inferno do que na prisão, apesar do premonitório "vais acabar na cadeia". Felizmente a confisssão punha o contador a zero.»
Juan José Millás, O Mundo, Planeta Manuscrito, p. 85.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Às quartas

Soneto quase mudo

Há o silêncio, às vezes, entre nós,
e é um silêncio denso, ou uma fala
críptica, uma linguagem que abdica
do som, para ser só a voz da alma...

Há súbitas catarses de palavras
em torrente, cachoeiras de espuma
efervescente, ou talvez a timidez
dos gestos reprimidos ou represos.

Há os olhos que dizem sem dizer,
há o fluido subtil de quem se entende
mais longe do que a vida nos permite.

E há a confiança na ausência,
há segredos sabidos sem saber,
manhãs comuns em cada amanhecer.

Rui Polónio Sampaio

Bonecos de palavra

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terça-feira, 7 de julho de 2009

Notas soltas

Notas soltas e breves, que o tempo, nestas últimas semanas, tem sido por mim contado como o agiota conta as moedas.

Nota 1. Uma vénia ao jornal Público. Foi o único periódico generalista que, hoje, não trouxe, na capa, nem foto nem título de um evento ocorrido ontem em Espanha, mais concretamente, em Madrid, ainda mais concretamente, dentro de um estádio, e que juntou 80 mil indivíduos não sei bem para fazerem o quê, mas isso é um problema deles. Os jornais é que são um problema nosso. A propósito, gosto de futebol.

Nota 2. As convicções e os princípios de Sócrates são tão sólidos e seguros como os desmoronados pilares da ponte de Entre-os Rios: caem com a maré. Se a maré empurra para a foz, os princípios são uns, se a maré empurra para a nascente, os princípios passam a ser outros. Agora que a maré mudou, com os resultados eleitorais das europeias, o secretário-geral do PS saiu a terreiro para afirmar, com a falta de seriedade política que o caracteriza, que não quer duplas candidaturas, isto é, não quer que haja candidatos que acumulem candidaturas, neste caso, às eleições para o parlamento português e para as autarquias.
Bem-vindo ao clube, senhor engenheiro, mas só agora? Alguma razão em particular motivou essa mudança? Alguma fundamentação filosófica recentemente descoberta, e ainda não partilhada connosco, originou o devaneio? Ou ainda não se apercebeu que duas dirigentes do PS, Elisa Ferreira e Ana Gomes, foram e são, respectivamente, candidatas às eleições para o parlamento europeu e às eleições autárquicas, anunciadas há muitos meses? Ou estes casos não configuram exactamente uma dupla candidatura? Ainda vamos ver que não. E tudo isto dito e feito por quem, repetida e arrogantemente, acusa os outros de oportunismo político.

Nota 3. No domingo, fiquei a saber, pelo Diário de Notícias, que os 80 chapéus que se vêem no filme Public Enemies, com Johnny Depp e Christian Bale, são de feltro português, produzido numa empresa, de nome Fepsa, de S. João da Madeira. Também fiquei a saber que a concepção de tais chapeús é de uma empresa americana, de Chicago, chamada Optimo Hats. Igualmente fui informado que esta empresa encomendou o tal feltro à tal empresa de S. João da Madeira. E ainda fiquei conhecedor da referência do feltro, que é exactamente: 50X Black Rubby.
Depois de ter lido esta notícia, o meu domingo foi logo outro.

Concursos de Professores - Comunicado do PROmova

A análise das colocações resultantes dos Concursos de Docentes 2009 permite, desde já, desmascarar, tanto a intencionalidade que está subjacente às políticas educativas deste Governo, como aquilo que têm sido as suas práticas de manipulação estatística de dados, procurando dissimular a gravidade das situações.
Atentemos, pois, no seguinte:
1. Estes concursos mostram à evidência que o Governo e o Ministério da Educação se orientam, exclusivamente, por critérios economicistas, visando poupar na área do desenvolvimento do país em que se deveria verdadeiramente investir, ou seja, na Educação (talvez para o Estado poder dispor de recursos financeiros para salvar a banca especulativa). É absolutamente incompreensível que ao mesmo tempo que se investe em planos para isto e para aquilo, que se integram crianças deficientes e com necessidades educativas especiais no sistema público de ensino, que se aposta nos cursos profissionais e no prolongamento da escolaridade, este seja um dos concursos mais excludentes de sempre, deixando de fora das vagas de quadro cerca de 99% dos novos candidatos. A esta exclusão acrescem os milhares de professores dos quadros de zona pedagógica que se viram impossibilitados de aceder às vagas de quadro de escola/agrupamento, ao arrepio de expectativas e de declarações em sentido contrário dos responsáveis ministeriais. Deste ponto de vista, estes concursos dão bem a ideia do logro das políticas educativas deste Governo, pois não se pode aumentar a qualidade e o número das omeletas pela via da eliminação generalizada dos ovos. Trata-se de uma aposta na precariedade e nas soluções transitórias;
2. Estes concursos deixam cair a máscara da estabilidade, pois 60% dos docentes não obtiveram colocação na sua primeira prioridade, o que se traduz em perspectivas de afastamento das suas áreas de residência, com a agravante de se verem agora condenados a um afastamento de 4 anos;
3. Estes concursos deixam cair a máscara da transparência de procedimentos, sonegando as vagas libertadas pelos concursos TEIP, as quais poderiam e deveriam ter sido disponibilizadas nestes concursos ou, então, ser dada a possibilidade de os professores agora colocados se poderem vir a candidatar às mesmas;
É necessário estar atento a eventuais erros nestas colocações, bem como à gestão de vagas para o que ainda falta em termos de colocações ou a jogadas de colocações por transferências decididas localmente para vagas “misteriosas”. Pois, de tudo isto aconteceu no último concurso de docentes.
Os sindicatos e os movimentos de professores vão estar atentos às manobras de afectação/requisição particular de professores e vão exigir ao próximo Governo a abertura de um concurso, no próximo ano lectivo, para prover às necessidades reais das escolas e para permitir a mobilidade de milhares de professores colocados fora das suas áreas de residência e que não merecem ter sido condenados a quatro anos de instabilidade e martírio.

Aquele abraço,
PROmova,
PROFESSORES – Movimento de Valorização

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Registos do fim-de-semana

Obviamente demitido

Justiça está a desacreditar a democracia

Sócrates do "país das maravilhas"
diz que PSD quer "rasgar" tudo


Mário Lino contradiz Sócrates
e admite negócio PT-Media Capital depois das eleições


Manuela Ferreira Leite promete mudar tudo na educação se Ganhar as legislativas de Setembro
Público (3/07/09)

O Governo perdeu o norte depois das eleições

O défice hipotético foi uma patranha de Sócrates

ASAE faz detenções ilegais

TC exige ver contratos das escolas
O Estado já fez 42 contratos de obras, que somam mil milhões, mas só um teve visto prévio do Tribunal de Contas

Estado tem de pagar computadores
Governo prometeu computadores a custo zero, mas terá de pagar 80 milhões às operadoras
Sol (3/07/09)

Presidente da República junta-se aos "indignados" com Manuel Pinho
i (4/07/09)

Depois das crise temos de combater os mesmos problemas estruturais

José Sócrates pressiona Alegre para que entre nas listas do PS

Igreja Católica afronta falta de "ética" na política e economia

Minas de Aljustrel
Atraso do Governo trava contratação de trabalhadores
Público (4/07/09)

População cabe toda nos centros comerciais

Quase metade dos portugueses não vai de férias
Expresso (4/07/09)

Sócrates proíbe duplas candidaturas a câmaras e ao Parlamento
Diário de Notícias (5/07/09)

domingo, 5 de julho de 2009

Pensamentos de domingo

«Por favor, aceitem a minha resignação. Eu não estou interessado em ser membro de um clube que me queira como membro.»
Groucho Marx

«Um psiquiatra é uma pessoa que leva muitíssimo caro por fazer uma enorme quantidade de perguntas que a tua esposa também faz, mas de borla.»
Joey Adams

«Nasci português: fui enganado!»
António Pedro Vasconcelos
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.