terça-feira, 3 de novembro de 2009

Retratos de Sócrates (8)

«Em muitos casos, [Sócrates] parece ter estado no sítio errado à hora certa, tantas são as alegações de envolvimento pouco transparente, de responsabilidades não assumidas, de ligações pessoais estranhas, de negócios em que pontuam os seus amigos e próximos, enfim, uma série de factores a que o tempo conferiria maior consistência e relevância. [...]
No ano anterior à viragem do milénio, terão sido poucos a partilhar as minhas reticências. A ascensão e brilhantismo sobrepunham-se a quaisquer tipo de dúvidas, críticas e escrutínios. Todavia, as investigações relativas a diversas cartas anónimas, que visaram José Sócrates, faziam o seu caminho, um caminho sempre arriscado e feito na sombra de algumas secretárias de inspectores da PJ que não largavam — e não largam! — o 'osso', tendo pago o preço de não distinguirem entre cidadãos e notáveis. Lá chegarei.
Nesses círculos, a curiosidade e as dúvidas foram crescendo à medida que as investigações ganharam contornos mais nítidos. Porém um novo incidente, certamente menos inflamável e seguramente mais intelectual, viria a tornar ainda mais claro o modus operandi da estrela do "guterrismo", cada vez mais envolta por um manto de fumos da corrupção, nepotismo, tráfico de influências e esbanjamento de recursos públicos. Enfim, mais uma tempestade num caminho político fulgurante [...]
A construção de uma biblioteca municipal na 'sua' Covilhã deu origem a um comportamento do então deputado socialista que me atrevo a classificar como digno de inaugurar uma prática que bem poderia ser apelidada de "socrática". Mas o que se passou? Algo de aparentemente inócuo, mas com um significado importante. A Câmara Municipal da Covilhã atribuiu a construção daquela infra-estrutura local à construtora "Abrantina", em 13 de Junho de 1995. A partir daqui é que a 'porca torce o rabo', pois a decisão não terá agradado ao então deputado socialista. E porquê? Pela simples razão de uns amigos não terem gano a obra. [...]
Sobre a adjudicação da biblioteca, isto é sobre o picante da história nada se soube em tempo real. Somente, sete anos mais tarde, repito, sete anos mais tarde, através de uma escuta revelada pelo jornal "Público", se veio a conhecer a façanha. Depois de tomar conhecimento que a autarquia tinha entregue a obra à construtora "Abrantina", José Sócrates terá telefonado ao seu amigo Álvaro Geraldes Pinto (empresário de Belmonte), com ligações à CEOGA — Construção e Ambiente, SA", empresa que tinha sido preterida, apesar de ter apresentado uma proposta mais baixa. A razão do telefonema foi simples: a promessa de interceder junto da autarquia para inverter a decisão, aconselhando o seu amigo a desistir da reclamação que pretendia intentar. Reclamação? Não! Fala-se para o amigo Jorge Pombo, então Presidente da Câmara da Covilhã. Nada mais simples para quem acredita que é nos bastidores que se resolvem este tipo de assuntos. Em abono do rigor, diga-se que a interferência não resultou, pois a decisão manteve-se, mas ficou vincada a marca de um determinado tipo de actuação.
Só foi possível conhecer este episódio porque Álvaro Geraldes Pinto era dirigente do "GITAP", uma sociedade de estudos e projectos com grande aceitação entre as autarquias socialistas, a qual terá estado na origem da investigação das suspeitas de corrupção relacionadas com a actividade de Luís Monterroso»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 47-51.