sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

TEMPO PARA ALGO DIFERENTE

«Por muito tedioso que o ennui [tédio extremo] possa ser, não estamos preparados para rejeitar a perspectiva de um número infinito de experiências, apesar de elas poderem ser muito repetitivas. Isso continua-nos a parecer muito melhor do que a cessação eterna de todas as experiências. 
Para uma solução radical deste desejo eterno de mais experiência, voltamo-nos para o polímato vienense-australiano contemporâneo Manfred Clynes, que é conhecido por juntar pessoalmente várias vidas numa só: deixou a sua marca como neurofisiologista, inventor e pianista de concerto. Por isso deixemos Manfred engendrar uma estratégia para prolongar indefinidamente a vida sem acrescentarmos "tempo de relógio" à nossa existência.
Clynes propõe que aumentemos a vida não pela adição de segundos ao fim, mas acelerando a nossa consciência do tempo, de modo a que cada segundo contenha muito mais "momentos". Ele informa que os computadores têm uma determinada "taxa de tiquetaque", a velocidade a que processam informação, e que em teoria essa taxa pode ser aumentada indefinidamente, de tal modo que um dia também nós consigamos ter: 
"uma consciência de tempo expandida, uma adaptação que optimize o rendimento através do recurso à nanotecnologia ou à picotecnologia; o pensamento poderia ser cerca de 10 mil vezes mais rápido do que estamos acostumados. O que aconteceria então? Um ano duraria 10 mil anos. As estações do ano não mudariam durante 2500 anos. O envelhecimento tal como o conhecemos seria eliminado."
Isto leva-nos a pensar como seria a experiência de viver nesta faixa super-rápida. Seria meramente como o tipo que tirou um curso de leitura rápida e comentou: " Li o Moby Dick todo em 25 minutos! É sobre uma baleia." 
Ou o prazer que sentimos com [a leitura de um] livro também aceleraria, doutor C.? E que é que isso significaria ao certo? [...] E onde é que o sentido se encaixa [nesta] visão?

Na peça de 10 minutos de David Ives, O Tempo Voa, Horace e May, duas moscas-de-maio, apaixonam-se loucamente à primeira vista. ("Eu só nasci esta manhã." "Eu também.") No primeiro encontro vêem um programa sobre natureza e descobrem que só vivem um dia: metade das suas vidas já foi vivida! Passados alguns instantes de confusão e pânico, decidem aproveitar ao máximo o que lhes resta e voam até Paris, onde antecipam um momento elegante, um final feliz, por assim dizer.
Horace e May conseguiram encontrar um sentido nas suas vidas muito curtas, apesar — ou talvez por causa — da consciência do fim. As suas vidas teriam sido mais ricas com a ajuda da vida acelerada? E se tivessem podido visitar Londres e Paris no mesmo tempo? E que tal Londres, Paris e o Rio? Está bem, acrescentamos Las Vegas, é a nossa última oferta, e esperemos que o concerto da Céline Dion não esteja esgotado.
Ou pensemos num monge budista que passa 90 por cento das horas em que está acordado sentado na posição de lótus a esvaziar a mente de todos os pensamentos excepto um: comungar com a unidade do cosmos. Este tipo não tem uma grande variedade de experiências. Isto signigica que está a ter uma vida da treta?
Clynes apresenta nada mais nada menos do que a questão fenomenológica eterna da relatividade do tempo vivido. Um minuto da vida de um homem (ou de uma tartaruga) é um mês da vida de outro homem (ou de uma tartaruga), por isso qual deles está a viver a vida mais rica?
Umas tartarugas foram fazer um piquenique. Demoraram 10 dias a chegar ao seu destino e quando chegaram aperceberam-se de que se tinham esquecido do abre cápsulas, por isso disseram à mais pequena para ir buscá-lo.
— Não vou — disse a tartaruga —, porque quando eu me for embora vocês vão comer as sanduíches.
As outras prometeram-lhe que não comeriam nada e ela partiu. Passaram 10 dias, 20 dias, 30 dias. Por fim, estavam tão esfomeadas que decidiram comer as sanduíches. Quando deram a primeira dentada, a tartaruga pequena saiu de trás de uma pedra e disse:
— Estão a ver? É por isso que eu não vou.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp. 224-227.