terça-feira, 30 de setembro de 2008

Dexter Gordon

Portugal mais corrupto

Segundo a Transparency International, Portugal desceu do 28.º para o 32.º lugar no ranking dos países menos corruptos, e fomos ultrapassados pelo Qatar, Chipre e São Vicente e Granadinos.
A este respeito, gostaríamos de ter ouvido a célebre frase do nosso primeiro-ministro: «Acabou o facilitismo», mas não, nada disse. Não lhe pareceu oportuno.
Angola desceu para o 158.º lugar, e juntou-se ao Burundi e à Venezuela, de Hugo Chávez, particular amigo de José Sócrates e assíduo visitante de Portugal.

Como isto vai!

Expresso (27/9/08):

«3200 casas atribuídas por cunha em Lisboa»

«Artistas, jornalistas, amigos políticos pagam em média €35 de renda. Escândalo começou há 30 anos»

«Favores — O Património Disperso da Câmara é uma espécie de porquinho-mealheiro de casas para distribuir. Sem regras»

Diário de Notícias (30/09/08):

«Quando o caso "Lisboagate" atinge um nome como o de Baptista-Bastos, é porque algo está podre no reino da Dinamarca. Numa breve troca de mails, Baptista-Bastos negou-me ter tido qualquer comportamento "reprovável" e eu não tenho qualquer razão para pôr em causa a sua verticalidade. Mas também não tenho dúvidas de que ele jamais deveria ter recorrido à câmara para conseguir uma casa. O escritor Baptista-Bastos, que já tanto deu a Lisboa, podia ter direito a ser ajudado numa altura de dificuldade, como parece ter sido o caso. O jornalista Baptista-Bastos, não. Porque pediu um favor ao poder autárquico. Porque auferiu de um privilégio vedado ao cidadão comum. Que alguém que sempre foi tão moralmente exigente nos seus artigos de imprensa não perceba isto faz-me confusão. Quem, como ele, acredita na nobreza do jornalismo, tem de reconhecer uma cunha quando a vê. E, sobretudo, deve reconhecê-la quando a mete.» João Miguel Tavares.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A lucidez está a regressar?

Títulos do Jornal de Notícias, de hoje:

«Professores abrem nova guerra contra avaliação»

«Docentes rejeitam que notas dos alunos contem para a progressão na carreira»

«Professores reclamam suspensão do parâmetro com base numa recomendação do Conselho Científico para a Avaliação»

«Conselho Científico para a Avaliação alerta para o risco de a avaliação ser irrelevante»

«Escolas querem mudar regras da avaliação»

domingo, 28 de setembro de 2008

Pensamentos de domingo

«Milhares de pessoas que anseiam pela imortalidade não sabem o que fazer numa tarde de chuva.»
Susan Ertz

«Já vivi! Tenho de descobrir agora o que vou fazer a seguir!»
Agnes Gooch

«Quando eu era jovem pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho a certeza.
Oscar Wilde

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A coisa está aí

A coisa veio e nem chegou de mansinho. Contra ventos, marés e tempestades alimentadas pelo sopro do que é a consciência cívica e a dignidade profissional, a monstruosidade de génese punitiva (vulgo concurso para professor titular + estatuto da carreira docente + avaliação do desempenho) ancorou violentamente no nosso quotidiano.

Trouxe consigo o desconcerto, a desinquietação e a desorientação.
Ou não.... parece que, extraordinariamente, aportou para alguns sob os raios luminosos de uma aparição celestial, corporizando sebasticamente a salvação dos valores e da mestria com que se confeccionam as metas, pessoais e nacionais. 100% de sucesso, para os alunos de 9º ano! É preciso visão! É o incentivo que faltava para, transparentemente, laboriosamente transformar o trabalho que, nos útlimos anos (aqueles que errámos), não tem sido senão um obstáculo ao sucesso dos alunos portugueses. Só mesmo Stª Lurdes para abrir os olhos a esta verdade divina. Apetece dar as mãos, revirar os olhos de êxtase e cantar louvores à genialidade dos grandes que nos governam. Finda a hora do culto, segue-se, ainda em estado de graça, para a gruta das aparições: é preciso fazer aparecer grelhas, números e percentagens, que a santa gosta de sacrifícios! De pé, aplaude ufanamente o povo, néscio, inibido de discernimento pela inebriação panfletária. Fazem coro alguns crentes que, na genoflexão, arrogam a vidência e a sabedoria que os levará aos céus.

Na desorientação desta massa informe, o involuntário penitente desespera e aos poucos enlouquece. Chega ao ponto de se fundir na metáfora. Já não negoceia com Satanás a sua salvação, pactua directamente com a equipa que se constituiu sua adversária.

Nesta abertura de ano lectivo, uma docente do 1º ciclo, seguramente inspirada no didactismo da programação televisiva e substancialmente pugnando pela inovação, reuniu com os encarregados de educação inspirada no modelo do “Você decide!”. E foi neles que delegou a pedagógica prerrogativa de estatuir os trabalhos de casa…

Afinal, se são "de casa", devem ser os pais a prescrever…..

A coisa está.... feia!

A confusão

«Novas regras das faltas criam confusão em muitas escolas»

«Pais revoltados com possível retenção de alunos após doença»

«Há escolas que prevêem reter alunos com prova negativa após doença»

«Não há chumbos automáticos por faltas»

«Ministério convida pais a denunciarem casos»

Estes são os títulos do Diário de Notícias (25/9/08), motivados pela confusão gerada pelo novo regime de faltas inscrito no Estatuto do Aluno, aprovado pelo Governo no ano lectivo passado.
Sintomático.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Difícil de perceber

O Público noticia, hoje, que no Agrupamento de Escolas D. João II, em Santarém, foi realizado um teste, em regime de voluntariado, ao novo sistema de avaliação de desempenho dos professores, durante o 3º período do ano lectivo transacto. O prof. António Pina Braz, presidente do Conselho Executivo, explicou que: «"Testámos o modelo na plenitude, desde as aulas observadas, à planificação, elaboração dos dossiers" o que levou a correcções "mais do tipo organizativo, nos documentos de recolha de informação"» e «confessou que as maiores dificuldades sentidas foi na "gestão do tempo", tendo contabilizado a necessidade de 12 horas/ano para a avaliação de cada professor». Chegou ainda à conclusão de que «há modelos de avaliação "mais objectivos, menos burocráticos e mais eficientes".»
Três breves notas:

1. Para este colega, as dificuldades encontradas foram somente no domínio organizativo. Do ponto de vista da substância do sistema, parece que não houve problema. O que é um achado! O colega António Pina Braz prestaria um serviço à nação se disponibilizasse toda documentação que utilizou no teste e explicasse o modo como concretizou a avaliação dos professores voluntários da sua escola. Se quanto à substância do sistema não há impedimentos nem sequer dificuldades, temos o problema resolvido, só precisámos de conhecer a solução.

2. O mesmo colega contabilizou 12 horas/ano gastas pelo coordenador na avaliação de cada docente. Duvido, mas suponhamos que sim, isto quer dizer que numa escola com 210 professores, como é o caso da minha, consumir-se-ão cerca de 2400 horas(!!!) neste trabalho.

3. Não consegui compreender a conclusão a que o colega António Pina Braz chegou. Diz: «há modelos de avaliação "mais objectivos, menos burocráticos e mais eficientes"» que este. O colega começa por firmar que as únicas dificuldades encontradas foram de tipo organizativo, e que até foram corrigidas, e termina a dizer que há sistemas de avaliação mais objectivos e eficientes que este?! Por muito que procure não encontro nas premissas a sustentação da conclusão. Para além da documentação, poderá o colega esclarecer, igualmente, o modo como organiza os seus raciocínios?
Ficaríamos todos a ganhar.

Honra: alguém se lembra?

«Uma lei especial e antiga estabeleceu que o general Eanes não poderia acumular a sua pensão de reserva como militar com a pensão de ex-Presidente da República. Uma lei estranha, num país em que as grandes figuras do regime acumulam tudo: pensões privadas com pensões públicas, pensões públicas com ordenados privados e pensões públicas com pensões públicas. Sentindo-se discriminado, o general recorreu à justiça, que, muitos anos depois lhe deu razão e mandou que passasse a receber ambas as pensões mais os retroactivos, cerca de 1. 300. 000 euros. Eanes, porém, recusou receber os retroactivos. Num país em que tantos exigem e recebem do Estado o que podem e o que não deviam, ele recusou uma pequena fortuna. Não sei as razões, mas conheço suficientemente o homem para perceber a sua motivação. É uma questão de honra. E, nas questões de honra, não basta apregoá-la, é preciso tê-la.»
Miguel Sousa Tavares, Expresso (20/09/08)

Comportamentos destes, hoje, são coisa rara. Os ventos não sopram neste sentido. Muitos dos nossos políticos modernos, pós-modernos e modernaços não conhecem estes valores nem sonham que possam existir.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Ministra anuncia: 100% de sucesso no 9º ano! Daqui a algum tempo...

A cavalgada da propaganda é ininterrupta e a demagogia e a hipocrisia política também: a ministra da Educação anunciou, ontem, que quer atingir, nos próximos anos, 100 por cento de aprovações no final do nono ano de escolaridade.
Anunciar com anos de antecedência que passará a haver sucesso absoluto no final do 2º ciclo é propaganda despudorada. Todos sabemos que o sucesso absoluto só é possível garantir por decreto, isto é, se for determinado o fim oficial das reprovações. Ora, a ministra da Educação não anuncia que será por essa via e remete a concretização da meta para daqui a uns anos... quando ela já não estiver no Governo. Contudo faz o anúncio agora para recolher os louros de algo que não fez. É propaganda no sentido mais pejorativo que a palavra possa ter.

Anunciar que passará a haver sucesso absoluto no final do 2º ciclo porque: «os nossos alunos não são menos inteligentes [que os de outros países], os nossos professores não são menos preparados [que os de outros países], as nossas escolas eram piores, mas estão a ficar melhores. Portanto com todas as condições, não é uma utopia, é mesmo uma meta para cumprir» é demagogia e hipocrisia política.

É demagogia:
a) porque não se trata de os alunos serem ou não serem mais ou menos inteligentes nem dos professores estarem mais ou menos preparados (e se, por absurdo, fosse esse o problema, isso deveria significar que foi a acção desta ministra que tornou os nossos alunos tão inteligentes como os outros e os nossos professores tão bem preparados como os outros? Ou é apenas, e afinal, um problema de instalações?);

b) porque só nos países em que as reprovações são proibidas é que há sucesso total (ou em que possuem vias alternativas para onde são de imediato encaminhados os alunos que revelam insucesso no ensino regular, mas isto não é o sucesso efectivo e absoluto de que fala a ministra) e, aí, os níveis cultural, civilizacional, educacional e económico desses povos não são susceptíveis de comparação com os nossos. É falta de responsabilidade e de rigor políticos reduzir intencionalmente o problema do sucesso à inteligência dos alunos ou à preparação dos professores.

É hipocrisia política porque não sendo capaz de assumir que pretende acabar com as reprovações por via legislativa — a opinião pública e o país reagiriam de imediato, em frontal oposição — a ministra foge ao problema e tenta contorná-lo com um discurso que, pela enésima vez, falseia a realidade e engana quem a ouve.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A coerência e a permanente clarividência da ministra da Educação e do Governo

Vejamos o que tem sido dito, a propósito do alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano:

2005, Programa do Governo:
«Tornar obrigatória a frequência de ensino ou formação profissional para todos os jovens até aos 18 anos»

2007, Maria de Lurdes Rodrigues:
«Estamos a criar condições para que, em dois anos, os alunos permaneçam na escola até aos 18 anos, prolongando o ensino obrigatório até ao 12º ano.»

12 de Setembro de 2008, Maria de Lurdes Rodrigues:
«Se a resposta das escolas for tão boa como está a ser, provavelmente nem será necessário tornar obrigatório o 12º ano.»

12 de Setembro de 2008, José Sócrates:
«[O Dia do Diploma] é um sinal de que a conclusão do secundário é indispensável para se entrar no mercado de trabalho. Hoje é preciso saber-se muito.»

14 de Setembro de 2008, Maria de Lurdes Rodrigues:
«[Neste momento tornar obrigatório o 12º ano] seria um erro, prejudicaria as famílias, os alunos, e não se conseguiria concretizar.»

15 de Setembro de 2008, Cavaco Silva:
«É preciso mobilizar todos em torno de uma meta para o futuro, que estou convencido irá ser definida não daqui a muito tempo: 12 anos de escolaridade.»

16 de Setembro de 2008, Maria de Lurdes Rodrigues:
«Há uma convergência [entre as ideias do Presidente e do Governo]. Tanto o PSD como o PS têm como objectivo alargar a escolaridade ao nível do 12º ano.»

Fonte: Diário de Notícias.

A seguir aos ziguezagues do Governo sobre o Referendo ao Tratado de Lisboa, aos ziguezagues sobre o aeroporto de Lisboa, aos ziguezagues quanto à terceira ponte sobre o Tejo, vêm, agora, os ziguezagues sobre o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano.
Contudo, a propaganda e o marketing continuam a dizer que este é um Governo com um rumo bem definido e pleno de determinação.

domingo, 21 de setembro de 2008

Pensamentos de domingo - edição dupla

Acerca das mulheres:
«Discutir com uma mulher é como tentar ler o jornal no meio da tempestade.»
Dostoiewski

«Andar muito com as mulheres melhora a postura de um homem, mas degrada-lhe a moral.»
Montesquieu


«As mulheres podem dividir-se em dois grupos: as que não obedecem e as que mandam.»
Provérbio alemão

Acerca dos homens:
«Depois de Adão, existiu algum homem importante?»
Anita Ekberg

«Nunca se conhece completamente um homem antes de nos termos divorciado dele.»
Zsa Zsa Gabor

Cada homem é um senhor em sua casa — até que os hóspedes se vão embora.»
Provérbio belga

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos

Art Blakey

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Resposta a um comentário

Optei por colocar na página principal do blogue a minha resposta ao comentário de um anónimo (comentário relativo ao artigo intitulado «A propósito de “Acabou o facilitismo”»), porque o assunto tratado é muitas vezes discutido de forma leviana pelo senso comum e, também, ainda que mais subtilmente, pelo discurso político da Ministra da Educação.
Segue o comentário do anónimo leitor e, depois, a resposta.

Comentário:
«Este senhor professor parece que não gosta mesmo do governo. Vocês professores estavam é muito mal habituados, apareceu alguém que vos pôs na linha e agora estão muito zangados. O que os professores têm é falta de hábito de trabalho. São muitas férias. É muito descanso. É no Natal, é no Carnaval, é na Páscoa, é no Verão. Conhecem mais alguém que tenha tanto descanso? Quando se habituarem a trabalhar como os outros, já não vão ter tempo para protestar. Não gostam, mas tem de ser. Paciência. Trabalhinho, trabalhinho.»
Anónimo (18/9/08)

Resposta

Caro anónimo indignado com a indignação dos professores,

Os homens (e as mulheres) não se medem aos palmos, medem-se, entre outras coisas, por aquilo que afirmam, isto é, por saberem ou não saberem o que dizem e do que falam.
O caro anónimo mostra-se indignado (apesar de não aceitar que os professores também se possam indignar — dualidade de critérios deste nosso estimado anónimo..., mas passemos à frente) com o excesso de descanso dos professores: afirma que descansamos no Natal, no Carnaval, na Páscoa e no Verão, (esqueceu-se de mencionar que também descansamos aos feriados e fins-de-semana). E o nosso prezado anónimo insurge-se veementemente contra tão desmesurada dose de descanso de que os professores usufruem e de que, ao que parece, ninguém mais usufrui.
Ora vamos lá ver se o nosso atento e sagaz anónimo tem razão. Vai perdoar-me, mas, nestas coisas, só lá vamos com contas.
O horário semanal de trabalho do professor é 35 horas. Dessas trinta e cinco, 11 horas (em alguns casos até são apenas dez) são destinadas ao seu trabalho individual, que cada um gere como entende. As outras 24 horas são passadas na escola: a leccionar, a dar apoio, em reuniões, em aulas de substituição, em funções de direcção de turma, de coordenação pedagógica, etc., etc.
Bom, centremo-nos naquelas 11 horas que estão destinadas ao trabalho que é realizado pelo professor fora da escola (já que na escola não há quaisquer condições de o realizar): preparação de aulas, elaboração de testes, correcção de testes, correcção de trabalhos de casa, correcção de trabalhos individuais e/ou de grupo, investigação e formação contínua.
Agora, vamos imaginar que um professor, a quem podemos passar a chamar de Simplício, tem 5 turmas, 3 níveis de ensino, e que cada turma tem 25 alunos (há casos de professores com mais turmas, mais alunos e mais níveis de ensino e há casos com menos ¬— ficamos por uma situação média, se não se importar). Para sabermos o quanto este professor trabalha ou descansa, temos de contar as suas horas de trabalho. Vamos lá, então, contar:

1. Preparação de aulas: considerando que tem duas vezes por semana cada uma dessas turmas e que tem três níveis diferentes de ensino, o professor Simplício precisa de preparar, no mínimo, 6 aulas por semana (estou a considerar, hipoteticamente, que as turmas do mesmo nível são exactamente iguais — o que não acontece — e que, por isso, quando prepara para uma turma também já está a preparar para a outra turma do mesmo nível). Vamos considerar que a preparação de cada aula demora 1 hora. Significa que, por semana, despende 6 horas para esse trabalho. Se o período tiver 14 semanas, como é o caso do 1.º período do presente ano lectivo, o professor gasta um total de 84 horas nesta tarefa.

2. Elaboração de testes: imaginemos que o prof. Simplício realiza, por período, dois testes em cada turma. Significa que tem de elaborar dez testes. Vamos imaginar que ele consegue gastar apenas 1 hora para preparar, escrever e fotocopiar o teste (estou a ser muito poupado, acredite), quer dizer que consome, num período, 10 horas neste trabalho.

3. Correcção de testes: o prof. Simplício tem, como vimos, 125 alunos, isto implica que ele corrige, por período, 250 testes. Vamos imaginar que ele consegue corrigir cada teste em 25 minutos (o que, em muitas disciplinas, seria um milagre, mas vamos admitir que sim, que é possível corrigir em tão pouco tempo), demora mais de 104 horas para conseguir corrigir todos os testes, durante um período.

4. Correcção de trabalhos de casa: consideremos que o prof. Simplício só manda realizar trabalhos para casa uma vez por semana e que corrige cada um em 10 minutos. No total são mais de 20 horas (isto é, 125 alunos x 10 minutos) por semana. Como o período tem 14 semanas, temos um resultado final de mais de 280 horas.

5. Correcção de trabalhos individuais e/ou de grupo: vamos pensar que o prof. Simplício manda realizar apenas um trabalho de grupo, por período, e que cada grupo é composto por 3 alunos; terá de corrigir cerca de 41 trabalhos. Vamos também imaginar que demora apenas 1 hora a corrigir cada um deles (os meus colegas até gargalham, ao verem estes números tão minguados), dá um total de 41 horas.

6. Investigação: consideremos que o professor dedica apenas 2 horas por semana a investigar, dá, no período, 28 horas (2h x 14 semanas).

7. Acções de formação contínua: para não atrapalhar as contas, nem vou considerar este tempo.

Vamos, então, somar isto tudo:
84h+10h+104h+280h+41h+28h=547 horas.
Multipliquemos, agora, as 11horas semanais que o professor tem para estes trabalhos pelas 14 semanas do período: 11hx14= 154 horas.
Ora 547h-154h=393 horas. Significa isto que o professor trabalhou, no período, 393 horas a mais do que aquelas que lhe tinham sido destinadas para o efeito.
Vamos ver, de seguida, quantos dias úteis de descanso tem o professor no Natal. No próximo Natal, por exemplo, as aulas terminam no dia 18 de Dezembro. Os dias 19, 22 e 23 serão para realizar Conselhos de Turma, portanto, terá descanso nos seguintes dias úteis: 24, 26, 29 30 e 31 de Dezembro e dia 2 de Janeiro. Total de 6 dias úteis. Ora 6 dias vezes 7 horas de trabalho por dia dá 42 horas. Então, vamos subtrair às 393 horas a mais que o professor trabalhou as 42 horas de descanso que teve no Natal, ficam a sobrar 351 horas. Quer dizer, o professor trabalhou a mais 351 horas!! Isto em dias de trabalho, de 7 horas diárias, corresponde a 50 dias!!! O professor Simplício tem um crédito sobre o Estado de 50 dias de trabalho. Por outras palavras, o Estado tem um calote de 50 dias para com o prof. Simplício.

Pois é, não parecia, pois não, caro anónimo? Mas é isso que o Estado deve, em média, a cada professor no final de cada período escolar.
Ora, como o Estado somos todos nós, onde se inclui, naturalmente, o nosso prezado anónimo, (pressupondo que, como nós, tem os impostos em dia) significa que o estimado anónimo, afinal, está em dívida para com o prof. Simplício. E ao contrário daquilo que o nosso simpático anónimo afirmava, os professores não descansam muito, descansam pouco!
Veja lá os trabalhos que arranjou: sai daqui a dever dinheiro a um professor.
Mas, não se incomode, pode ser que um dia se encontrem e, nessa altura, o amigo paga o que deve.

Um abraço,

Mário Carneiro

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A propósito de «Acabou o facilitismo!»

No momento em que se soube que cerca de 40 mil professores ficaram no desemprego, o primeiro-ministro, com a arrogância que lhe é característica e com a (falsa) determinação que lhe é atribuída, achou por bem e conveniente afirmar, para todos os órgãos da comunicação social divulgarem ao país, que: «Acabou o facilitismo!». Peremptório, autoritário. Homem duro, este primeiro-ministro.
Pena é que este mesmo primeiro-ministro não faça também demonstrações de coragem e virilidade políticas relativamente a todas as outras situações da nossa realidade.
Por exemplo, não tenho nenhuma memória de ter ouvido algo de semelhante quando, há uns meses, os patrões da camionagem resolveram bloquear o país atravessando na estrada os seus veículos. Foi um pandemónio, a economia parou, um motorista morreu atropelado, piquetes de greve ilegais, greve dos patrões ilegal e, como resposta, ouvimos um enorme, um ruidoso silêncio do nosso corajoso e determinado primeiro-ministro.
Também não me recordo de ter escutado nada de parecido com «acabou o facilitismo», relativamente à recente onda de assaltos. Bancos assaltados todos os dias, caixas multibanco rebentadas, carrinhas de transporte de valores abalroadas, bombas de gasolina atacadas, ameaças de execução de reféns; e que frase acutilante, devastadora, autoritária proferiu o primeiro-ministro? Alguém tem reminiscências de algo do género por ele sentenciado?
Agora, a propósito do escândalo dos preços da gasolina, continuo a não ter conhecimento de que o mesmo eng. José Sócrates já tenha dito às petrolíferas, que operam em Portugal, qualquer coisa de aparentado com «acabou o facilitismo». Não só somos o país na Europa onde os preços menos descem como, neste momento, somos o único onde há preços que sobem; enquanto isto, o valor do barril de petróleo cai a pique.
Por onde anda o nosso afoito, destemido, bravo, férreo e resoluto chefe de governo? Voltou para férias?
Tão lesto, determinado e firme com os professores, em particular, com os professores desempregados, e tão dócil e tão doce com quem afronta o país e os portugueses...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

É preciso topete!

Excertos de mais um artigo que fala a verdade, de Santana Castilho, hoje, no Público:

«Para os portugueses que conhecem a realidade das escolas e do sistema de ensino, comentar as últimas afirmações de José Sócrates é pura perda de tempo. A credibilidade do que diz não vai além da publicidade enganosa. Mas junto dos menos esclarecidos, que infelizmente constituem a maioria, é dever cívico não as deixar em branco.
É preciso topete para falar no maior investimento de sempre nas escolas portuguesas, quando as verbas consignadas à Educação, em cada um dos três orçamentos de Estado da responsabilidade deste governo, decresceram sempre até atingir, no orçamento de 2008, o valor mais baixo dos últimos sete anos, quer em termos absolutos, quer em percentagem do PIB.
[...]
É preciso topete para dizer que os que manifestam opinião contrária ao Grande Delfim ofendem os professores, os alunos e as famílias. É preciso topete para dizer que os críticos não sabem explicar por que razão as reprovações caíram ao longo dos últimos três anos. Onde tem andado Sócrates, que não lê, que não ouve, nem vê o que, de todos os quadrantes, tem formado um consenso notório? O milagre da drástica diminuição das reprovações deve-se a uma despudorada manipulação estatística, da responsabilidade do Governo.
[...]
O milagre da drástica diminuição das reprovações deve-se: a um estatuto do aluno que incentiva a indisciplina e desvaloriza o trabalho (os alunos podem passar sem pôr os pés nas aulas); a um estatuto do professor que baniu a palavra ensino e grudou a carreira dos docentes a resultados que dependem de muitas variáveis que eles não podem controlar; a uma autêntica avalanche normativa (há quem tenha contado 37 comandos diários) que soterrou as escolas em burocracia que o talento de Frank Kafka não imaginaria; a um perverso processo administrativo que dificulta de tal modo o chumbo que o mais inteligente é nem começar; a exames indigentes, a que só falta trazer as soluções, de patas para o ar, no final do enunciado; a uma confusão assassina sobre o que significa sucesso escolar (notas fabricadas versus conhecimento efectivamente acrescentado).»

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Oficialmente, o faz-de-conta começou hoje

Para a história, fica que começou, hoje, oficialmente, o gigantesco processo de faz-de-conta, que é a nova avaliação de desempenho dos professores.
É, do ponto de vista profissional, aviltante assistir-se à monstruosa encenação em torno da avaliação de desempenho. É aviltante assistir-se à prevalência de interesses políticos sobre critérios profissionais, é aviltante assistir-se à manipulação política dos professores e da comunicação social.
O novo sistema de avaliação de desempenho dos professores é de tal modo incompetente que nas próprias acções de formação, onde supostamente dever-se-ia dar preparação para a sua concretização no terreno, entra-se sistematicamente em impasses que os formadores não conseguem resolver devido à confrangedora incompetência, inadequação e inoperacionalidade do modelo de avaliação.
Mas para o Ministério da Educação nada disto interessa, nada disto importa, the show must go on.

Escrutinar para denunciar

Iremos, aqui, na medida do possível, submeter a escrutínio todos os documentos, de que tenhamos conhecimento, que estejam, nas escolas, a servir de base ao processo de avaliação. Só pelo exercício da crítica pública é possível avaliar da validade dos conceitos, dos processos e dos instrumentos que estiverem a ser utilizados na prática avaliativa do desempenho dos docentes.
Agradecemos a todos os professores que nos queiram enviar documentação (com ou sem identificação da escola), para a podermos analisar e debater.

A vergonha (ou a falta dela)!

1ª página do Diário de Notícias de hoje:

«Muitos professores contratados renovaram os seus contratos, mas ainda não sabem qual foi a nota da avaliação do ano anterior. Apesar de o Governo ter justificado o arranque da avaliação no ano passado dizendo que dela dependiam os contratos de sete mil professores, a verdade é que a nota não condicionou a contratação

Depois da leitura desta notícia, quem ainda tivesse dúvidas sobre o modo de actuar do Ministério da Educação e do Governo, certamente que as deixará de ter.
Mais comentários são desnecessários.

domingo, 14 de setembro de 2008

Presídio

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

David Mourão-Ferreira

Pensamentos de domingo

«A vida nunca é justa e para a grande maioria dos homens é uma sorte que assim seja.»
Óscar Wilde

«Deus está vivo. Ele apenas não se quer envolver.»
Grafiti

«Quem é a Virgínia?
(Quando lhe perguntaram porque é que a nora Joan vivia em Boston enquanto o filho Edward Kennedy vivia na Virgínia).»
Rose Kennedy

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

sábado, 13 de setembro de 2008

Números falsos

Afinal, a economia portuguesa não criou 133 mil novos empregos, como afirma o Governo. É que 36 mil desses empregos são no estrangeiro. Isto é, são empregos produzidos por economias estrangeiras para as quais os portugueses se deslocam e arranjam trabalho, mas mantendo residência oficial em Portugal.
Contudo, para o Governo, emprego lá fora ou cada dentro é tudo a mesma coisa, e apregoa, com a falta de decoro que o caracteriza, números falsos, para, mais uma vez, querer aparentar o que não é.
A edição, de ontem, do Jornal de Negócios, explica tudo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Hoje é o Dia do Diploma ou o Dia de Mais Propaganda ou o Dia que Não Devia Existir

A este propósito, vale a pena ler, ou reler, excertos de um artigo que Rui Moreira escreveu no Público, há um mês.

A cenoura de consolação
«A decisão de atribuir, anualmente, no Dia do Diploma, um prémio monetário aos melhores alunos do secundário, é uma daquelas notícias em que o nonsense dos governantes consegue ofuscar o do Inimigo Público.
[...]
É extraordinário que este ministério, que fomenta o facilitismo para melhorar as notas e as estatísticas, que adopta o “ensino-vaselina” para agilizar e embaratecer a passagem do aluno pela escola, que tem fobia do elitismo, que desautoriza os professores face a pais e alunos e prefere avaliar os docentes a examinar os estudantes, que contemporiza com a indisciplina, tenha o topete de criar este prémio, que em nada contribui para a cultura de mérito, que deveria incutir às crianças, desde cedo, o sentido da responsabilidade, afirmando o estudo como um bom investimento e o conhecimento como um instrumento essencial para a realização e felicidade futuras.

[...]
A ideia do dinheiro como isco é como a da cenoura que se pendura à frente do burro. Um truque de quem, com a consciência pesada por pouco fazer pelos piores, e por nada mais ter feito pelos melhores, os trata como se fossem asnos.

São, afinal, meras alvíssaras, que servem para que a ministra descubra, e depois exiba em dia próprio, os parcos sucessos. E, claro, esconda e omita os insucessos criados pelo jacobinismo do sistema educativo, pelo igualitarismo que nivela por baixo, pela destruição metódica da autoridade do docente pela ideia de que a avaliação punitiva é socialmente discriminatória e reprodutora de exclusão.
Tudo isto acontece a um ano das eleições. O Governo não melhorou a escola, mas vai distribuir dinheiro e computadores. [...]»

Rui Moreira, Público (11/08/08)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Aquilo que a propaganda do Governo não diz


Portugal é dos países que investem menos nos alunos

«Portugal fica em 22º lugar num total de 33 países no que respeita ao investimento que faz por cada aluno e situa-se na cauda da tabela quanto aos empregados sem qualquer qualificação.
Quanto ao número de alunos por turma, as escolas portuguesas ficam na 25ª posição de um ranking de 31 Estados.
De acordo com dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Portugal investe, em média, cerca de 4.200 euros por estudante, o que coloca o país na 22ª posição numa tabela com um total de 33 países.
Em 2006, as turmas portuguesas do ensino básico tinham uma média de 19 alunos, número que colocava o país na 25ª posição, numa lista de 31 países.
A lista é liderada pela Federação Russa, com 16 alunos, enquanto que a Coreia do Sul se encontra no extremo oposto, com o dobro dos estudantes em cada turma.»

Síto da TSF (9/09/08)

As escolas que já não existem

Entre 2000 e 2007, foram fechados 875 Jardins de Infância e 3714 Escolas Básicas do 1º Ciclo, em Portugal. O actual Governo foi o responsável por grande parte do encerramento destes estabelecimentos de ensino. Como esta estratégia lhe garante poupanças significativas, nem se questiona sobre a sua validade. Mas há quem pense de modo diferente.
A opinião de dois especialistas:

Rui d’Espiney (Investigador do Instituto das Comunidades Educativas)
«O Coordenador Nacional do Projecto Escolas Rurais defende um sistema onde os estabelecimentos de ensino são animadores da vida das aldeias. Para Rui d’Espiney, ao fechar escolas, o governo condena as aldeias à desertificação. E nem os argumentos de falta de resultados colhem junto deste especialista: “Um estudo no litoral alentejano demonstrou que o insucesso escolar no espaço rural é superior em apenas um por cento ao espaço urbano. Mas é maior para quem está longe da família.”»

José Alberto Correia (Professor da Faculdade de Psicologia do Porto)
«“Esta é uma política de pura racionalização para optimizar resultados financeiros, sem ter em conta os custos sociais.” José Alberto Correia avisa que a poupança a curto prazo pode redundar em custos maiores no futuro. Em causa, estará a escola como espaço de interacção social e centro de revitalização das aldeias.»

Diário de Notícias (8/09/08)

Um futuro que promete...

«Inclino-me a pensar que os sindicatos vão, mais uma vez, desmobilizar os professores a troco de coisa nenhuma. Umas cedências de pormenor, mantendo o modelo tal como está, para dar a ideia de que houve recuo e que todos ganharam. Se assim for (oxalá me engane!), será uma desgraça para os professores. Com os professores de joelhos, outras malfeitorias virão: fim das pausas da Páscoa e do Natal, escolas abertas e com alunos durante a Páscoa e o Natal, formação contínua aos sábados, etc.

A profissão tal como a conhecemos está em vias de acabar. A escola pública vai morrer. As classes alta e média alta vão colocar os seus filhos em colégios privados e as escolas públicas transformar-se-ão em imensos CEFs onde não se aprende nada, apenas se guardam crianças e adolescentes. Os professores assistirão ao nascimento de um outro estatuto, ainda pior que o actual: o estatuto de prestadores de cuidados sociais e de empregados domésticos dos pais.»

Ramiro Marques

Texto enviado por Paula Rodrigues

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A máquina da propaganda não pára

Os jornais e a rádio deram-nos, em uníssono, logo pela manhã, a seguinte notícia: «Chumbos no básico e secundário atingiram este ano o valor mais baixo da última década».
Este Governo vai ficar para a história como o melhor Governo, depois do 25 de Abril, no domínio da agitação e propaganda. Infelizmente, vai ser este o motivo por que o actual Governo será histórico. Infelizmente para nós.
Já muita gente o disse, nós aqui também já o dissemos: o final deste ano e todo o ano de 2009 vão ser preenchidos com permanentes e repetitivas parangonas na comunicação social a propalarem os extraordinários resultados obtidos na área da Educação. O programa de facilitismo generalizado desenvolvido por este Governo é e será triunfante a múltiplos níveis:
— a nível dos exames do 9.º e 12.º anos (o que se passou este ano com a Matemática passar-se-á, para o ano, com o Português);
— a nível do abandono escolar (com a teoria, exaustivamente repetida, quer na comunicação social quer em acções de formação, que defende que reprovar um aluno é atirá-lo para a marginalidade e para o crime; e com a enorme teia burocrática que é exigida ao docente para poder reprovar um aluno, os professores sentem sobre si a enorme pressão de passarem tudo e todos );
— a nível das reprovações por faltas (aqui, os resultados serão únicos, porque a redução será absoluta, total, já que, a partir deste ano, ninguém vai reprovar por ultrapassar o limite de faltas (Novo Estatuto do Aluno) — e como disse a ministra da Educação, em uma das suas famosas entrevistas (Diário de Notícias, 30/10/07), se a um aluno lhe apetece mais ir apanhar sol do que ir à escola, não há problema, a escola, à tarde, dá-lhe mais trabalho...);
— a nível dos milhares e milhares de diplomas obtidos através do também já famoso sistema denominado de Novas Oportunidades, que farão de Portugal um óasis de competências certificadas;
¬— etc., etc., etc..
Portanto, nada disto é ou será surpreendente. O que é surpreendente (de verdade, já nem isso podemos dizer...) é ouvirmos a ministra da Educação afirmar o que afirmou. Isto é, afirmar que o estudo acompanhado, os planos de recuperação e as aulas de substituição são a explicação para a grande melhoria dos resultados. Trata-se de uma justificação com um inaceitável e incompreensível défice de fundamento: o estudo acompanhado e os planos de recuperação já existem e são praticados há vários e muitos anos em todas as escolas — não era, agora, repentina e miraculosamente, no ano lectivo transacto, que surtiriam resultados surpreendentes; por outro lado, considerar as aulas de substituição como causa da obtenção de melhores classificações, em que as esmagadora maioria dessas aulas não são aulas, são, de facto, actividades de substituição que nada têm que ver com o conteúdo da aula que iria ser ministrada, é algo que nem merece comentário.
O problema é que a maioria das pessoas não tem conhecimento, como é natural que não tenha, dos pormenores, dos meandros da realidade, ou seja, não tem conhecimento da verdade. E, deste modo, a propaganda tem o caminho aberto, e espalha-se, e infiltra-se, e entranha-se, e medra.
Assim se faz, não a espantosa, mas a medíocre realidade das coisas.

Um Céu Demasiado Azul

Filipe Castanheira apanhou o táxi num último momento de indecisão e deu o endereço. Mas fez o resto do percurso de olhos semicerrados, talvez porque não gostasse realmente de ver as ruas de Lisboa, sobretudo durante o Verão, quando o calor e a luz branca do sol deixam perceber uma cidade demasiado desordenada e abandonada.
— Não tenha dúvidas, meu caro amigo — disse o taxista arrancando. — Veja o senhor essa rapariga. Não tenha dúvidas. Imaginemos que estamos aqui na Luciano Cordeiro, não é verdade?, pois é melhor que elas andassem nuas, nuas e em pêlo. Porque assim a gente não tinha problemas, porque, está a ver, estamos aqui na Luciano Cordeiro, não é verdade?, o senhor disse Telheiras?, e aí vamos nós para Telheiras, atravessamos Lisboa de ponta a ponta, no meio do calor e do trânsito, o senhor pede para fumar um cigarro, falamos sobre futebol, por aí fora, pois quando chegamos ao Lumiar ainda estamos os dois a magicar na rapariga. Como é que ela era? Como é que ela seria? Por aí fora. Pois se andassem nuas era melhor, a gente via e pronto, estava tudo despachado, assim não, vamos daqui até ao Lumiar e chegamos lá e ainda estamos a pensar nela.

Francisco José Viegas, Um Céu Demasiado Azul, p. 222.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Pobreza a mais, decoro a menos

Segundo o Governo, com as medidas agora aprovadas, cerca de 400 mil alunos poderão aceder ao escalão mais baixo, escalão A, da Acção Social Escolar (ASE), o que lhes permitirá ter refeições e manuais escolares grátis. A condição para se usufruir deste apoio é que o rendimento bruto per capita da família do aluno não ultrapasse os 135 euros mensais!!
Numa família de três pessoas, isto significa que o rendimento mensal bruto do agregado familiar não pode ser superior a 405 euros (!!!) para poder ter direito a esse apoio. Isto significa que tem de estar abaixo do limiar de pobreza! Isto significa também que no universo de 1,4 milhões de alunos portugueses mais de um quarto vive abaixo do limiar de pobreza. E isto deveria significar igualmente que teríamos de sentir vergonha por esta realidade ainda existir, mas há quem não sinta.
O alargamento do número de beneficiários da Acção Social Escolar, que as novas medidas governamentais possibilitam, constitui, de facto, um alento, ainda que muitíssimo insuficiente, para quem vive em tão más condições, mas nunca deveria constituir motivo de propaganda e de pavoneamento público por parte do Governo. É constrangedor ver o circo publicitário que esta medida gerou. A realidade que está por trás da necessidade desta medida (positiva) de alargar o número de beneficiários da ASE deveria, só por si, obrigar a decoro e discrição. Ter a consciência de que mais de um quarto da população estudantil portuguesa vive abaixo do limiar de pobreza deveria impedir vaidades e sobrancerias políticas. Até porque tudo isto obriga a perguntar:
1. Este governo, que está em funções há três anos e meio, só agora tomou esta medida porquê? É porque se aproximam eleições? Por exemplo, manter os gastos de muitos milhões de euros nas SCUTs tem sido mais importante que combater a pobreza porquê?
2. Perante uma situação de tão elevado índice de pobreza, e tendo o Partido Socialista, nos últimos treze anos, governado durante dez, não deveriam ter o Governo e os seus apoiantes, no mínimo, decoro e contenção?
3. Não é possível fazer política de forma honesta, sóbria e nobre? Temos de suportar permanentemente esta feira de jactâncias e de arrogâncias?

domingo, 7 de setembro de 2008

Pensamentos de domingo

«Aquilo que maiores tolices ouve neste mundo talvez seja uma obra de arte num museu.»
Edmond de Goncourt

«Ópera é quando um gajo é golpeado pelas costas e em vez de sangrar canta.»
Ed Gardner

«Eu nunca odiei suficientemente um homem para lhe devolver as jóias.»
Marlene Dietrich

In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

sábado, 6 de setembro de 2008

O tango dançado em prosa

A propósito do campeonato de tango que decorreu em Buenos Aires, Ricardo Dias Felner escreveu, na semana passada, no Público, este belo texto. Um texto que dança...

Agora tocam-se levemente, oficialmente, como um cumprimento entre duas pessoas que acabam de se conhecer. As pernas dela avançam em sentido contrário, cruzam-se, escondem a intimidade, só praticamente os dedos dos pés assentando no chão, o corpo esticado: quer parecer alta e altiva e delicada.

Ele perscruta-a, os olhos agarram-na, registam como reage às suas pequenas provocações, coisas subtis que se passam naquele metro quadrado: uma expiração mais forte que percorre o pescoço de cima para baixo e acaba na orelha, um toque fugaz da pélvis, ainda um toque muito fugaz. Ela resiste, experimenta-lhe a destreza. Com a cabeça erecta, queixo subido, troca-lhe os passos, os pés muito rápidos fugindo dos seus. O homem, contudo, confia na sua técnica e no cabelo grisalho. Há um momento em que transportará uma das suas pernas pelo ar, um boleo rápido e espectacular. E há este segundo parado em que encosta a face na face dela, o nariz quase dentro do seus olhos pintados, cheirosos, a boca a quatro dedos da boca dela.
Estão finalmente os dois rendidos ao tango, à vida naquele metro quadrado que agora é só deles. Passada a prova da perícia e do respeito, ele agarra-a pelas costas, a mão forte nas costas, atira-a ao ar, dá-lhe colo, arrasta-a. Divertem-se, choram, seduzem-se, beijam-se sem ninguém ver, ela diz-lhe que não é mulher para se subjugar, é isso que diz a tatuagem na perna e é isso que diz todo o seu corpo.

Ricardo Dias Felner, Público (28/08/08)

Tango Passion

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

São uns brincalhões...

«O ministro da Administração Interna, Rui Pereira, anunciou hoje, em Belas, Sintra, que o Orçamento do Estado para as forças de segurança vai "aumentar realmente"» (Lusa)

São uns brincalhões, estes nossos governantes... Logo eu, a quem cedo ensinaram que com coisas sérias não se brinca, fico, como dizer?, confundida! Ora não querem lá ver que o país tem problemas de (in)segurança?!? Afinal não era só alarmismo dos media?!? Os assaltos diários e persistentes a bombas de combustível, a dependências bancárias, o carjaking... tudo isso será mesmo real?!? Naaaa.... então o "zangado" (vulgo PM) não esclareceu que há menos insegurança, melhor qualidade de vida, menos desemprego, etc. etc. ...? Afinal parece que o sr. Engº(?) não andava muito bem informado (o que não admira, pois ainda há poucos dias, quando visitava panfletariamente uma escola da área de Lisboa, cuja edificação está a ser intervencionada, o dito sr. Engº confundiu um pavilhão (de aulas) pré-fabricado com as instalações de apoio à própria obra...... tanto amor pela educação e tanto desconhecimento do estado das escolas!)
Andamos a brincar?!? Porque é que o Orçamento do Estado para as forças de segurança "aumenta realmente"? Aumentar, apenas, encontra-se no domínio do virtual?!? Ou afinal, quando se diz que "aumenta", é só a brincar?!? Realmente.... senhores governantes, ou eu não percebo nada desta nossa língua, ou não tenho sentido de humor, ou este país é governado por uma cambada de meliantes. Realmente.... (já não) estranho.

Uma resposta brilhante

Durante um debate numa universidade dos Estados Unidos, o actual ministro da Educação do Brasil, Cristovam Buarque, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia (ideia que surge com alguma insistência em alguns sectores da sociedade americana e que muito incomoda os brasileiros). Um jovem americano fez a pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um Brasileiro.
Esta foi a resposta do ministro Cristovam Buarque:
«De facto, como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que tem importância para a humanidade. Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não seu preço.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar que esse património cultural, como o património natural Amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito tempo, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história
o mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa!»


Texto enviado por Manuela Carvalho

Um «Ano Mais»

«Este é um ano em que teremos mais cursos profissionais, mais investimento nas escolas, mais apoio para as famílias», disse a ministra da Educação.
E poderia ter acrescentado: também vamos oferecer milhares de computadores a preços de fim de estação; e vamos conseguir ainda muito melhores resultados nos exames nacionais com excelentes estatísticas para mostrar ao povo, à comunicação social e à União Europeia; e iremos ter a avaliação dos malandros dos professores, que não queriam ser avaliados, mas vão ser, não interessa como, mas vão ser; e vamos ter plenamente em vigor o novo Estatuto do Aluno, e, portanto, já não haverá reprovações por faltas; e estamos a preparar o terreno para que as reprovações acabem de vez, seja por que motivo for; e vamos ter a transição para o novo modelo de gestão das escolas, sem que se tenha feito uma avaliação rigorosa e pública do modelo anterior (mas, daquilo que se sabe, as avaliações externas que estão a ser feitas às escolas têm dado resultados de Muito Bom e de Bom em catadupa; daí que se pergunte: com tão bons resultados nessas avaliações, vai-se mudar porquê? Ou os resultados da avaliações que o Ministério faz não são fiáveis? Ou já estava decidido mudar antes de se saber o resultado das avaliações? Ou que trapalhada é esta?).
Será, portanto, um verdadeiro «Ano Mais». Para português ver, e porque, logo a seguir, há eleições.
Mas falar do que, em política educativa, é substantivo falar a ministra não fala. Não fala, por exemplo, de dois aspectos essenciais: não fala da análise e da avaliação que já devia estar feita dos actuais planos curriculares dos ensinos básico e secundário nem fala da avaliação que já devia estar feita dos actuais programas disciplinares e da sua futura revisão.
Disto, que são traves mestras do sistema educativo, a ministra da Educação não fala. Não fala porque nada disto dá votos nem faz ruído na comunicação social. Como também não fala de uma cultura de exigência, de trabalho e de disciplina, dirigida aos alunos e aos pais. A ministra não lhes diz que os bons resultados se alcançam com trabalho e sacrifício. Aos alunos e aos pais, acena-lhes com a ausência de reprovações e com notas altas nos exames, com subidas miraculosas nos resultados da temida Matemática, e com muitos, muitos computadores (de baixa gama e de nenhuma fiabilidade, deveria acrescentar-se — são múltiplos os professores e alunos a queixarem-se com as repetidas avarias ou com a extrema lentidão de navegação na internet).
Será um verdadeiro «Ano Mais».

Atrasos e responsabilidades

Segundo o noticiado nos jornais, a Câmara Municipal do Seixal perdeu, por dois minutos, a possibilidade de se candidatar a um financiamento comunitário do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) no valor de 6 milhões de euros para a requalificação do bairro crítico da Quinta do Cabral.
A Câmara Municipal do Barreiro também perdeu, mas por dez minutos, a possibilidade de se candidatar ao mesmo financiamento do QREN, no valor de 3,5 milhões de euros, para a requalificação das frentes ribeirinha e marítima.
Em ambos os casos, as perdas deveram-se a incompreensíveis e inaceitáveis atrasos na entrega das candidaturas. Quem fica a perder são os munícipes de ambos os concelhos.
As responsabilidades já foram apuradas? Ou na esfera autárquica passa-se o mesmo que na esfera governamental, em que a culpa morre sempre desacompanhada?

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Preferia regressar com um poema de amor ...


Canto interior de uma noite fantástica

Sereno, mas resoluto
aqui estou – eu mesmo! – gritando desvairado
que há um fim por que luto e me impede de passar ao outro lado

Ante esta passagem de nível
nada de fáceis transposições
Do lado de cá – pareça embora incrível
é que me meço: princípio e fim das multidões

Não quero tudo quanto me prometem aliciantes
Nada quero, se para mim nada peço,
o meu desejar é outro – o meu desejo é antes
o desejo dos muitos com que me pareço

Quem quiser que venha comigo
nesta jornada terrena, humana e sincera
E se for só – ainda assim prossigo
num mar de tumulto impelindo os remos sem galera

(…)

E não transporei a linha divisória
entre o meu e o outro caminho
Mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho

Assim continuarei a lutar, ai a lutar!
num perigoso mar de paixões e escolhos
e – companheiros – se neste sofrer me virdes chorar
não acrediteis em vossos olhos!

António Jacinto

Foi em 1974 que li pela primeira vez este poema de António Jacinto. Trinta e quatro anos depois … voltei, estranhamente, a rever-me nestes versos “panfletários”, nesta exaltação singular de um sentido de vida, na necessidade de afirmar um “campo de combate” que se abraça mesmo que a glória pareça inatingível.

Por muito que tentem convencer-me do contrário (e das vantagens daí decorrentes), continuarei a ver os bois com cornos e a chamá-los pelos nomes. Por opção consciente, sou professor há três décadas … e não transporei a linha divisória entre o meu e o outro caminho.

Já agora: VOTOS DE UM ANO ESCOLAR EM QUE A ESPERANÇA SOBREVIVA.

Dos meus gostos

Gosto do cheiro a mar, do cheiro a praia, a sal. Gosto dos tons quentes de Verão, das temperaturas que nos trazem mais “à-solta”. Gosto de passear na rua, sentir a vida pululante em meu redor. Gosto do silêncio. Gosto de partir para voltar…. Ou gostava…. Ou ainda gosto. Voltar à escola, à vida, ao trabalho, a casa - sinónimos quase perfeitos. Em finais de Agosto, eu, que sofria as ânsias das férias ao primeiro raio de sol primaveril, já começava a sentir-me atraída pelos odores, pelas cores, pelo clima estudantil que me chamaria em breve, nesse Setembro que vinha devagar.
Este ano perdeu-se qualquer coisa em mim. Intento num esforço, mas não sou atraída. Consigo somente sentir-me traída. Setembro veio galopante, atropelou-me antes de chegar. Não foi Setembro, foram os meses longos que o trouxeram em gestação. E já não me agradam os odores, não quero inalar as emanações pútridas de um envenenamento anunciado. Ferem-me as cores e o mercúrio de um termómetro que borbulha (mal se abriu ainda a porta). E quando saio à rua, já não passeio, desconfio. Envolvem-se-me os movimentos, sem entusiasmo, com suspeições e incredulidades. E não gosto. E não quero a nostalgia de um qualquer bem, passado. Quero um presente. Um presente onde não se varre, com ignóbil astúcia, a paixão da educação, atirada aos roldões por aí, neste país a esmorecer.
Quero partir…

Miles Davis Quintet

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Espantos

Ontem, o primeiro-ministro e a ministra da Educação visitaram três escolas secundárias de Lisboa, para assinalar, com pompa, o início (já atrasado) da primeira fase do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário. Segundo rezam as notícias, o chefe de governo ter-se-á mostrado «espantado com o estado deprimente a que o parque escolar chegou».
Há «espantos» que indignam. Há «espantos» que repugnam.
Recordemos alguns factos:

1. Nos últimos treze anos, o Partido Socialista foi (e é) governo durante dez. E não sabia, não sabe, não tem informações sobre o estado do parque escolar?!

2. Pelo menos, nos últimos quinze anos, os professores têm-se cansado de informar e de reclamar do estado inaceitável e vergonhoso a que chegou grande parte das escolas secundárias do país. E o governo diz que não sabe? Que está «espantado»?

3. Foram os governos do Partido Socialista que esbanjaram milhões de euros em subsídios para construção de dez estádios de futebol para o Euro 2004, enquanto deixavam apodrecer escolas com salas de aula onde se treme de frio, onde chove, onde se transpira de calor, onde o giz não agarra ao quadro porque a humidade não o permite, onde cada carteira tem um tamanho diferente e onde há bancos onde deveria haver cadeiras e, onde há cadeiras, não se sabe se é a dimensão das cadeiras que conflitua com a altura da mesa ou se é a altura da mesa que conflitua com a a dimensão das cadeiras.
Lembre-se, a propósito, que vivíamos no tempo da paixão socialista pela Educação. E o responsável político pela candidatura portuguesa ao Euro 2004 era o governante que hoje se afirma «espantado» com o estado «deprimente» a que chegou o parque escolar, o mesmo eng. José Sócrates.

4. Tem sido nessas condições, nesse estado deprimente, que milhares de alunos e de professores aprendem e ensinam, há já muitos anos. Mas, agora, nos últimos três anos, às péssimas condições de trabalho juntou-se a política de confronto, de afronta e de desmedida arrogância levada a cabo pela ministra da Educação, com o permanente aval do primeiro-ministro.

É por isso que há «espantos» que indignam, é por isso que há «espantos» que repugnam.

«A carreira docente é, hoje, um coio de burocracia»

Um breve excerto de um artigo, de Santana Castilho, publicado, hoje, no Público:

«A revista Veja, de 6 de Agosto, [...] ouviu Schleider [responsável pelo programa PISA] sobre as fragilidades da Educação no Brasil. Algumas das suas afirmações são importantes para reflectirmos sobre o que por cá se passa.
A jornalista Mónica Weinberg perguntou: " Porque é que a China e outros países em desenvolvimento estão à frente do Brasil?" Schleider respondeu: "Antes de tudo... são países que decidiram coolocar a educação em primeiro lugar. Isso traduz-se em medidas... Uma das mais eficazes diz respeito à criação de incentivos para tornar a carreira de professores atraente..."
É! As paixões e as prioridades não se afirmam com discursos e propaganda, mas com medidas. Este Governo passará à posteridade por ter sido o que mais diminui os professores e mais desvalorizou o seu estatuto profissional e social. A carreira docente é hoje um coio de burocracia. Os melhores debandam.»

Números

. 40 mil professores ficaram sem lugar nas escolas.

. 20 mil professores sem subsídio de desemprego.

. 38 por cento das turmas de 9º ano tinham, no ano lectivo anterior, entre 24 e 28 alunos.

. 43,8 por cento das turmas de 7º ano tinham, no ano lectivo anterior, entre 24 e 28 alunos.

. 70 mil crianças ainda não têm lugar na rede do pré-escolar.

. 15 mil professores estiveram (ilegalmente) contratados a recibo verde por câmaras ou outras entidades para trabalhar nas actividades de enriquecimento curricular do 1º ciclo.

. Nove em cada dez dos professores desempregados têm habilitação profissional específica para o ensino.

. Em 36 por cento das escolas do ensino privado não existem elementos nos processos administrativos dos professores relativos a descontos fiscais e a descontos para a Caixa Geral de Aposentações.

Fontes: jornais Público e Diário de Notícias (2/9/08)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Carta Aberta de um professor reformado

Li, no blogue de Paulo Guinote, A Educação do Meu Umbigo, a Carta Aberta, que a seguir transcrevo, escrita pelo professor Joaquim Moedas Duarte, da Escola P. Francisco Soares, de Torres Vedras, reformado desde o passado mês de Janeiro.
Sei que é mais um testemunho a juntar a milhares de outros, mas por isso mesmo, por ser mais um testemunho que fala simplesmente a verdade, é que deve ser divulgado.
O país deveria ser inundado com estes testemunhos para que a ministra da Educação e o primeiro-ministro pudessem sentir vergonha de serem os responsáveis pela saída compelida de milhares de professores para a reforma antecipada. Todos estes professores saem antecipadamente para a reforma porque sentem repugnância pelo estado a que chegou a Educação em Portugal e porque sentem que foram objecto de inimagináveis injustiças alegremente promovidas pelos responsáveis políticos do actual governo.
Eu, que tenho 48 anos de idade, 27 anos de serviço e que amo a minha profissão, se pudesse, também seria um deles, seria, agora, um reformado compelido pelas barbaridades da política educativa deste governo. Como não sou, combaterei, por todas as formas que a legalidade permita e a minha consciência ordene, a incompetência, a iniquidade e a arrogância políticas da ministra Maria de Lurdes Rodrigues e do primeiro-ministro José Sócrates.
Segue a Carta Aberta do professor Joaquim Moedas Duarte, reformado há oito meses.


CARTA ABERTA AOS MEUS COLEGAS PROFESSORES

Pela primeira vez em muitos anos não retomo a actividade docente no início do ano lectivo. Mas não o lamento e é isso que me dói. Sempre disse que queria ficar na escola mais alguns anos para além do tempo da reforma, desde que tivesse condições de saúde para tal. Contudo, vi-me “obrigado” a sair mais cedo, inclusive aceitando uma penalização de 4,5% sobre o vencimento.
Não sou protagonista de nada: o meu caso é apenas mais um no meio de milhares de professores a quem este Governo afrontou. Só quem não conhece as escolas e tem uma ideia errada da função docente é que não entende isto.
É doloroso ouvir pessoas que sempre deram o máximo pela sua profissão, que amam o ensino e têm uma ligação profunda com os alunos, a dizerem que estão exaustas e que lamentam não serem mais velhas para poderem reformar-se já. Vejo com enorme tristeza estes colegas a entrarem no ano lectivo como quem vai para um exílio. Compreendo-os bem…
 Este estado de coisas tem responsáveis: são a equipa do Ministério da Educação e o Primeiro-ministro. 
A eles se deve a criação de um enorme factor de desestabilização e conflito nas escolas que é a divisão artificial da carreira docente entre “professores titulares” e os outros que o não são. Todos fazem o mesmo, a todos são pedidas as mesmas responsabilidades, mas estão em patamares diferentes, definidos segundo critérios arbitrários.
 A eles se deve um sistema de avaliação de desempenho que não é mais do que a extensão administrativa daquele erro colossal.
 A eles se deve a legislação que não reforça a autoridade dos professores na escola, antes os transforma em burocratas ao serviço de encarregados de educação a quem não se pedem responsabilidades e de alunos a quem não se exige que estudem e tenham sucesso por mérito próprio.
No ano passado 100 000 mil professores na rua mostraram que não se conformavam com este estado de coisas. O Governo tremeu. Mas os Sindicatos de professores não souberam gerir esta revolta legítima. Ocupados por gente que não dá aulas, funcionalizados e alienados pelo sistema, apressaram-se a assinar um acordo que nada resolveu, antes adiou um problema que vai inquinar o ano lectivo que hoje começa.
Todos os que podem estão a vir-se embora das escolas, é a debandada geral. Gente com a experiência e a formação profissional de muitos anos, que ainda podiam dar tanto ao ensino, retiram-se desgostosos, desiludidos, magoados. Deixaram de acreditar que a sua presença era importante e bateram com a porta. O Governo não se importa, nada faz para os segurar: eram gente que tinha espírito crítico e resistia. «Que se vão embora, não fazem cá falta nenhuma!»
Não, não tenho pena de não voltar à escola. Pelo contrário: entro em Setembro com um enorme alívio. Mas não me sinto bem. Estou profundamente solidário com os meus colegas de profissão e tenho a estranha sensação de que os abandonei, embora saiba quanto isso é pretensioso da minha parte. Vejo com apreensão e desgosto que, trinta e sete anos depois de começar a ser professor, a escola não está melhor.
 Sim, regressarei hoje à escola. Mas só para dar um imenso abraço àqueles que, corajosamente, como professores no activo, enfrentam um novo ano lectivo.

Torres Vedras, 1 de Setembro de 2008

Joaquim Moedas Duarte

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

De volta

Depois de termos conseguido sobreviver às férias, estamos de volta.

De volta, para sabermos se os nossos leitores também sobreviveram às férias e, tendo sobrevivido, se ainda se lembram de nós, se ainda estão para nos ler, ver e ouvir, e, igualmente, comentar, criticar, partilhar coisas boas e más, preocupações, opiniões, alegrias, angústias, vitórias, derrotas, sabores, dissabores, enfim, se ainda estão dispostos a exercer connosco o direito e o dever de intervenção cívica, segundo a determinação de cada consciência.

De volta, para prosseguirmos o que iniciámos no passado dia 18 de Março («Texto de Abertura») e que, hoje, reafirmamos:
Continuaremos a submeter ao escrutínio da crítica tudo o que considerarmos que deve ser escrutinado.
Em primeiro lugar, as nossas próprias opiniões, que ficam sujeitas à exposição pública e ao contraditório. Em segundo lugar, a política educativa: da legislação e orientações emanadas do Ministério da Educação até às opções e medidas que, adoptadas por uma qualquer escola, mereçam ser favorável ou desfavoravelmente criticadas. Em terceiro lugar, e porque a vida não é só Educação, tudo o «Resto», que a vontade ou a oportunidade ditem como pertinente, continuará a ser objecto do nosso escrutínio e da nossa atenção.

De volta, porque o próximo ano lectivo será um ano decisivo. Será o ano da vitória ou da derrota da mais incompetente e mais arrogante política educativa executada em Portugal, desde há 34 anos.

De volta, porque, apesar da vida não se esgotar na Educação, ela é demasiado importante para ser deixada exclusivamente à responsabilidade ou à irresponsabilidade dos políticos.

De volta, porque o estado da Educação e do resto a isso nos obriga. A todos obriga.