segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Comentário de segunda: um mau e um bom exemplo

1. Soube-se ontem que José Lello, deputado do PS, há vários mandatos, e ex-governante, não declarou ao Tribunal Constitucional, como era sua obrigação legal, uma conta bancária sua no valor de 658 mil euros. Perante a descoberta desta grave omissão, Lello desculpou-se com a sua (alegada) ignorância relativamente ao conteúdo da lei.
Ao longo dos muitos (demasiados) anos em que tem tido (inexplicável) protagonismo, Lello tem sido um exemplo do que não deve ser um político: cultiva persistentemente a má-educação, utiliza recorrentemente uma linguagem de carroceiro, exala arrogância quando intervém, revela má preparação dos assuntos que tinha obrigação de conhecer, faz da política um espectáculo, é insidioso para com os colegas do seu próprio partido, quando estes não pertencem à linha dominante e, acima de tudo, manifesta um dom que nenhum político deveria ter, o dom de sobreviver a todas as lideranças e a quase todas aderir com a mesma convicção... A este rol de «qualidades», Lello acrescentou agora a derradeira «virtude»: a de não cumprir a lei e de justificar esse incumprimento de um modo insultuoso para com a inteligência dos portugueses. Sem pudor, Lello certamente que continuará por mais alguns (longos) anos, com a mesma alegria e a mesma irresponsabilidade, a contribuir para a descredibilização da política portuguesa.

2. Ainda não tinha reparado a sério na deputada Isabel Moreira, eleita como independente pelo PS. Agora pude conhecê-la melhor, através de uma entrevista dada ao Expresso, de sábado último. Gostei de quase tudo o que li, nessa entrevista. E Isabel Moreira tinha, para mim, um handicap terrível: ela foi convidada por Sócrates para ser candidata pelo PS às últimas eleições e... aceitou. Ser convidado por Sócrates é, em si mesmo, um mau sinal, aceitar um convite de Sócrates é, para mim, um péssimo indício e um acto totalmente incompreensível — incompreensível em relação a quem, como parece ser o caso de Isabel Moreira, pretende ter uma postura séria na política. Mas adiante.
Isabel Moreira foi quem tomou a iniciativa de recolher as assinaturas necessárias, entre os deputados da Assembleia da República, para requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva da constitucionalidade de algumas normas (duas) do Orçamento de Estado de 2012. Tomou esta iniciativa contra a vontade da direcção da bancada parlamentar do PS e do próprio Seguro. É a ela a quem se deve, pois, o cumprimento daquilo que deveria ter sido entendido por todos os deputados da oposição como um imperativo político e ético:  submeter a julgamento constitucional as normas orçamentais que manifestamente violam o princípio da proporcionalidade, da igualdade, do direito à retribuição e à segurança social. O que Isabel Moreira diz é lapidar: «Não tendo o PR feito nada, na sua inconsequência habitual, como é que eu, com o poder que tenho, levantaria a cabeça se não o fizesse? É um dever moral. E as normas não dizem respeito às imposições da troika, dizem respeito a escolhas de um Governo selvagem do ponto de vista social.»
Esperemos que a nódoa socratina que Isabel Moreira transporta possa ser progressivamente apagada com mais comportamentos políticos idênticos a este.