segunda-feira, 22 de julho de 2013

Uma pausa na liça


Há dois anos, por esta altura, escrevi:
«Neste momento, partir de férias para fora do país corresponde, grosso modo, a uma partida para o paraíso, seja qual for o destino e seja o que for que se entenda por paraíso. Sair daqui vale sempre a pena, mesmo que a alma seja pequena. Seja Tui, Verin, Fuentes de Onõro, Badajoz, Ayamonte, Tanger, Ceuta, seja qual for o local, por mais próximo que seja daqui, mas desde que não seja aqui, será sempre um paraíso. Vá-se a pé ou de bicicleta, ou à boleia; coma-se uma só vez por dia ou dia sim dia não; durma-se na tenda ou ao relento; tome-se banho de dois em dois dias ou uma vez por semana; tudo é preferível a ficar. Ficar faz mal a tudo: à bolsa, à paciência, à sanidade mental.»
Há um ano, também por esta altura, escrevi:
«Hoje em dia fazer férias é, desgraçadamente, um luxo e uma necessidade vital.
Um luxo, se pensarmos nos milhares de desempregados ou se pensarmos naqueles que têm salários ou pensões semelhantes a esmolas. Ver tanta gente que foi despedida e cujo futuro ficou reduzido aos limites da sobrevivência, ou ver tanta gente que trabalha ou trabalhou um ano inteiro com salários, horários e condições de trabalho miseráveis, e que não pode usufruir do descanso a que tem direito, faz pensar e sentir que ainda ter a possibilidade de fazer férias é quase uma prodigalidade — mesmo que o subsídio respectivo, que a lei consagra, tenha sido objecto de extorsão.
Por outro lado, fazer férias é uma necessidade vital. É vital para a nossa saúde mental termos a possibilidade de, pelo menos durante uns dias, deixarmos de ter contacto visual e auditivo com quem governa este país.»
Malfadadamente, o que há dois anos e há um ano era verdade hoje é-o muito mais. Na realidade, deixar de conviver, ainda que temporariamente, com os protagonistas das elites que dominam as nossa vidas é, cada vez mais, quase tão vital como respirar. Deixar de ver e ouvir as principais figuras do nosso poder político, financeiro e empresarial é certamente uma dádiva dos deuses.
Tenho tido o privilégio de ainda o conseguir fazer, partindo para onde a natureza se oferece de um modo agreste mas indescritivelmente belo: os lugares das areias sem fim.
Sem dúvida que poder deixar para trás a fealdade dos comportamentos daqueles que diariamente aqui nos desrespeitam e poder passar a contemplar a elegância das formas, a intensidade das cores, os movimentos dunares, o jogo das sombras, sentir a gracilidade das areias ou o peso e a hospitalidade de um espaço imenso que nos derruba mas também nos acolhe é um privilégio sem preço. 
Substituir os irrevogáveis daqui por gente hospitaleira de lá, o cinismo político pelo sorriso franco ou pela mão que gentilmente nos acena é uma proposta irrecusável.
É por tudo isto que o blogue entra hoje de férias, para que eu possa preparar o regresso a esses lugares, dentro de dias.
Em Setembro voltamos à liça.
Votos de boas férias a todos aqueles que delas ainda puderem usufruir.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Os exames, outra vez

Este ano, o balanço final dos exames nacionais da 1.ª fase deu algo aproximado a: «maus resultados globais em várias disciplinas, em quase todos os anos de escolaridade». 
Em outros anos, o mesmo balanço foi dando alternadamente: «bons resultados»; «medíocres resultados» «razoáveis resultados»; «péssimos resultados»; etc.
Ano a ano, a cada balanço, sucedem-se múltiplas análises explicativas desses resultados, com as causas dos problemas distribuídas por todos os intervenientes no processo, consoante gostos e tendências: provas de exame mal elaboradas; inadequados critérios de classificação; deficiente aplicação dos critérios de classificação; alunos sem hábitos de trabalho; professores incompetentes; programas demasiado extensos; etc. Ministros, ex-ministros, inauditos especialistas e opinantes de origem diversa são protagonistas destas análises. Embrulham-se e desembrulham-se num eterno retorno do acto explicativo, do qual nada se aprende, do qual nada resulta de sólido e perene.
Em simultâneo, vão sendo publicados rankings, cuja real significância é inversamente proporcional à divulgação que lhes é dada constituindo, todavia, momento importante para quem vende papel ou para quem vende imagens e para quem acha que a realidade se afere por listagens ou para quem tem na quadrícula o seu horizonte de pensamento.

Vivemos nisto e disto. Gastamos o tempo e a energia dos alunos, dos professores e dos pais com um dos menos fiáveis instrumentos de avaliação que existem, atribuindo-lhes uma importância aferidora que  eles efectivamente não têm nem nunca poderão ter, alargando a sua realização a todos os ciclos de ensino e querendo tornar decisiva a sua ponderação na fórmula que determina o aproveitamento ou não aproveitamento do aluno, no final do ano. 
A obsessão com os exames traduz várias coisas e todas elas são más. Uma dessas coisas más é a de assim se fugir a enfrentar aquilo que é verdadeiramente importante e decisivo: a melhoria da qualidade do ensino ministrado pelos professores e, consequentemente, das aprendizagens obtidas pelos alunos. Ora esta melhoria não se faz pela via do encharcamento do sistema educativo com exames, faz-se através de um forte, determinado e permanente investimento na formação contínua dos professores, a nível da actualização científica e das didácticas disciplinares. Formação contínua séria e competente nos domínios fundamentais e não folclóricos da docência, que são os domínios científico e didáctico. Um escrupuloso plano nacional de formação contínua, nestes domínios, pensado para ser realizado por todos os professores, durante toda a carreira profissional, teria de ser uma prioridade da política educativa. O rigor e a qualidade das aprendizagens é somente por esta via que é alcançável.
Quando se fala em investimento na educação é a este nível, em primeiro lugar, que se deve falar. Mas, desgraçadamente, é aqui que, neste momento, nada se faz e tudo se desfaz. Actualmente, a formação contínua dos professores está quase reduzida à carolice de alguns docentes que, de forma gratuita, exercem a função de formadores e vão ministrando alguns cursos, oficinas e seminários. Descemos ao nível dos países do terceiro mundo. 
Contudo, os alegados paladinos do rigor e da exigência preferem entreter-se com o que há de populário nos exames.

Uma resposta adequada

Após o deputado Adriano Silveira Moreira, do PSD, ter cinicamente afirmado que o «Estado é um mau gestor», a deputada Ana Drago, do BE, interveio e respondeu de uma forma adequada.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Uma realidade incompreensível

Somos observadores de uma realidade incompreensível que impudicamente se desenrola à nossa frente: ele há demissões comunicadas e demissões pendentes; ele há remodelações divulgadas e remodelações suspensas; ele há ministros anunciados e ministros não empossados; ele há eleições inviabilizadas e eleições viabilizáveis; ele há figura tutelar publicitada e figura tutelar descartada; ele há acordo a dois celebrado e acordo a dois ignorado; e por aí adiante.
À força, procura-se agora um acordo a três em que ninguém acredita, mas em que todos fazem de conta que acreditam. A ideia do acordo é ela própria absurda porque a sua concretização exigiria que uma das partes abjura-se de tudo aquilo que tem afirmado e praticado. Aquilo que está em cima da mesa não permite que possa ser de outro modo. Outra hipótese, também ela absurda, seria chegar-se a um acordo em torno de um texto que tudo e nada diz, onde todas as interpretações seriam possíveis, mesmo as mais contraditórias.
Para o bem de quem efectivamente tem estado a pagar a crise, esperemos que não haja acordo, esperemos que o absurdo não contamine toda a realidade, pois, se ele viesse a concretizar-se, isso significaria não só uma assinalável vitória do cinismo como significaria um reforço das políticas catastróficas que têm levado o país à miséria. A realidade já não seria só incompreensível, tornar-se-ia insuportável.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Pedido de esclarecimento urgente da ANVPC à DGAE

Pedido de divulgação recebido por e-mail:



COMUNICADO – 14. 07. 2013
«A ANVPC - Associação Nacional dos Professores Contratados, remeteu hoje ao Exmo. Sr. Diretor Geral da Administração Escolar (DGAE), Dr. Mário Pereira, um pedido de esclarecimento urgente, relativamente à aplicação do ponto 3 do artigo 4º (Capítulo II) do despacho de Organização do Ano Letivo (OAL) 2013/2014. 
Aquando da última reunião conjunta da ANVPC com a DGAE ficou claro que no que respeitava ao ponto 3 do artigo 4º do anterior Despacho Normativo 13-A/2012 (OAL), quando se referia “a adequada formação científica”, o docente de um grupo de recrutamento, ou disciplina, para lecionar num novo grupo de recrutamento, ou disciplina que não a sua de origem, teria de possuir obrigatoriamente HABILITAÇÃO PROFISSIONAL para esse novo grupo, não podendo lecionar no mesmo com qualquer outra habilitação que não a PROFISSIONAL (ex.: Habilitação Própria).  
No entanto, no presente despacho de OAL 2013/2014 (Despacho Normativo 7/2013, 11 de Junho) no Capítulo II, artigo 4º (ponto 3), a situação surge exatamente colocada como no documento do ano transato, pelo que criará novamente confusão junto das escolas e potenciará uma distribuição de serviço díspar entre cada escola/agrupamento de escolas.  
Tendo em conta os normativos de habilitação vigentes, é, para a ANVPC, totalmente claro que a única habilitação possível é a Habilitação Profissional, pelo que urge que a DGAE emita um nota informativa às escolas/agrupamentos de escolas com a máxima urgência, prevenindo reclamações que venham a surgir, e paralela manutenção de mais que um candidato no lugar. Esta associação profissional acredita que o Ministério da Educação e Ciência continuará a privilegiar quer o cumprimento da lei, quer a qualidade de excelência do sistema de ensino português, pelo que não pactuará com uma distribuição de serviço ilegal, promovendo a lecionação de disciplinas por titulares não detentores das formações académicas adequadas. 
A ANVPC aguarda com urgência a resposta do Exmo. Sr. Diretor Geral da Administração Escolar, sendo que estará muita atenta ao assunto supracitado, pois considera que não existe ensino de qualidade sem um corpo docente de qualidade dentro da sala de aula, detentor quer da formação académica, e habilitação, de acordo com os normativos legais vigentes, quer da experiência profissional na área/ciclo de ensino. Mais, a ANVPC tudo fará para verificar o cumprimento da lei no que concerne à distribuição de serviço docente no ano letivo 2013/2014. 
Veja-se ainda que a Associação Nacional dos Professores Contratados estima que, no presente ano letivo, milhares de horários destinados a professores contratados foram ocupados por docentes de carreira aos quais foram atribuídas disciplinas de outros grupos de recrutamento (que não os seus), sem que estes fossem portadores da considerada necessária Habilitação Profissional para a sua lecionação.»

A Direção da ANVPC

domingo, 14 de julho de 2013

Pensamentos

«A estupidez tem de terrível o poder assemelhar-se à mais profunda das sabedorias.»
Valéry Larbaud 
«Há tolices bem embaladas, assim como há tolos bem vestidos.»
Sébastien-Roch Chamfort 
«Ninguém está livre de dizer tolices; o imperdoável é dizê-las solenemente.»
Michel de Montaigne
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Poemas

VAGABUNDO DO SILÊNCIO

Sento-me na relva e bebo
Com os meus amigos ausentes. Eis a mesa
O reflexo da lua
No pátio da noite ainda limpa.
«Mais vale só do que bem acompanhado»,
Digo-me e ergo a taça esvazio a taça não há outro
Movimento mais puro mais cerimonioso
Que desfaça tão bem a terra e o céu
Num deserto redondo e habitado
Pelo puro silêncio. As folhas do outono
Sentam-se comigo a olhar a pensar
No grão de areia que tomo na mão
Na sílaba de pedra que foi incandescente
Nos campos de sílex que separam animais e coisas
Sob a desolada coroa solar. As aves que regressam
Vêem comigo a rosa que adoece o fruto que sedimenta
A sua alquimia interior. Assim eu tivesse
O coração branco
As mãos vazias
Em lugar de tanta palavra tanto parasita
Que não me abandona.

Casimiro de Brito

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Política e emocionalmente desequilibrados

Não tem sido fácil ser português, pelo menos, na última década. Para desgraça colectiva, as nossas vidas têm sido entregues, através do voto, a um conjunto de eleitos política e emocionalmente desequilibrados. Barroso, Sócrates, Passos, Portas e Cavaco são exemplos óbvios desta circunstância. Cada um a seu modo revelou e continua a revelar profundos desequilíbrios políticos e emocionais.
Agora, depois dos recentes comportamentos política e emocionalmente desequilibrados de Passos e de Portas, foi a vez de Cavaco confirmar, no discurso que ontem proferiu, que o desequilíbrio é uma das características mais bem distribuídas entre os protagonistas do nosso poder político.
Em quinze minutos, Cavaco Silva:
a) anunciou que é contra eleições antecipadas, e anunciou que quer eleições antecipadas daqui a um ano;
b) por omissão, fez saber que vetou o acordo governativo celebrado há dias entre o PSD e o CDS, mas não retirou daí a consequência óbvia: proceder à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições;
c) considerou que este governo está no uso pleno das suas funções, quando ninguém quer que este governo continue, nem os próprios que o constituem: um deles disse que saía irrevogavelmente e o outro propôs fazer uma enorme remodelação — Cavaco é o único que acha que este governo tem condições para continuar;
d) defendeu um acordo tripartido, quando sabe que nenhuma das partes está interessada nem vai fazer esse acordo;
e) reconheceu que o acordo que propõem era politicamente difícil de alcançar, mas que era tecnicamente fácil de se concretizar...
Nada disto é normal. Nada disto é compreensível. Tudo isto é desequilibrado.
Politicamente, o discurso de Cavaco é um desastre, não resolve nenhum dos sérios problemas existentes e agudiza todos. Para além disso, pelas exigências que faz aos partidos, pisa o risco que separa um regime democrático de um regime não democrático. Emocionalmente, o discurso de Cavaco é a concretização de uma represália pessoal aos recentes (e talvez também aos antigos) comportamentos de Portas e de Passos.
Ora nada disto é aceitável. Nada disto é tolerável. Um país não pode ser governado por gente política e emocionalmente desequilibrada.
Estamos perante um problema grave, e nós, portugueses, vamos acabar por ter mesmo de o enfrentar e de o resolver.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Tecnicamente

Vivemos tempos de vazio. A nossa vida colectiva foi reduzida ao que é determinado como sendo a forma tecnicamente correcta de vivermos em conjunto. Lemos e ouvimos que tecnicamente não é possível isto, tecnicamente não é sustentável aquilo, tecnicamente não é plausível aqueloutro; que seria bom, mas tecnicamente não é aconselhável, que seria óptimo, mas tecnicamente não é viável. Ao tecnicamente junta-se, em regra, o economicamente, e estes dois advérbios tornaram-se, nos últimos anos, o alfa e ómega de quase todos os discursos. 
Os ideais, os valores, as causas transformaram-se em relíquias, que podem ser contempladas como quem contempla catedrais da Idade Média: coisas bonitas, até admiráveis, mas inexoravelmente do passado. Os ideais, os valores e as causas, dizem-nos, não têm tecnicamente hipóteses de sobreviver. Tecnicamente são devaneios e economicamente são inviáveis.
O peso do tecnicamente e do economicamente é enorme na cabeça das pessoas. Antecipadamente, somos todos derrotados pelo tecnicamente e pelo economicamente
Ora não está a ser fácil compreendermos que o tecnicamente e o economicamente não têm existência própria, que não são padrão de coisa alguma, que não são, nunca foram nem alguma vez serão fins em si mesmos. Não valem por si próprios, não têm sequer vida própria. 
Não está a ser fácil compreendermos que algo só é ou não é tecnicamente possível em função de um objectivo previamente definido que se pretende atingir. O objectivo é que condiciona se determinado caminho é tecnicamente viável. Nada, por si só, é viável ou inviável tecnicamente. Por isso, quando nos dizem que tecnicamente ou economicamente algo não é possível, temos de perguntar: mas qual é o objectivo? 
Um exemplo. Dizem-nos e repetem-nos: o Estado Social não é tecnicamente/economicamente possível. A pergunta que devemos fazer é: mas qual é o objectivo? Se o objectivo for unicamente preservar o Estado Social, não há nenhuma dúvida de que esse objectivo é tecnicamente/economicamente possível, não há nenhum impedimento para que não o seja. Todavia, se o verdadeiro objectivo for preservar o Estado mantendo o statu quo, isto é, se o objectivo for preservar o Estado Social mantendo intactas as regras do sistema económico e financeiro, então, tecnicamente/economicamente isso já não será possível. Por conseguinte, depende do objectivo aquilo que é ou que não é tecnicamente possível. 
No primeiro caso, o objectivo é preservar o Estado Social. No segundo caso, a preservação do Estado Social já não o objectivo, é apenas um objectivo e é um objectivo menor, pois está dependente de um objectivo maior: manter intactas as regras do sistema económico e financeiro.
O objectivo é, pois, o que faz a diferença. O problema é que aqueles que usam e abusam do tecnicamente como argumento fazem-no escondendo os seus verdadeiros objectivos.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Acerca da crise e da corrupção (4)

Excertos do livro, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, de Paulo Morais:
«A classe política dirigente, complacente com os corruptos, não hesita em martirizar as vítimas da corrupção. Porque, apesar da corrupção ser crescente, não se tomam quaisquer medidas no sentido de a combater de facto. Aliás, de forma hipócrita, o combate à corrupção tem sido uma promessa de todos os políticos. Um compromisso que nunca passou da teoria à prática. Têm sido muitas as experiências, mas as consequências, essas são nulas.
A primeira experiência neste regime foi a famosa Alta Autoridade Contra a Corrupção. Os resultados da sua acção ainda hoje, passados trinta anos, não se conhecem. Daí para a frente, foi sempre a piorar.  Nos últimos anos, então, surgiram [...] organismos inúteis e risíveis.
Um deles, felizmente já extinto, foi a Comissão Parlamentar Eventual de Combate à corrupção, criada na última legislatura de Sócrates. Era constituída por deputados ligados à Banca, à promoção imobiliária e a outros negócios, sectores interessados em tudo menos no combate a essa praga. Foi presidida por Vera Jardim que, na sua qualidade de presidente do Banco Bilbao Vizcaya e duma leasing imobiliária, representava os sectores mais permeáveis à corrupção: a finança e a construção civil; já para não falar do seu vice-presidente, Lobo de Ávila, depois promovido a membro do governo com Passos Coelho, que pertencia aos órgãos sociais das empresas do poderoso Miguel Pais do Amaral. Entre outros... A comissão nem fez comichão; deu um pequeno ar de sua graça e esfumou-se, deixando a corrupção no lugar central que sempre ocupou na política portuguesa.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva. 

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domingo, 7 de julho de 2013

Pensamentos

«Nunca confie no homem que tem motivos para suspeitar de que você sabe que ele lhe fez mal.»
Henry Fielding 
«Promessas e bons conselhos são óptimos presentes, que todos podemos comprar para oferecer a um pobrezinho.»
Ambrose Bierce
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora

sábado, 6 de julho de 2013

É aceitável?

Independentemente de gostos e de filiações partidárias, há uma pergunta que todos temos de fazer: é aceitável?
A sucessão dos inenarráveis acontecimentos políticos a que fomos assistindo durante esta semana é aceitável? É aceitável que as mais altas figuras do Estado se comportem como se comportaram e como se desenha que venham a comportar-se? É aceitável que se engendrem as maiores patifarias políticas, que se brinque com a vida dos portugueses e que tudo termine como se nada tivesse sucedido?
Chegámos a um ponto em que não são apenas as políticas praticadas que repugnam — pelas injustiças que provocam e pelo empobrecimento que geram — são também os protagonistas dessas políticas que repugnam. Repugnam porque o seu comportamento enxovalha a República e a Democracia e acima de tudo enxovalha as pessoas que supostamente representam.
Reclamar por eleições antecipadas já não é somente uma reivindicação política é um imperativo de decência.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Quinta da música - Vincenzo Bellini

De brincadeira em brincadeira

Entre várias coisas, há duas que me deixam perplexo: a capacidade que os principais protagonistas da nossa elite política têm para brincar com a vida dos outros e o ar sério e grave com que o fazem.
Portas e Passos, por esta ordem, ocupam os lugares cimeiros deste ranking. Por motivos diferentes, ambos brincam com a vida dos portugueses e ambos fazem questão de se apresentarem ao público como possuidores da mais elevada seriedade e gravidade.
Passos brinca com a nossa vida porque sabendo que nunca esteve, e sabendo que continua a não estar, preparado para governar um país, muito menos um país nas condições do nosso, candidatou-se ao cargo e pretende perpetuar-se nele. Passos brinca com a nossa vida porque sabendo que nos mentiu depravadamente, sabendo que está a governar precisamente ao contrário do compromisso que assumiu com os eleitores, mantém-se provocatoriamente em funções. Todavia, brincando como brinca com a vida dos portugueses, Passos consegue apresentar-se publicamente com uma facies carrancuda e grave, como se fossemos nós que estivéssemos em dívida para com ele.
Mas Portas, neste domínio, ultrapassa Passos. Na desgraçadamente longa vida política que leva, Portas já disse tudo e o seu contrário, já fez tudo e o seu contrário, já mentiu desalmadamente a tudo e a todos, em particular, aos contribuintes, pensionistas e reformados... Já deu estonteantes cambalhotas ideológicas, estratégicas e tácticas, já jurou inúmeras fidelidades (dentro e fora do partido) — todas elas atraiçoadas — foi, é e provavelmente continuará a ser o campeão da verbe demagógica e falaciosa. Todavia, por maior que seja a pirueta, por mais descarada que seja a traição, a gravidade do seu semblante é insuperável, em todas as situações. É visível para (quase) todos que se trata de uma gravidade encenada, treinada, artificial, contudo, eficaz, para os indefectíveis seguidores. Portas, quando era «jornalista», brincava com os leitores; quando era adjunto de Monteiro, brincava com os militantes do PP; quando era somente líder partidário, brincava com os seus eleitores; desde que é governante de Portugal, brinca com a vida de todos os portugueses.

Agora, os dois juntos decidiram brincar às demissões, aos comunicados, às tomadas de posse, ao faz e desfaz governos. Para estes dois, governar o país tornou-se uma imensa brincadeira, ainda que envolta sempre num ar de seriedade e gravidade. 
A esta brincadeira generalizada, juntou-se um terceiro protagonista, Cavaco Silva, que com ela colabora. Os três brincam e deleitam-se, mas esta brincadeira tem de terminar. Estas três figuras têm de ir brincar para outro sítio.

terça-feira, 2 de julho de 2013

O retrato de uma elite de lixo

Quando as agências de rating classificaram a nossa dívida soberana de lixo, deveriam tê-lo feito, não em relação à dívida mas em relação às elites que, nas últimas décadas, têm dominado política e economicamente o país. As nossas elites são lixo genuíno.
O comportamento público que alguns dos protagonistas destas elites têm tido nos últimos dias e horas fez do inimaginável realidade. O léxico português é pobre para classificar apropriadamente os seus comportamentos. Num dia, demite-se um ministro, que, de modo inovador, torna pública a carta da demissão. Nela, faz uma aparente auto-crítica e concretiza uma vingança: diz que o líder não é líder e o governo não é governo. No mesmo dia, o primeiro-ministro nomeia novo ministro das Finanças, no caso, uma ministra. O líder do outro partido da coligação, durante esse dia, não se pronuncia sobre o assunto, nem publicamente nem privadamente, como o poderia e deveria ter feito na reunião do conselho nacional do seu partido. No dia seguinte, a poucas horas da tomada de posse da nova ministra, faz sair um comunicado, dizendo que se demite do governo e que tinha avisado o chefe do executivo da sua discordância quanto àquela nomeação. Diz que a demissão é irrevogável. O presidente da República é avisado quase em cima da cerimónia da tomada de posse. A ministra toma posse. Os secretários de estado também, de entre os quais, um que é membro do partido cujo líder se havia demitido horas antes. Apesar desta demissão ter sido anunciada como irrevogável, o chefe do governo vai à televisão dizer que não só ficou surpreendido com a mesma como anuncia que não a aceita e que quer esclarecimentos.
Não acredito que comportamentos como estes tenham paralelo em mais algum país da Europa. Paulatinamente, as nossa elites estão a dar cabo do país. Não parece que haja mais do que duas hipóteses: ou mudamos radicalmente de protagonistas ou mudamos de país.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Uma colossal demissão

Três notas e um pressentimento sobre a colossal demissão do ministro das Finanças.
Notas:
1. O governo perdeu o seu esteio. A contagem decrescente para o dia da demissão de Passos Coelho acelerou. É uma boa notícia para o país.
2. Segundo os comentantes das televisões, os professores deram um contributo decisivo para a demissão de Vítor Gaspar. Enquanto docente, fico grato pela generosidade do elogio.
3. A carta de demissão do ministro é um documento politicamente extraordinário. No mínimo, por quatro razões:
i) é a primeira vez que um ministro tem a humildade de afirmar que se demite porque cometeu falhas graves e que por esse motivo perdeu credibilidade, não gera confiança e é factor de instabilidade dentro do governo;
ii) segundo se sabe, foi o próprio ministro que tornou pública a carta de demissão, o que reforça a ideia de humildade mas também de coragem para assumir publicamente a responsabilidade que lhe cabe;
iii) simultaneamente, o conteúdo da carta revela, de modo sibilino, que não existe nenhuma liderança nem a mínima coesão no governo;
iv) o que Vítor Gaspar dá com uma mão — manifestação de humildade e capacidade de assumir as consequências dos seus erros — retira com a outra — atraiçoa o chefe, sem dó e sem piedade. É esta a qualidade da elite política que temos.
Pressentimento:
Agora que o governo já é quase cadáver, os socratistas do PS vão perder o pouco pudor que lhes restava e vão tentar tomar conta de todas as primeiras filas e de todos os palcos. Este é outro sinal da qualidade da elite política que temos.

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