sábado, 26 de maio de 2012

Ao sábado: momento quase filosófico

Uma história zen.

Num mosteiro japonês, no fim da Idade Média, vivia um velho monge que inspirava aos jovens monges uma espécie de terror respeitoso, pois nada parecia capaz de perturbar a sua serenidade. Se bem que estivesse sempre a repetir que não há nada de mal numa emoção — fosse ela qual fosse, desde que não nos deixássemos arrastar por ela —, mantinha-se calmo e inalterável. Ninguém conseguia irritá-lo, atemorizá-lo, nem inquietá-lo.
Uma madrugada de Inverno em que a noite ainda escurecia todos os corredores do mosteiro, os jovens monges juntaram-se silenciosamente no escuro. Nesse dia, de manhã cedo, o velho monge devia cumprir o ritual de levar a taça de chá até ao altar. 
Quando chegou o momento da sua passagem, os jovens monges saltaram bruscamente do escuro, como fantasmas, a urrar.
O ancião prosseguiu tranquilamente o seu caminho sem um passo em falso, sem um sobressalto. Um pouco mais longe, no corredor, encontrava-se uma pequena mesa. Pousou suavemente a taça de chá, cobriu-a com um bocado de seda para que não caíssem poeiras.
Depois apoiou-se numa parede e soltou um enorme grito de pavor.
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema (adaptado).