quarta-feira, 28 de abril de 2010

Às quartas

O Mar na Cidade

É este o mar que se arrasta pelos campos,
que rodeia os muros e as torres,
que levanta mãos como ondas
para avistar de longe sua presa ou sua deusa?

É este o mar que tímida, amorosamente
se perde por vielas e pracetas,
que invade jardins e lambe pés,
e lábios de estátuas quebradas e caídas?

Não se ouve outro rumor que o borbotar
da água pelas caves deslizando,
e esgotos, levando levemente
em peso folhas, pétalas, insectos.

Que busca o mar na cidade deserta,
abandonada até por cães e gatos,
mandadas calar as suas fontes todas,
mudos os ténues campanários?

A ronda inesgotável continua,
o mar arqueia o lombo e repete
sua canção, emissário da vida
devorando tudo o que é morto e putrefacto.

O mar, o terno mar, o mar das origens,
recomeça o velho trabalho:
limpar os estragos do mundo,
cobrir tudo com uma rosa dura e viva.

Emilio Adolfo Westphallen
(Trad.: José Bento)