segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Comentário de segunda

1. Cavaco Silva, Passos Coelho, ministros, vários deputados e múltiplos comentadores continuam a insistir na ideia de que nos devemos mostrar radicalmente diferentes dos gregos, para depois sermos recompensados por bom comportamento. 
Simultaneamente, as mesmas vozes também dizem que o problema das dívidas soberanas não é um problema deste ou daquele país, mas de toda a União Europeia, e, desta forma, só uma resposta de âmbito europeu poderá ultrapassar a grave situação que estamos a viver.
Para além da manifesta grosseria política, que é pretender marginalizar a Grécia, e da objectiva falta de solidariedade, que essa atitude revela (solidariedade que curiosamente reclamamos dos outros para connosco), há, nos dois discursos, uma descarada incoerência: porque, se o problema é europeu, então, necessariamente todos somos gregos; se o problema é só grego, então, já não é europeu. Não se pode querer jogar em dois tabuleiros que se contradizem. Mas este comportamento dúbio, servil e interesseiro é o comportamento típico dos políticos portugueses. E, neste matéria, Passos Coelho é modelar, para nosso desconforto e para nosso prejuízo.

2. As domésticas encenações políticas impressionam pelo amadorismo que evidenciam. O episódio, agora em desenvolvimento, à volta da supressão, em 2012 e 2013, dos dois subsídios dos profissionais do Estado e dos pensionista é o mais recente exemplo disso. Aquilo que até há pouco tempo era uma absoluta necessidade sem alternativa — ou, mais precisamente, cuja única alternativa era despedir 50 a 100 mil funcionários públicos — passou a ser algo que já pode ser repensado, apenas porque o líder do PS (a troco de nada, segundo as palavras do próprio) pediu que o fosse — recorde-se que, há dias, quando Cavaco Silva mostrou discordância com a medida, Passos reafirmou que os subsídios tinham mesmo de ser cortados e que não havia outro modo de conseguirmos cumprir os compromissos com os nossos credores.
Estes momentos de magia política surpreendem duplamente: primeiro, pelo seu carácter fúfio; segundo, porque, os protagonistas parecem convencidos sobre a eficácia da prestidigitação. O processo mágico consiste no seguinte: apesar da gravidade do momento, todos deverão sentir-se satisfeitos, porque todos ficam a ganhar. O Governo, porque mostra o seu lado compreensivo (em lugar de tirar dois subsídios mostra-se disponível para tirar apenas um); o PS, porque consegue que o Governo recue e, assim, por sua iniciativa é amenizado o sofrimento dos funcionários públicos e pensionistas; e estes, por fim, deverão sentir-se gratos pela compreensão governamental e pela solidariedade e iniciativa dos socialistas.
Ou seja, os trabalhadores do Estado terão:
a) em 2012, e pelo segundo ano consecutivo, não apenas as carreiras e os salários congelados, como, grande parte deles, menos 5 a 10% do vencimento mensal;
b) ainda em 2011, a redução, em quase metade, do subsídio de Natal;
c) em 2012 e 2013, carreiras e salários congelados, menos 5 a 10% dos vencimentos e menos um dos subsídios (se se concretizar a encenação); e, mesmo assim, deverão ficar agradecidos ao Governo e ao PS.
Os nossos políticos são verdadeiros mágicos.