domingo, 12 de abril de 2015

Ténue ou imaginária?

Imagem de Manuel Moura
reacção que o anúncio de uma possível candidatura de António Sampaio da Nóvoa à Presidência da República suscitou dentro do PS confirma, uma vez mais, o que já foi confirmado múltiplas vezes ao longo das últimas décadas: no que diz respeito a opções políticas, grande parte dos protagonistas do Partido Socialista apenas se distingue do PSD em questões de pormenor e de circunstância. Na verdade, a poderosa e quase sempre dominante ala direita do PS confunde-se, na substância, com o pensamento político e com os interesses que o PSD defende. As diferenças são simples minudências, são irrelevâncias, se comparadas com o que objectivamente os liga. Descontada a retórica balofa, normalmente acompanhada de uma arrogância desmedida, observamos com facilidade que o paradigma político de sociedade é o mesmo, os valores nucleares são os mesmos, as metas e os objectivos políticos, económicos e financeiros de médio e longo prazo, para o país, são os mesmos e que a prática política é semelhante. É fundamentalmente no discurso e no linguajar que a divergência surge, isto é, as diferenças restringem-se ao domínio que menos importa, para a vida das pessoas. É apenas na retórica parlamentar ou na retórica de palco que uma certa encenação de diferenças se desenvolve. Mas a encenação não esconde nem apaga a realidade — a realidade do presente e a do passado.
Um olhar sobre a evolução política do país nas últimas três décadas e meia, em que sistematicamente ocorreu uma alternância no poder entre PS e PSD (coligados ou não com o CDS, à excepção do episódio de uma coligação formal entre ambos, que durou cerca de dois anos), permite ver uma linha de continuidade nas opções políticas fundamentais: progressiva desvalorização do trabalho e valorização do capital;  perda de direitos laborais directamente proporcional à criação de condições privilegiadas para os detentores do poder financeiro e económico; aprofundamento ininterrupto da privatização da economia, acompanhada de uma intenção objectiva de depreciação económica e social do sector público. Na realidade, PS e PSD são duas faces da mesma moeda, e historicamente o primeiro não só tem tido a função de preparar terreno e abrir portas para que o segundo entre e se instale, como, em várias circunstâncias históricas (como foi o caso mais recente da acção política dos governos de Sócrates), foi mesmo o PS quem levou a cabo uma política de desmedida agressividade e afrontamento directo com o sector público, particularmente evidente nos domínios da educação, justiça e saúde, e amplamente elogiada por toda a direita portuguesa.
O modo como vários protagonistas e dirigentes do PS se manifestaram publicamente contra a possibilidade de um eventual apoio socialista à candidatura de Sampaio da Nóvoa apenas consolida um percurso já antigo. O carácter grotesco e desnorteado dessa reacção revela o pavor e o horror que lhes suscita qualquer assomo de pensamentos e de comportamentos inequivocamente posicionados à esquerda. O pavor e o horror que um pensamento de esquerda provoca a estas personalidades do PS é o mesmo pavor e o mesmo horror que provoca à generalidade das personalidades do PSD. A confluência de interesses entre estas duas partes conduz a uma quase obscena promiscuidade, que culmina na propositura pública, por parte de elementos do PSD, de candidatos militantes do PS às próximas eleições para a Presidência da República. Luís Amado e Jaime Gama, ambos socialistas, têm sido nomes sugeridos ou apoiados por figuras do PSD e por elas avaliados como excelentes hipóteses para uma candidatura.
Se as reacções públicas de rejeição da candidatura de Sampaio da Nóvoa, por parte de dirigentes socialistas, se tornarem na posição oficial do PS, isso revelará que a linha de fronteira entre estes dois partidos passou de ténue a imaginária.