quinta-feira, 23 de junho de 2016

Virtudes cardeais


«Castidade - De acordo com o The Independent, o mercado inglês das orgias está a ferver. As festas, destinadas às elites, decorrem em mansões avaliadas em mais de 30 milhões de euros e os participantes são criteriosamente escolhidos pelos organizadores. 
Generosidade - Nos últimos quatro anos, foram transferidos mais de 1300 milhões de euros de Portugal para o Panamá. Os mal-intencionados dirão que se trata de uma inadmissível fuga aos impostos, mas convém lembrar que, ao transferir dinheiro para o Panamá, estes portugueses têm ajudado muitas famílias panamianas que, de outra forma, estariam a viver com grandes dificuldades. Uma salva de palmas para estes beneméritos que, quando é para ajudar o próximo, não olham à nacionalidade.»
Ler, n.º 142.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Uma classe bem remunerada

    «De entre todas as profissões no mundo há uma que merece especial cuidado: a dos economistas "da esfera pública", ou seja, que se ocupam dos grandes sistemas, dos grandes planos, das grandes previsões — e, sobretudo, dos grandes falhanços. Técnicos do Banco Mundial, astrólogos do FMI, parapsicólogos do Banco Central Europeu, tarólogos do Banco de Portugal, professores Karamba da Comissão Europeia, ovnilogistas da OCDE, todos se reúnem para garantir o mais elevado montante possível de capital para distribuir por bancos, "instituições financeiras", construtores de autoestradas e sedes de "instituições europeias" — e falham. E quando tudo falha tratam de recomeçar o jogo, nomeadamente através da criação de "bancos maus" que fiquem com os prejuízos das suas operações, enquanto vão criando "bancos bons" que, mais tarde, no longo ciclo das coisas, hão de tornar-se "bancos maus", e assim sucessivamente. [...]
         Ora, esta classe profissional não faz mais do que prolongar — até mais longe do que julgávamos possível — o lema de Samuel Beckett, "falhar, falhar de novo, falhar melhor". Ao contrário de qualquer escritor — que seria banido ao fim de três falhanços de grande qualidade — o percurso dos nossos economistas da "esfera pública" transforma-os em personagens de grande literatura, com a diferença (em relação aos da literatura) de que são sempre agraciados com uma conta bancária muito decente. Inclusive na Caixa.»
Francisco José Viegas, in LER, n.º 142.

sábado, 11 de junho de 2016

Presidências e trivelas

Fotografia de Mário Henrique Kämpf.
1. O que diria o comentador de televisão Rebelo de Sousa se fosse convidado a comentar a actuação do actual Presidente da República, num daqueles domingos à noite? O comentário seria certamente semelhante a isto:
«Judite, o homem não pára, anda frenético, está deslumbrado. É compreensível: há dezenas de anos que procurava protagonismo com poder político, agora tem-no, está nas nuvens. A Judite recorda-se, o homem, quando era comentador, já revelava um fascínio incontido pela câmara de televisão que lhe apontavam ao domingo à noite; imagine o que neste momento ele sente quando lhe apontam não uma mas várias câmaras de televisão, todos os dias e a toda a hora. O tipo não se consegue conter... O problema é que o homem, no meio deste frenesim, começa a perder o controlo do que diz, e depois vê-se obrigado a desdizer hoje o que disse ontem, a esclarecer hoje a insinuação que fez ontem ou a tapar hoje o buraco que abriu ontem. O homem ainda não percebeu que ser Presidente da República é um pouco diferente de ser o tipo do "bitaite" ambulante. Mas o que é que se pode fazer? Olhe, como nunca me passaria pela cabeça querer ser Presidente da República, assisto a tudo isto divertidíssimo. Entretanto, para si, Judite, trouxe uns cachecóis da nossa selecção e uns ovos moles de Aveiro.»

2. Com um Presidente assim, com um mês de futebol pela frente, com uma selecção de futebol que praticamente já é campeã europeia, com um mês de Jogos Olímpicos, mais o Verão que se aproxima, que preocupações nos poderão apoquentar? 
A extrema direita galopa pelo norte da Europa; somos ameaçados com sanções pela Comissão Europeia; os nossos políticos pedincham servilmente para que não nos castiguem; Portas sai de ministro e vai directamente para a Mota-Engil; Assis quer que o PS volte a ser o PSD cor-de-rosa; os interesses privados amigos dos dinheiros públicos vestem-se de amarelo; a elite financeira continua a desgraçar o país; a dívida continua a matar-nos aos poucos e o cerco aperta-se, mas que importância isto pode ter? Nenhuma. Umas presidências de afectos e umas boas trivelas tudo resolvem.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Na Grécia: Parlamento proíbe ligações de políticos a offshores. Direita sai da sala


Alexis Tsipras no Parlamento grego.

«Os deputados da Nova Democracia abandonaram o parlamento no momento da votação da lei que proíbe deputados, governantes e titulares de cargos políticos de participarem em sociedades sediadas fora da Grécia.»

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domingo, 5 de junho de 2016

Desigualdade — O que fazer? (1)

   «A desigualdade encontra-se, neste momento, na vanguarda do debate público. Já muito se escreveu acerca do 1 por cento e dos 99 por cento, e mais do que nunca temos noção da abrangência da desigualdade. [...] O mundo está a braços com problemas graves, mas coletivamente não somos impotentes contra forças que nos escapam ao controlo. O futuro está, mais do que nunca, nas nossas mãos.
Desigualdade de oportunidades e desigualdade de resultados 
   O conceito de igualdade de oportunidades é bastante atraente, mas será que isso significa que a desigualdade de resultados é irrelevante? Para mim, a resposta a essa questão é "não". [...] Para chegarmos ao porquê, teremos de começar por explicitar a diferença entre os dois conceitos. 
   A desigualdade de oportunidades é grosso modo, um conceito prévio (ex ante) — todos deveriam ter um ponto de partida equivalente —, ao passo que grande parte da atividade redistributiva se prende com resultados posteriores (ex post). Os indivíduos que julgam que a desigualdade de resultados é irrelevante consideram que a preocupação com os resultados posteriores é ilegítima e acreditam que, assim que se estabelece o campo de jogo nivelado para a corrida da vida, não nos devemos preocupar com os resultados. Para mim, isto é errado por três motivos.
   Em primeiro lugar, para a maioria das pessoas seria inaceitável ignorar completamente o que acontece depois do tiro de partida. Os indivíduos podem aplicar esforço, mas ter pouca sorte. Imaginemos que alguém tropeça e cai na pobreza. Qualquer sociedade que seja humana vai garantir-lhe auxílio. Além disso, são muitos os que acreditam que esse auxílio deve ser prestado sem que se pense nos motivos que levaram a pessoa a passar por momentos difíceis. Tal como referem os economistas Ravi Kanbur e Adam Wagstaff, seria moralmente repugnante "condicionar a oferta de sopa à avaliação do motivo, circunstância ou esforço, por que o indivíduo [...] está na fila para a sopa dos pobres".
   [...] Segundo motivo [...]. É preciso distinguir entre igualdade de oportunidades competitiva e não competitiva. Esta garante que todos têm possibilidade de concretizar os seus projetos de vida independentes. Continuando com a analogia desportiva, todos podem ter a oportunidade de conseguir um certificado de natação. Por outro lado, a igualdade de oportunidades competitiva significa apenas que todos temos a possibilidade de participar numa corrida — uma competição de natação — com prémios desiguais. Neste caso, que é mais típico, existem recompensas desiguais posteriores, sendo aqui que entra em campo a desigualdade de resultados. É a existência de uma distribuição de prémios extremamente desigual que nos leva a dar tanta importância à garantia de que a corrida é justa. A par disso, a estrutura dos prémios é, em grande medida, uma construção social. As nossas disposições económicas e sociais determinam se o vencedor recebe uma coroa de louros ou $ 3 milhões [...]
 [...] O terceiro motivo para que nos preocupemos com a desigualdade de resultados é o de ela afetar diretamente a igualdade de oportunidades — da geração seguinte. Os resultados ex post de hoje definem as condições ex ante de amanhã: os que hoje beneficiam com a desigualdade de resultados poderão transmitir amanhã uma vantagem injusta aos filhos. [...] Uma desigualdade de resultados entre a geração atual está na base da vantagem injusta recebida pela próxima geração. Se nos preocuparmos com a igualdade de oportunidades de amanhã, temos, necessariamente, de nos preocuparmos com a desigualdade de resultados de hoje.»
Anthony B. Atkinson, Desigualdade — O que fazer?, Bertrand Editora.