terça-feira, 24 de novembro de 2009

Retratos de Sócrates (10)

«Os inúmeros casos não impediram que a vida política lhe tenha sorrido, a partir da segunda metade dos anos 90, comprovando que não são as notícias que liquidam a performance dos políticos. Depois de chegar ao poder, em 1995, com a eleição de António Guterres, o jovem governante tinha motivos para se sentir confiante e orgulhoso. A secretaria de Estado do Ambiente foi um prémio merecido, uma etapa para poder almejar outros voos mais altos. Nem a rivalidade pessoal com a então 'independente' Elisa Ferreira conseguiu atrapalhar a sua progressão. De igual modo, os amuos e as zangas com a 'chefe' não foram suficientes para o retardar na corrida a um lugar de maior confiança, e ao lado, mesmo ao lado, do então primeiro-ministro e secretário-geral do Partido Socialista.
Depois de um passado de militância efémero na JSD, e de uma entrada oportuna no PS, em 1981, durante mais um dos períodos de separação de águas no 'secretariado', o qual lhe permitiu exibir os seus dotes de orador, o caminho ficou escancarado, de par em par. Tinha ambição, energia, influência e um punhado de amigos à prova de bala. É certo que faltavam 'tropas' no seio do partido, mas tinha projectos, projectos e muitos projectos e um par de fiéis. É certo que eram de fraca qualidade política, mas foram navegando ao sabor das oportunidades e até da aposta de alguns caciques socialistas, conseguindo reunir um 'aparelho' que foi crescendo à medida que se abeirava do poder.
Desde então, a sua imagem de marca ficou associada a uma máscara de desafio, muitas vezes a atingir o teatral, algumas vezes a roçar o ridículo. Por tudo e por nada, a propósito deste ou daquele assunto, muitas vezes banais ou inócuos, fosse qual fosse a polémica, emprestava sempre dramatismo. [...] A habilidade foi um dos motores da sua confirmação, cuja história se fez mais pela retórica agressiva do que por uma real assumpção de convicções. [...]
O homem registado em Vilar de Maçada, mas nascido em Miragaia, no Porto, foi capaz de encantar, e de se encantar com a visibilidade mediática, assumindo uma atitude confiante, com grande exuberância.
Os tempos corriam de feição. Tinha todas as razões para estar deslumbrado. Após a primeira remodelação do XIII governo constitucional, a promoção do inexperiente secretário de Estado a ministro Adjunto do primeiro-ministro, em 1997, foi algo de monta, um inegável feito que foi muito bem trabalhado pelos seus aliados na comunicação social, sempre ávida a deglutir o que brilha sem cuidar de saber se esse brilho é autêntico. [...]
No lugar de super ministro, ainda mais próximo do primeiro-ministro [...] sofreu uma gigantesca metamorfose. A frescura, a energia e a ambição das causas de civilização passaram a estar direccionadas para o grandioso, o desperdício e o acessório, ou seja para o mais passadista apelo ao orgulho nacional. Num ápice, passou da defesa dos direitos dos cidadãos à defesa das grandes obras públicas, tornando-se mais sensível aos interesses dos grandes grupos económicos e excitando fantasias douradas do agrado de todos: bancos, promotores imobiliários, intermediários, construtores, gabinetes de advogados, políticos, partidos políticos, comunicação social e até, por que não dizê-lo, dos portugueses. Obviamente, tais ilusões, perdão, grandes obras do regime, eram sempre dispendiosas e pagas à custa do erário público. As ideias cintilantes do então ministro, quais quimeras rosas, geraram lucros fabulosos aos privados, com margens prodigiosas, sobretudo para os bancos e grandes construtoras.»
(Continua)
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 60-62.