sexta-feira, 9 de abril de 2010

Crise, salários, prémios, economistas e gestores

É sempre com grande interesse que oiço muitos dos nossos economistas e gestores dissertarem sobre as receitas para a superação da crise. Desta, da anterior a esta, da anterior à anterior a esta e, no fundo, de uma qualquer, porque a receita é invariavelmente a mesma. É um regalo para o ouvido estar atento ao conteúdo do discurso destes homens e destas mulheres que dominam o mundo da economia e da gestão. E o meu interesse aumenta à medida que as soluções são enunciadas. Já todos as conhecemos, mas é sempre uma emoção ouvi-las, como se da primeira vez se tratasse: cortar nas despesas do Estado, baixar os impostos e privatizar.
Oiço dizer que devem ser privatizadas as empresas públicas que, curiosamente, dão lucro (e também algumas que não dão, mas que rapidamente nas mãos dos privados passariam a dar já que seriam destituídas das suas obrigações sociais).
Oiço dizer que os impostos devem baixar, ainda que não tenha compreendido como é que, vendendo as empresas públicas que dão lucro e baixando os impostos, o Estado obtém receitas para pagar a sua enorme dívida.
Oiço dizer que as despesas do Estado reduzem-se drasticamente se diminuírem as verbas destinadas ao pagamento dos salários dos funcionários públicos. A descoberta em si não é brilhante — se não se paga ao trabalhador é óbvio que a despesa diminui — o que é brilhante é o que vem a seguir. As verbas destinadas ao pagamento dos vencimentos diminuem de que modo? As soluções são várias e interessantes:
1. Congelam-se os salários por tempo indeterminado;
2. Diminuem-se os salários em 10%;
3. Acaba-se com o 14.º mês;
4. Impõe-se a regra do 3 ou do 5 para 1 (por cada 3 ou 5 funcionários que vão para a reforma, só entra 1).
Estas ideias propostas por muitos dos nossos mais brilhantes economistas e gestores adquirem um valor acrescido e um brilhantismo inultrapassável quando temos conhecimento das suas reacções à proposta de cortes ou de congelamento dos prémios que anualmente recebem. As sua vozes elevam-se e reclamam que são propostas demagógicas, que são propostas populistas, que são propostas injustas, que são propostas absolutamente inaceitáveis. (Note-se que estamos a falar apenas de prémios, não de salários).
É realmente enternecedor ouvir falar alguns dos nossos mais brilhantes economistas e gestores. É enternecedor ouvi-los falar do dinheiro dos outros, ouvi-los falar do congelamento do salário dos outros, ouvi-los falar da diminuição do salário dos outros e ouvi-los falar dos seus próprios prémios. E para além da ternura que essa audição envolve, também nos apercebemos de quão isentas, rigorosas e sérias são as opiniões destes nossos economistas e gestores.
São mulheres e homens assim que nos devem servir de exemplo.
Deste modo, e pela minha parte, prescindirei durante os próximos anos (cinco, dez, quinze, os que forem necessários) de qualquer aumento salarial; prescindirei do 14.º mês (se for necessário, também do 13.º), e verei com bom grado que me diminuam o salário em 10% ou mais.
Imponho apenas uma condição: que este dinheiro de que prescindo, e que, acredito, muitos outros prescindirão, seja canalizado para o pagamento anual dos prémios destes nossos brilhantes economistas e gestores. Assim, ficaremos todos bem: nós, porque a crise terminará, e eles, porque não verão reduzidos os seus merecidos prémios.