quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

No intervalo dos bacalhaus

No intervalo dos bacalhaus, dos perus, das aletrias, das conversas e das preguiças (e também do trabalho...) folheiam-se livros oferecidos, ouve-se música e põe-se em dia a leitura de jornais e revistas. Nesta considerável pilha de folhas de papel de imprensa (que ao longo destes dias me olhava e em silêncio me questionava: «Então, quando é que te dedicas a mim?») verifico que a tendência para se engalanar as notícias, as entrevistas e as reportagens com fotografias de cada vez maior dimensão virou, actualmente, forma consolidada de fazer jornalismo. Os textos minguam e as imagens crescem. 
Se se tratar apenas de uma moda, o problema fica resolvido, daqui a algum tempo (ainda que dando muito má nota desta geração de jornalistas que produz esta pretensa «informação visual» — a verdade é que, de quase todos os pontos de vista, é falsa a asserção que diz que «uma imagem vale mil palavras»); mas se não for apenas uma fase passageira, se se pretender mesmo substituir a palavra pela foto, então, começa a formar-se uma «imagem» negra sobre o futuro da informação e do exercício reflexivo e crítico que a deve acompanhar.
Vem isto a propósito de uma constatação que, sinceramente, já nem sei se é surpreendente: verifico que emergiu, não há muito tempo, uma classe de indivíduos (não me refiro àquela das revistas de mexericos) que, quando entrevistada, parece fazer questão de ser fotografada em pose. Agora, parece não haver gestor, banqueiro, engenheiro ou empresário dito de sucesso que, por vontade própria ou sugestão alheia, não se plante em frente da câmara fotográfica em posição pretensamente agressiva, pretensamente viril, quase de cowboy. Olham para a câmara com altivez, atiram o corpo para a frente, fazem um olhar desafiante e, presumo eu, julgam revelar, deste modo, a sua verdadeira natureza de vencedores, de homens dinâmicos que enfrentam os desafios do presente e do futuro como o forcado enfrenta o touro.
Depois da época do cabelo empastelado de gel, depois da fase da barba de três dias, estamos, parece-me, a viver o momento cowboy dos designados homens de sucesso. Estes homens são aqueles que, invariavelmente, são designados por «homens dos números», aqueles que trabalham para os resultados, aqueles que atingem os objectivos. Aqueles que nos são apresentados como arquétipos, a quem devemos estar gratos pelos resultados que alcançam, curiosamente, para eles próprios.
É claro que nesta época festiva, em que todos damos as mãos e retiramos da naftalina os nossos melhores e mais puros sentimentos, não serei eu a questionar, desagradavelmente, o valor dos «homens dos números» e das suas inúmeras qualidades. Mas o que julgo já me ser permitido fazer, sem ferir sentimentos natalícios, é mostrar a minha perplexidade pela representação mental que estes homens constroem acerca de si próprios e que os faz sentir a necessidade de se apresentarem ao público como o toureiro se apresenta na praça.
E o pior é que, provavelmente, tudo isto acontece como consequência de um superavit de números e de imagens e de um défice de palavra e de reflexão.