quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um imenso inconsciente

A psicanálise revelou-nos a existência do inconsciente, no nosso psiquismo, e disse-nos que ele é irracional, que se rege pelo princípio da busca imediata do prazer, que é amoral, entre várias outras características — todas elas tidas como não muito abonatórias da espécie humana. No fundo, o nosso inconsciente será, dizia Freud, como um caldeirão em permanente efervescência na procura da satisfação rápida dos mais recônditos desejos, sem querer saber da realidade nem dos seus constrangimentos para nada. Por outras palavras e simplificando, o nosso inconsciente tem horror ao sofrimento e dana-se por uns bons momentos de loucura.
Freud descobriu isto e fê-lo sem ter podido conhecer as nossas actuais elites políticas, empresariais e jornalísticas — o que lhe reforça o mérito. Na verdade, se Freud andasse por cá nos últimos anos teria podido ver um imenso inconsciente a dirigir o país e como ele — inconsciente — prima a sua acção pela consecução obsessiva do prazer instantâneo: a construção de obras megalómanas (desde a construção desvairada de estádios de futebol até ao enxamear o país de auto-estradas); os gastos astronómicos em parcerias; os negócios de renda garantida sob protecção estatal; a busca, sem olhar a meios, do lucro imediato, etc., etc.
Ao desvario político e empresarial juntou-se depois uma outra forma de manifestação do inconsciente: a irracionalidade, neste caso, a irracionalidade jornalística, que, já há algum tempo, tem sido conivente e  suporte daquele desvario. Hoje deparei-me com mais um exemplo disso.
Quando foi anunciado pelo Instituto Nacional de Estatística que a recessão em Portugal, no último trimestre, continuava a aumentar, mas que não tinha sido tão grave como as piores previsões apontavam, logo um coro de hossanas jornalísticas vieram a público. Hoje, na TSF, António Perez Metelo foi provavelmente o melhor internúncio dessa irracionalidade inconsciente. Há já algum tempo que  optei por deixar de ouvir este jornalista/comentador económico, mas esta manhã ele entrou-me sem convite no carro e de um só fôlego desenvolveu um entusiasmado pensamento. Disse: «Estes dados mostram que o porta-aviões da nossa economia iniciou a mudança de rota. Nos próximos tempos a queda da economia chegará a zero e voltaremos ao crescimento económico. Se não for o cisne negro da Grécia a estragar tudo, muito em breve estaremos em crescimento.» E acrescentou: «Os resultados dos nosso esforço colectivo são admiráveis. Isto deveria ser estudado por sociólogos. Os portugueses perante as dificuldades adaptam-se de uma forma verdadeiramente invulgar. Não há muitos povos no mundo que o façam. Os resultados dos nossos esforços vão causar a admiração de todos.»
Foi depois de ter ouvido estas afirmações que me recordei de Freud, da psicanálise, do inconsciente, da irracionalidade, do desligamento da realidade. Foi depois de ter ouvido estas afirmações que me recordei também do tempo em que Perez Metelo, na mesma rádio, dirigia rasgados elogios à política económica dos governos de Sócrates, em que via sinais favoráveis em tudo que era dado económico, mesmo nos momentos de manifesto estertor. Foi depois de ter ouvido isto que pensei no famoso divã de Freud e de como seria desejável que algumas das nossas figuras mediáticas nele se pudessem deitar.