sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fragmenti veneris diei

Se o sonhos não têm cor, então não havia cor. Mas a terra seria vermelha, se não se tratasse de um sonho. Alguém corria pela estrada e levantava uma pequena nuvem de pó que ia pousando muito suavemente sobre as ervas de um campo. Um sonho é mudo. Se não fosse mudo, também não faria diferença, porque não havia som. Só o ruído do interior da terra, se houvesse esse ruído e se não se confundisse com o som de três pianos descendo sobre o horizonte recortado num céu pintado de aguarela. Uma mulher jovem corre pela estrada, afastando-se, correndo na direcção das árvores que estão lá ao fundo. Como é uma araucária? Como é um castanheiro-da-índia? Como é uma estrada de terra vermelha num sonho que não tem cor? Como é o ruído de um sonho mudo? A mulher, uma mulher jovem vestida de amarelo, corre e deixa de se ver sobre a superfície de terra vermelha e, então, começa uma trovoada de Verão, e chove, chove muito e o céu deixa de parecer um desenho de aguarela, e o sonho deixa de ser sonho. Ele acorda, tem gotas de suor caindo sobre o rosto, ouve um ruído de passos, mas é apenas o rumor dos ramos das árvores que cobrem tudo à sua volta.»
Francisco José Viegas, O Mar em Casablanca, p. 154.