sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fragmenti veneris diei

«Fate não faltou ao encontro. Aguardavam-no três membros da Irmandade e uma furgoneta preta. Mudaram-se para uma cave perto de Baychester. Aí esperava-os o tipo gordo da cabeça rapada. Disse que se chamava Khalil. Os outros não disseram os seus nomes. Khalil falou da Guerra Santa. Explica-me o que raio quer dizer Guerra Santa, pediu Fate. A Guerra Santa fala de nós quando as nossas línguas tiverem secado, disse Khalil. A Guerra Santa é palavra dos mudos, dos que perderam a voz, dos que nunca souberam falar. Porque é que vocês se manifestam contra Israel?, perguntou Fate. Os judeus oprimem-nos, disse Khalil. Nunca, em tempo algum, um judeu pertenceu ao Ku Klux Klan, disse Fate. Isso era o que os judeus pretendiam fazer-nos acreditar. Na realidade, o Klan está em todo o lado. Em Telavive, em Londres, em Washington. Muitos chefes do Klan são judeus, disse Khalil. Sempre foi assim. Hollywood está cheio de chefes do Klan. Quem são?, quis saber Fate. Khalil avisou que aquilo que diria a partir daquele momento seria off the record.
— Os magnatas judeus têm bons advogados judeus — disse ele.
Quem são?, insistiu Fate. Nomeou três realizadores de cinema e dois actores. Depois teve uma inspiração. Perguntou: Woody Allen é do Klan? É, confirmou Khalil, repara nos filmes dele, já viste lá algum mano? Não, não vi muitos, disse Fate. Nenhum, disse Khalil. Porque é que vocês levavam um cartaz de Bin Laden?, perguntou Fate. Porque Osama Bin Laden foi o primeiro a aperceber-se da natureza da luta actual. Depois falaram da inocência de Bin Laden, de Pearl Harbor e de como tinha sido conveniente o ataque contra as Torres Gémeas para certa gente. Gente que trabalha na bolsa, disse Khalil, gente que tinha papéis comprometedores guardados nos escritórios, gente que vende armas e que precisava de um acto assim. Segundo vocês, disse Fate, Mohamed Atta era um infiltrado da CIA ou do FBI. Onde estão os restos de Mohamed Atta?, perguntou-lhe Khalil. Quem é que pode garantir que Mohamed Atta ia num daqueles aviões? Digo-te o que é que eu acho. Acho que Atta está morto. Morreu nas mãos deles enquanto o torturavam ou lhe deram um tiro na nuca. Acho que depois esquartejaram o seu corpo em bocadinhos pequenos e moeram os ossos até os deixarem como os restos de um frango. Acho que depois meteram os ossinhos e os bifes numa caixa, encheram-na de cimento e deixaram-na num pântano qualquer da Florida. E fizeram o mesmo com os companheiros de Mohamed Atta.
Então quem é que pilotava os aviões? — perguntou Fate. Loucos do Klan, pacientes sem nome de hospitais psiquiátricos do Médio Oriente, voluntários hipnotizados para enfrentarem o suicídio. Neste país desaparecem milhares de pessoas todos os anos e ninguém tenta encontrá-las. Depois falaram dos romanos e do circo e dos primeiros cristãos que os leões comiam. Mas os leões vão engasgar-se com a nossa carne preta, disse ele.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 340-341.