terça-feira, 17 de abril de 2012

Nacos

54
As vidas dos outros não nos comovem, pensa Bloom. A tua
vida é uma equação que não consigo resolver
porque não te amo. E também o oposto:
não consigo resolver a tua vida porque
não te odeio.
Mas estando o ar exagerado e quente, como se alguém
tivesse esquecido esse dia tempo de mais no forno,
eis que a simpatia dos homens apareceu.

55
Ofereceram a Bloom descanso, frutas e água.
E como explicando tudo a um imbecil
estrangeiro, disseram, apontando para cada coisa a seu
tempo: a água é líquida, a fruta sólida e esta cama
que te oferecemos estará no estado em que estiverem 
os teus sonhos.
Em princípio — continuaram — o bom descanso pertence a um estado volátil,
mas a qualidade do sono é que decidirá.
Muito bem, disse Bloom.

64
Bloom disse que de Lisboa partira
e em viagem estava para a Índia. No outro lado do mundo
procurava uma alegria nova
ou, se possível, várias. Alegria que misturasse prazeres
de animal doméstico alimentado em prato
com os de animal selvagem e bruto que se alimenta
dos ataques imprevistos que na floresta faz às vítimas
mais fracas. Um tédio surpreendente,
eis o que Bloom procurava. Como o encontrar?
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à India, Caminho