quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Com carinho

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sem identificação do autor.
É com carinho que observo a ocorrência de um fenómeno que tem estado na ordem do dia. O fenómeno diz respeito à enorme indignação com que algumas personalidades têm reagido ao processo de avaliação dos centros de investigação (CI), promovido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. O meu carinho é dirigido não aos motivos dessa indignação, que são evidentemente fundados, mas a algumas das personalidades que se têm manifestado contra o referido processo de avaliação. Sublinho: o meu carinho vai somente para algumas dessas personalidades. Concretamente quais? Justamente aquelas de quem eu estaria longe de esperar semelhante reacção. De onde surge a minha perplexidade? Surge da seguinte circunstância: os argumentos apresentados por estas personalidades contra a avaliação que está a ser realizada aos CI são precisamente da mesma natureza daqueles que, há meia dúzia de anos, os professores apresentaram contra o modelo de avaliação do desempenho docente (ADD) imposto por Rodrigues e Alçada; todavia, na altura, essas personalidades manifestaram-se veementemente (algumas até rudemente) contra esses argumentos dos professores. Por exemplo:
i) Os professores afirmavam que a ADD escondia intenções estranhas a uma verdadeira avaliação. As referidas personalidades dizem agora o mesmo relativamente à avaliação dos CI;
ii) Os professores afirmavam que o modelo de avaliação docente era incompetente. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente ao modelo de avaliação dos CI;
iii) Os professores afirmavam que os avaliadores não tinham competência para avaliar. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente a muitos dos avaliadores dos CI;
iv) Os professores afirmavam que uma avaliação verdadeira não podia estar condicionada a quotas prévias. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente à existência de quotas na avaliação dos CI;
v) Os professores apresentaram dezenas de pareceres que mostravam a incompetência do modelo de avaliação. As referidas personalidades têm feito o mesmo relativamente ao modelo de avaliação dos CI;
vi) Os professores mostravam que aquele modelo de ADD estava a conduzir milhares de professores com larga experiência de ensino a abandonarem a profissão, solicitando a reforma antecipada. As referidas personalidades dizem o mesmo e falam em desistência, em afastamento e em emigração de muitos investigadores;

Mas, há seis anos, estas personalidades argumentavam contra todos estes argumentos dos professores, dizendo de uma assentada e de modo convicto que «não podíamos esperar ou exigir um modelo de avaliação perfeito, porque isso não existia, e que era preciso fazer avançar a avaliação, e no futuro logo se fariam as correcções que fossem necessárias». É com carinho que vejo o esquecimento a que votaram esta firme convicção. 
É com igual carinho que vejo estas personalidades referirem, como um elemento favorável à sua argumentação, a posição dos sindicatos contra o modelo de avaliação dos CI. Precisamente os mesmos sindicatos que estas personalidades vilipendiam, sempre que a oportunidade surge.

Talvez estas personagens consigam finalmente compreender por que razão são tão graves as consequências de uma avaliação mal feita e injusta. A avaliação nunca foi nem pode ser um fim em si mesmo; se o acto de avaliar é um acto instrumental (e só o pode ser), com vista à obtenção do melhoramento de algo, e se esse instrumento é mau, se está mal concebido ou se é mal aplicado, não só o objectivo da avaliação não é atingido como os seres humanos envolvidos transformam-se em vítimas e sofrem as consequências da má avaliação realizada.
É com carinho que lhes recordo isto.