segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Continuamos um povo crédulo

Fotografia de Pixel Eye.
Continuamos a ser um povo crédulo. Um povo que ainda vive muito de futebóis, de fado e de Fátima. O futebol alimenta-nos, de modo fácil, o mito das grandezas, o mito de que poderemos voltar a ser grandes em alguma coisa, mas sem trabalho (delegamo-lo numa dúzia de heróis do pontapé); o fado, algo paradoxalmente, alimenta-nos o mito de um destino de dor, ingratidão e desamor, que de forma inexorável marca o rumo à nossa existência individual e colectiva, o que justifica a tendência para a lamúria (e para a inacção); e Fátima alimenta-nos o mito de que, apesar de tudo, poderemos ter esperança numa imaginada recompensa (dos pobres é o reino dos céus).
Formados e alimentados nestes mitos, estendemos a nossa credulidade a quase tudo. Como crianças ingénuas, somos aliciados por narrativas de afectos, de ternuras e de carinhos. Somos atraídos por contos que nos falem de misericórdias, de caridades, de sentimentos cristãos, de avós e de netos. Sentimo-nos próximos do olhar cândido, do sorriso condescendente e do conselheiro paternal. Afeiçoamo-nos ao portador do mistério da elevada sabedoria e, em simultâneo, protagonista de actos de proximidade e simplicidade que nos enlevam e ilusoriamente nos fazem sentir seus cúmplices, companheiros, amigos. Desejamos ser cordeiros conduzidos pelo pastor protector.
Além disto, também não temos memória. Apagámo-la voluntariamente e com gosto, se ela contradisser a nossa ingenuidade, a nossa atracção, o nosso sentimento, a nossa afeição, o nosso desejo. Nada queremos com uma memória de factos potencialmente destruidores da ilusão. Preferimos o esquecimento que permite manter viva a chama da fantasia.
Vemos no exercício da análise, do escrutínio e da crítica uma perda de tempo e um aborrecimento. Não querendo averiguar as causas, não compreendemos os efeitos e ficamos sem perceber nada do que nos acontece. Todavia, mantemo-nos campeões do «bitaite», do palpite e da insinuação. Com a barriga encostada ao balcão, ainda deitando abaixo «copos de três», ou, no meio da rua, deitando abaixo shots, ou, de rabo no sofá, deitando abaixo novelas e reality shows, somos imbatíveis a absorver álcool, estupidez e dormência cívica, 
Deste modo, com tranquilidade, mantemo-nos crédulos em quase tudo, em particular com os Rebelo de Sousa que nos aparecem pelo caminho.