sábado, 20 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

No teu Céu ou no meu?

«Um critério a ter em conta quando se escolhe uma religião é onde decorre a vida depois da morte. Pensemos na Terra Pura budista.[...] No "Sutra da Visualização", O Buda ensina-nos a conseguir uma visão das terras do Buda. Em transe, podemos visualizar as árvores gigantes enfeitadas com flores e folhas feitas com sete tipos de pedras preciosas. As que são feitas de lápis-lazúli emitem uma luz dourada; as flores de cristal-de-rocha libertam uma luz carmesim; as folhas cor de esmeralda têm uma luz safira; as folhas cor de safira emitem uma luz verde-pérola. É como estar condenado ao prisma. Redes de pérolas cobrem as árvores. Entre as redes há cinco mil milhões de palácios de flores e dentro de cada palácio de flores vivem crianças celestiais que usam ornamentos dos cinco mil milhões de jóias que realizam desejos. [...]
O paraíso muçulmano é igualmente exótico. Segundo o Alcorão, aqueles que o alcançam ficarão "reclinados em sofás de pedras preciosas de frente uns para os outros e serão servidos por jovens imortais com taças e jarros de água e um copo do mais puro vinho; ser-lhes-ão servidos frutos que eles escolherão e carne de aves que eles adoram. E possuirão as ninfas de olhos escuros, castas como pérolas escondidas: uma recompensa pelos seus actos... Nós criámos as ninfas e fizemo-las virgens e companheiras amorosas para os que praticam boas acções"... [...]
No hinduísmo, por exemplo, nenhuma das muitas partes do Céu em camadas múltiplas é o "Paraíso". As muitas camadas são apenas níveis cada vez mais refinados de purgatório pelos quais passamos de acordo com o que é determinado pelo nosso carma — a caminho do verdadeiro objectivo, a transcendência de toda a existência.
Em contraste, Confúcio recusou-se terminantemente a especular sobre o Céu, apesar de o aceitar como a residência dos veneráveis antepassados. Sob outros aspectos, pensava que o Céu era uma distracção da sua ética prática das relações correctas.
[Uma outra perspectiva do Céu é esta:]
Al e Betty tinham 83 anos eram casados há 60. Apesar de estarem muito longe de ser ricos conseguiam viver com algum desafogo. A saúde ambos era óptima, em grande medida graças à insistência de Betty numa dieta saudável.
Quando iam para o sexagésimo quinto encontro do liceu, o avião despenhou-se e eles foram para o Céu. Nas Portas do Paraíso, São Pedro escoltou-os para uma linda mansão mobilada com ouro e sedas preciosas, com uma cozinha completamente abastecida e uma queda de água na casa de banho principal. Uma criada estava a pendurar as suas roupas preferidas no roupeiro. Ficaram boquiabertos quando São Pedro disse:
— Bem-vindos ao Céu. A partir de agora esta será a vossa casa. É a vossa recompensa.
Al espreitou pela janela e viu um campo de golfe mais belo do que todos os que já tinha visto. São Pedro levou-os para a sede do clube, onde eles viram um almoço sumptuoso, com todas as iguarias imagináveis à sua disposição, desde lagosta termidor até bife do lombo e sobremesas cremosas. Al olhou nervosamente para Betty e depois voltou-se para o anfitrião.
— Onde estão os alimentos com baixo teor de gordura e colesterol? — perguntou.
— Essa é a melhor parte — replicou São Pedro. Podem comer tudo o que quiserem na quantidade que quiserem e nunca engordarão nem ficarão doentes. Estão no Céu!
— Não vou testar os níveis de açúcar no sangue nem medir a tensão arterial? — continuou Al.
— Nunca mais — respondeu São Pedro. — A única coisa que têm de fazer aqui é divertir-se.
Al olhou furiosamente para Betty e resmungou:
—Tu e os teus estúpidos flocos de aveia! Já podíamos estar aqui há dez anos!»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.148-154