sábado, 5 de maio de 2012

Ao sábado: momento quase filosófico

Uma história indiana fala das relações entre a santidade e a luxúria.

Um eremita tinha-se retirado para a floresta e, como mandava o costume, só comia ervas e alguns frutos, esforçando-se por avançar todos os dias na senda espinhosa da santidade.
Na pequena cidade vizinha morava uma prostituta que vivia, desde a mais precoce juventude, do comércio com os homens. O santo eremita ia vê-la muitas vezes e reprovava-lhe a sua vida depravada. Mas ela respondia-lhe que nunca tinha conhecido outra vida e que, por mais que isso a entristecesse, não podia mudar.
O eremita e a prostituta morreram no mesmo dia. Para espanto do santo homem, os demónios vieram buscá-lo, enquanto os mensageiros celestes levavam a mulher para o paraíso.
— Mas porque tenho eu de ir para o inferno — queixou-se o eremita — ao passo que esta debochada vai conhecer o céu e ver os deuses?
Uma voz respondeu-lhe:
— Porque ela nunca gostou da vida que levou, ao passo que tu amaste a tua. O seu coração manteve-se puro, ao passo que tu, deixaste-te invadir pelo desejo e pela vaidade. Contemplando os pecados alheios e comparando-os com a tua vida, que crias santa, tornaste-te impuro. A verdadeira prostituta és tu.
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Teorema.